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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
11/02/2011 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
118 minuto(s)

O Discurso do Rei
The King´s Speech

Dirigido por Tom Hooper. Com: Colin Firth, Geoffrey Rush, Helena Bonham Carter, Derek Jacobi, Guy Pearce, Michael Gambon, Timothy Spall, Jennifer Ehle, Claire Bloom, Anthony Andrews.

É difícil não gostar de O Discurso do Rei. Trata-se de um filme certinho, enriquecido por grandes atuações, beneficiado por um design de produção competente e que, em seu centro, aborda uma história humana. Além disso, do ponto de vista dramático é sempre um tiro certeiro trazer um protagonista que, embora aparentemente poderoso, sofra como um mortal qualquer – e o fato deste herói freqüentemente fazer piadas a respeito do próprio problema oferece a vantagem de permitir que o espectador também se sinta livre para rir de seus percalços, admirando-o ainda por seu bom humor (mesmo que isto seja obviamente um artifício de roteiro). Dito isso, resta perguntar: apesar de adorável, O Discurso do Rei é um grande filme? Uma obra que mereça, por exemplo, entrar no restritíssimo clube das produções indicadas a 12 Oscars ou mais? A resposta, temo, é um inequívoco “não”.


Escrito por David Seidler, o roteiro passa a acompanhar o duque de York, futuro rei George VI (Firth), no período em que a propagação do rádio tornou necessária a comunicação dos monarcas com seus súditos através de pronunciamentos constantes – algo que traz um compreensível desconforto ao príncipe, que, segundo na sucessão ao trono, julgava jamais ter que enfrentar publicamente sua severa gagueira e demais problemas de dicção. Pressionado pelo pai (Gambon) a fazer mais aparições em eventos públicos, o duque acaba sendo levado pela esposa (Bonham Carter) a procurar o auxílio do fonoaudiólogo Lionel Logue (Rush), mesmo tendo a plena certeza de que jamais conseguirá se comunicar com eloqüência. No entanto, depois que o rei George V morre e seu irmão mais velho, o rei Edward VIII (Pearce), renuncia ao trono para poder se casar com uma mulher divorciada, o recém-coroado George VI se vê diante de um contexto político complexo que logo o obrigará a fazer importantes pronunciamentos ao Império Britânico – o que, contraposto ao fervor discursivo de Hitler, o deixa ainda mais intimidado.

Centrado na relação entre George VI e o australiano Logue, O Discurso do Rei logo se concentra nos momentos divididos pelos dois homens enquanto se entregam a longas conversas que talvez revelem a origem da gagueira do rei e a exercícios e truques que talvez ajudem o monarca a se comunicar mais fluentemente. Insistindo na importância de se enxergarem como “iguais” durante a terapia, Logue faz questão de chamar o paciente de “Bertie” (um apelido familiar) e freqüentemente o trata como criança, repreendendo-o ou aconselhando-o – algo que George VI recebe com reserva inicial e com aceitação gradual. O filme, aliás, parece determinado a ilustrar a irreverência de Lionel desde sua primeira aparição, quando a rainha Elizabeth I entra em seu escritório apenas para ser recebida por um artificial “Estou na privada!” – num dos vários momentos em que o longa parece sair de seu caminho em busca da risada fácil.

O que é uma pena, já que a narrativa sempre ganha mais força quando permanece focada na tortura enfrentada por George VI em função de sua disfunção: logo na cena inicial, por exemplo, o diretor Tom Hooper e seu designer de som acertam ao trazer o protagonista perturbado pela amplificação de todos os seus mínimos tiques verbais pelo sistema sonoro do estádio no qual discursa – e Colin Firth já começa a capturar o espectador aqui através da vulnerabilidade absoluta do futuro monarca. Convincente ao retratar a gagueira e a língua presa de George VI, o ator jamais transforma este problema numa muleta ao compor o personagem, que surge humano e tridimensional, mostrando-se sinceramente preocupado, por exemplo, com os tropeços do irmão mais velho mesmo que este insista em intimidá-lo. Da mesma forma, Firth jamais desperdiça as oportunidades dramáticas oferecidas pelo roteiro, protagonizando um momento extremamente tocante ao usar uma melodia (que diminui sua gagueira) para discutir lembranças dolorosas.

Mas não só: estabelecendo uma ótima química com Helena Bonham Carter (numa rara performance contida, o que talvez explique sua indicação a tantos prêmios), Firth cria um monarca que enxerga a esposa como amiga, sentindo-se livre para manifestar suas inseguranças ou mesmo chorar diante desta – algo que família real certamente condenaria, já que até mesmo o leito de morte de seu pai é rapidamente transformado em um local não de luto, mas de cerimoniosa passagem da coroa (“O rei está morto. Vida longa ao rei!”). E se o veterano Timothy Spall encarna Winston Churchill como uma caricatura, Guy Pearce faz o possível para transformar Edward VIII num sujeito intrigante, mesmo que indiscutivelmente fragilizado pela mulher que ama. Com isso, o segundo grande destaque da produção acaba mesmo ficando por conta de Geoffrey Rush, que constrói Logue basicamente a partir da dignidade do personagem mesmo diante de tantas adversidades – e é lamentável, portanto, que o filme freqüentemente o obrigue a soltar tiradas que soam apenas como invencionices de um roteirista claramente orgulhoso da própria inteligência, mas que jamais convencem como algo que realmente teria sido dito por aquele homem naquelas circunstâncias. Além disso, Seidler apela para a psicologia barata repetidamente ao discutir os personagens (“Talvez ele não queira ter grandeza!”), aposta em obstáculos frouxos para criar conflito (“Descobri que você não tem credenciais!” “Mas aprendi com a experiência!” “Então tudo bem!”) e constantemente dispersa o drama das situações apenas para criar piadinhas infantis (como no instante em que o rei se entrega a palavrões e os filhos de Logue surgem escutando tudo).

Mas o grande problema de O Discurso do Rei diz respeito à abordagem visual do cineasta Tom Hooper: com o objetivo de retratar o ponto de vista do protagonista e seu desconforto diante do mundo, o diretor desde o princípio emprega grandes angulares “olho de peixe”, ângulos baixos e planos fechadíssimos para criar um mundo distorcido, sem balanço e incômodo, além de manter Firth sempre no canto do quadro e com grandes espaços abertos sobre sua cabeça (o que também o torna menor e mais vulnerável). No entanto, se esta estratégia soa inteligente em teoria, acaba sendo sabotada pelo excesso, já que Hooper praticamente a martela durante toda a projeção – até mesmo em cenas que nada têm a ver com George VI, o que elimina toda a lógica da coisa. Além disso, o sujeito parece usar todas as ferramentas de seu “manual do diretor”, empregando, por exemplo, a câmera subjetiva ao enfocar tanto Logue quanto sua esposa durante um jantar, o que parece não ter o menor propósito além de atrair a atenção do espectador para o fato de que o longa tem um diretor. Para completar, Hooper também força a barra ao empregar o “walk-and-talk” para acompanhar praticamente todas as conversas mantidas pelos personagens fora do consultório de Logue, o que parece ter o único propósito (como constantemente é o caso do “walk and talk”) de despistar o excesso de diálogos através da simplesmente movimentação dos personagens. Como se não bastasse, o realizador também apela para o óbvio ao usar o som crescente de uma chaleira para salientar a tensão do encontro inicial de Logue e George VI, tropeçando também nas deselegantes elipses construídas a partir de sucessivos travellings que se aproximam e se afastam da dupla principal.

Saindo-se bem melhor no design de produção, que faz um belíssimo trabalho de recriação de época ao enfocar a Londres da década de 30 (gostei particularmente dos imensos cartazes dispostos nas fachadas de prédios decadentes) e também ao criar ambientes imponentes e intimidantes, O Discurso do Rei finalmente atinge seu clímax no instante que dá título ao filme e que é explorado por Hooper de maneira – aqui, sim – impecável: da montagem que ressalta o alcance e o efeito das palavras do monarca aos planos fechados que expõem a angústia do sujeito, passando pela utilização perfeita da Sétima Sinfonia de Beethoven (que mais tarde cederá lugar ao adágio apropriadamente conhecido como “Imperador”), trata-se de um momento mágico e profundamente tocante que, claro, envia o espectador para fora da sala de projeção sentindo-se movido e disposto a ignorar todos os problemas e o maniqueísmo do filme.

E isto não é necessariamente um pecado – embora o plano final, que emula Karatê Kid ao trazer Geoffrey Rush com o olhar orgulhoso de mestre com que Miyagi encerrara aquela produção, seja um pouco demais. O que incomoda é perceber             como o sentimentalismo barato e artificial acaba levando tantos a ignorarem a direção problemática de Hooper e o roteiro esquemático de Seidler, pois o fato é que O Discurso do Rei até poderia ser considerado o melhor filme do ano – mas apenas se estivéssemos em 1989 e seu principal concorrente fosse Conduzindo Miss Daisy. Já em 2011 e competindo com A Rede Social, A Origem, Cisne Negro, Toy Story 3, Ilha do Medo e tantos outros, a comparação se torna mais do que ridícula; surge ofensiva.

10 de Fevereiro de 2011

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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