Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
23/03/2012 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Paramount |
Dirigido por Walter Carvalho.
“Nunca fiz música de protesto. (O que eu faço) é raulseixismo”, diz Raul Seixas em certo momento de Raul – O Início, o Fim e o Meio, fantástico documentário dirigido por Walter Carvalho que jamais deixa de fazer jus ao personagem-título. Trata-se de uma afirmação divertida como tantas outras que o cantor fez ao longo da carreira, mas que, em sua essência, não correspondia à verdade: sua intenção podia até não ser exatamente o “protesto”, mas não há como negar sua coragem em cantar os versos de “Sociedade Alternativa” vestindo uma boina de guerrilheiro e tocando uma guitarra vermelha em pleno governo do sanguinário Médici.
Ouvindo de amigos de infância ao dentista de Raul, Carvalho já demonstra desde o início o belo trabalho de pesquisa feito por sua equipe ao resgatar fotos da adolescência do músico, quando este fazia parte do “Elvis Rock Clube” e, pouco depois, como vocalista das bandas Relâmpagos do Rock e Os Panteras. Fazendo um detalhado apanhado da trajetória do cantor ao longo das duas horas de projeção, o cineasta exibe ainda desenhos feitos por Raul na juventude, gravações de sua voz aos 9 anos de idade, chegando finalmente à sua morte em 1989, aos 44 anos (quando parecia ter mais de 60).
Como é fácil imaginar, trata-se de uma viagem que, até chegar aos deprimentes anos finais do sujeito, revela-se divertida e envolvente, incluindo anedotas reveladoras como sua ideia de fingir abandonar a música a fim de convencer o sogro evangélico a deixá-lo casar com sua filha Edith e suas constantes “referências/homenagens” a rocks estrangeiros em suas próprias canções (“Não estou roubando; estou desapropriando!”, defendia-se). Mas talvez o mais interessante seja constatar como aqueles que o conheceram no início da carreira são unânimes em defini-lo como “careta” – um rótulo que se alteraria radicalmente ao conhecer Paulo Coelho, que o apresentaria a todas as drogas possíveis e imagináveis.
As entrevistas com os antigos parceiros musicais de Raul, por sinal, são fabulosas: mas se Claudio Roberto e Marcelo Nova oferecem bons momentos, é mesmo Coelho quem merece destaque absoluto não só pelos bons insights acerca do antigo companheiro, mas pelo bom humor e pela presença de espírito demonstrada quando um determinado incidente envolvendo uma mosca ocorre durante a conversa com o diretor. Por outro lado, é uma pena ver uma figura como Zé Ramalho surgindo sem dizer uma só palavra (embora seja listado como “entrevistado” nos créditos finais) enquanto o filme encontra tempo para incluir uma participação boba e dispensável do ator Daniel de Oliveira.
Estabelecendo o brilhantismo de Seixas ao combinar o rock e o baião (“Elvis e Luiz Gonzaga são a mesma coisa!”), Walter Carvalho e o montador Pablo Ribeiro criam uma narrativa coesa e bem encadeada do princípio ao fim – e se em um momento um velho amigo de Raul explica que este era um “guru que não queria seguidores”, o filme é inteligente por, logo em seguida, incluir imagens de dezenas de fãs que aparentemente levam a vida eternamente caracterizados como o ídolo, demonstrando não ter compreendido sequer a base de sua “Metamorfose Ambulante”.
Tornando-se melancólico à medida que os anos finais do músico começam a se aproximar, o documentário ainda encontra tempo para explorar a ambivalência de muitos com relação a Marcelo Nova, seu parceiro final – mas mesmo que alguns acreditem que este se “aproveitou” de Seixas, são indiscutíveis sua admiração por Raul e o carinho com o qual o tratava, chegando a promover um encontro entre ele e Coelho décadas depois de terem se visto pela última vez. Ainda assim, não deixa de ser angustiante ver o cantor arrastando-se pelas letras de suas músicas durante os últimos shows em função das bebedeiras, mesmo que a força de suas canções permaneça intacta até mesmo naquelas condições.
Porque o fato é que como “Toca Raul!” se tornou um clichê, uma piada, um bordão de gente sem imaginação querendo fazer graça, muitos parecem se concentrar apenas no caráter irritante deste grito aborrecido, esquecendo que, afinal, há uma razão para ele ter se tornado slogan de praticamente qualquer espetáculo musical: Raul Seixas era genial.
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra de São Paulo de 2011.
28 de Outubro de 2011