Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/01/1970 | 01/01/1970 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Vicente Ferraz e Alessandra Aldé.
Considerando a relevância cada vez maior de discussões acerca da ética na imprensa brasileira e a maneira obscura com que vem se envolvendo de forma pesada nas campanhas de candidatos de uma direita atrasada e reacionária, este Arquitetos do Poder é um documentário que se apresenta atualíssimo justamente ao abordar o círculo vicioso entre os componentes midiáticos e políticos do marketing político que dita as agendas das eleições no país.
Esforçando-se para entrevistar representantes de todas as principais vertentes ideológicas do cenário político atual e também os profissionais de todos os lados do processo, de jornalistas a marqueteiros, o filme traz depoimentos surpreendentemente francos de figuras como José Genoíno, César Maia, Ciro Gomes, Pedro Simon, Duda Mendonça, Cláudio Humberto Rosa e Silva (ex-porta-voz de Collor e que, pasmem, oferece alguns dos melhores insights do longa), Ronald de Carvalho (editor de política da Globo na época da primeira eleição direta), Carlos Henrique Schroder (atual diretor geral de jornalismo da emissora) e Paulo de Tarso (ex-marqueteiro de Lula e atual de Marina), entre outros – incluindo o atual responsável pela campanha de Serra.
Ambicioso ao decidir abordar a lógica das campanhas políticas desde a década de 60, quando Jânio Quadros popularizou o bordão da “vassourinha”, Arquitetos do Poder passa de maneira didática pelas décadas seguintes até se debruçar sobre as eleições de 1989, quando, então, expõe o interesse óbvio de grandes setores da mídia em derrubar Leonel Brizola, que encaravam (movidos pelos interesses das empresas-anunciantes) como a grande ameaça ao capitalismo brasileiro. Sem condições de elevar Mário Covas, o escolhido da elite de então (como expõe o próprio Carvalho, que estava no centro de tudo), a imprensa logo adotou Fernando Collor como o único com apoio popular suficiente para derrotar Brizola e, no segundo turno, Lula – e ninguém menos do que Cláudio Humberto revela as maquinações por trás das pautas do jornalismo global, do Globo Repórter ao Jornal Nacional, que logo passaram a empurrar a candidatura do ex-governador de Alagoas e a vender a idéia do “caçador de marajás” (um conceito inicialmente apresentado ao público pela revista Veja).
Detendo-se nas estratégias das campanhas de Lula e Collor, o filme ainda consegue a proeza de trazer o marqueteiro deste último revelando os bastidores da entrevista com a ex-namorada de Lula e o falso escândalo do aborto – um incêndio que nem mesmo a presença da filha do casal no programa do PT, no dia seguinte, conseguiu apagar. Além disso, os cineastas Vicente Ferraz e Alessandra Aldé ainda incluem o depoimento de um dos editores da Globo naquele período, além de jornalistas que trabalhavam na emissora, escancarando as conversas que moveram os caciques do jornalismo da empresa à manipulação assombrosa que fizeram ao editar o último debate entre os candidatos, levando uma edição mutilada ao ar na véspera da eleição.
O documentário, porém, não se detém aí e segue pelas campanhas de 94, 98, 2002 e 2006, divertindo, por exemplo, ao mostrar a clara mudança na imagem de Lula ao longo dos pleitos, à medida que o atual presidente (que, por questão ética, devo esclarecer contar com toda minha admiração e apoio) ia suavizando seu discurso e mesmo o tom de sua voz a fim de não afastar determinados setores da sociedade. Mais uma vez buscando o equilíbrio, os diretores ainda vão atrás dos marqueteiros do PSDB, que confessam sem reservas a pesada campanha negativa feita contra Ciro Gomes por Serra em 2002 – num tiro que quase saiu pela culatra ao elevar as intenções de voto de Anthony Garotinho, ilustrando de maneira perfeita a complexidade do marketing político.
Trazendo uma série de discussões fascinantes acerca de praticamente todos os pleitos da democracia pós-ditadura, Arquitetos do Poder não só expõe os esforços dos tucanos em tornar ilegal a utilização das imagens feitas durante as famosas “caravanas da cidadania” feitas por Lula antes das eleições de 94 como ainda discute o esforço concentrado de toda a imprensa para estabelecer FHC como o “pai do Real” meses antes das eleições (como alguém explica em certo momento, nenhum Ministro da Fazenda jamais teve seu nome associado a um plano econômico, já que os méritos sempre recaíam nos presidentes em exercício – uma lógica que encontrou sua exceção neste período graças à estratégia da mídia). E se a utilização do escândalo do mensalão durante a campanha de 2006 também ganha espaço no documentário, este também avalia a influência decrescente que grandes conglomerados parecem exercer sobre a população, já que nem mesmo os 18 dias de ataques incessantes feitos pela Globo conseguiram impedir Lula de ser reeleito.
Em certo instante da projeção, Ronald de Carvalho, ex-Globo, afirma com orgulho que a “imprensa é o nervo exposto do povo” – uma afirmação que o próprio filme desmente através de sua discussão básica ao escancarar o jogo de interesses por trás de cada notícia que ganha destaque no Jornal Nacional ou no Jornal da Globo, comprovando que o que a grande imprensa tradicional tenta fazer, na realidade, é expor os nervos que lhe interessam e anestesiar aqueles que vão de encontro aos seus objetivos. E se a campanha de Collor em 89 foi iniciada com a imagem do candidato ao lado de um imenso crucifixo enquanto ele afirmava que iria defender os princípios morais do país – outra idéia fartamente vendida pela imprensa da época -, o paralelo com os acontecimentos mais recentes do pleito 2010 se estabelece ainda mais assustador, já que estamos mais uma vez testemunhando, em pleno século 21, uma campanha reacionária que, novamente impulsionada por Globo, Veja, Folha e Estadão, busca desviar o foco das questões sociais, que prejudicariam o candidato da direita, e centrar o debate na religião, ignorando momentaneamente a importância do Estado laico por perceber que reside aí sua chance de poder voltar a manipular os interesses e o voto do eleitorado.
A sorte é que, como defende Arquitetos do Poder, o povo também aprendeu a ler nas entrelinhas da mídia com o passar do tempo, sendo cada vez mais resistente e impermeável ao jogo de interesses que serve de tema a este excelente e relevante documentário.
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2010.
08 de Outubro de 2010
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