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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/01/1970 01/01/1970 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
94 minuto(s)

Beyond
Svinalängorna

Dirigido por Pernilla August. Com: Noomi Rapace, Ola Rapace, Tehilla Blad, Outi Mäenpää, Ville Virtanen, Alpha Blad, Selma Cuba, Junior Blad.

Depois de um longo período de dor e sofrimento familiar, a jovem Leena (Tehilla Blad), obrigada a amadurecer rapidamente a fim de tomar conta do irmão menor em um ambiente instável e deprimente, finalmente começa a se permitir uma vaga esperança de que sua vida esteja caminhando rumo a algum tipo de felicidade apenas imaginada quando, certa noite, testemunha um único e breve gesto de seu pai que, como num passe de mágica, põe fim a todos os seus sonhos de harmonia: um gole em uma garrafa de bebida alcoólica.

Filha de pais alcoólatras, Leena, agora adulta (e vivida por Noomi Rapace, de Os Homens que Não Amavam as Mulheres), leva uma existência feliz ao lado do marido e das duas filhas quando, certa manhã, recebe um telefonema de um hospital localizado em sua cidade natal e é informada de que sua mãe, à beira da morte, deseja vê-la uma última vez. Relutante em atender ao pedido, a moça é convencida pelo companheiro (interpretado pelo marido da atriz na vida real) a fazer a viagem e, acompanhada pela família, inicia a jornada que a leva também a revisitar os momentos mais traumáticos de sua infância.

Escrito pela diretora Pernilla August ao lado de Lolita Ray e inspirado em livro de Susanna Alakoski, Beyond é, desde sua concepção, um filme sobre mulheres e a força (e também a vulnerabilidade) destas diante dos obstáculos. Encarnada por Outi Mäenpää com admirável complexidade, a mãe Leena fica longe de representar o estereótipo da alcoólatra instável, sempre com um copo de bebida em mãos: sim, ela faz coisas terríveis quando embriagada, mas é igualmente capaz de tratar os filhos com imenso carinho e dedicação quando sóbria. Enquanto isso, o finlandês Ville Virtanen empresta um inegável calor humano a Kimmo, pai da protagonista – o que, por contraste, deixa o espectador ainda mais chocado quando se entrega ao álcool e se converte em um autêntico monstro (e não é de se admirar que sua esposa recorra à bebida para esquecer/fugir dos abusos que sofre nestes momentos). A grande tragédia apresentada no filme, aliás, é o fato de que Kimmo e Aili são pessoas essencialmente boas e perfeitamente capazes de criar os filhos com afeto, mas acabam jogando tudo no lixo em função do alcoolismo.

Com isso, mesmo nos momentos de paz e harmonia há uma tensão subjacente que surge como fruto do reconhecimento de que tudo aquilo pode ruir em um segundo, bastando que um dos dois faça o gesto descrito no início deste texto – e é por isso que a pequena Leena anota, em seu diário, verbetes sempre contraditórios: “alegre” vem seguido por “temor” e por aí afora. Interpretada com talento e precocidade pela adolescente Tehilla Blad (cujas irmãs, diga-se de passagem, vivem as filhas de sua personagem na fase adulta), Leena é uma garota forte que, aos poucos, aprende a reconhecer o caráter enfraquecido dos pais e se dedica a proteger o irmãozinho daquela realidade, mesmo que, às vezes, isto se torne impossível (como na dolorosa cena em que Kimmo e Aili se agridem diante dos filhos enquanto montam uma árvore de Natal).

Assim, é inevitável que, adulta, Leena acabe sendo composta por Rapace como uma mulher que, embora sorrindo diante da família, revela uma tristeza constante que se manifesta em sua introspecção, já que não há como simplesmente fugir ou ignorar os anos de abusos psicológicos sofridos nas mãos de seus pais. Neste sentido, aliás, a fotografia de Erik Mollberg Hansen é inteligente e sensível, enfocando o passado da personagem com cores um pouco mais intensas e com certa granulação, ao passo que os acontecimentos presentes são vistos numa paleta triste e dessaturada – e a implicação é lógica ao refletir o fato de que todos aqueles acontecimentos trágicos continuam a drenar a energia e a alegria da protagonista mesmo décadas mais tarde.

Marcando a estréia na direção da excelente atriz Pernilla August, Beyond é um filme sensível e sufocante que sabe reconhecer o momento apropriado para a catarse – e se Leena finalmente não consegue conter as lágrimas em certo momento da projeção, sabemos e sentimos que o choro não é provocado exatamente pela condição da mãe, mas sim pelo reconhecimento da vida miserável que ela mesma teve.

26 de Outubro de 2010

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de SP 2010.

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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