Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
21/12/2007 | 10/11/2006 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
113 minuto(s) |
Dirigido por Milos Forman. Com: Javier Bardem, Natalie Portman, Stellan Skarsgård, Randy Quaid, Blanca Portillo, Michael Lonsdale, José Luis Gómez, Mabel Rivera.
Quando escrevi sobre o fraco O Segredo de Beethoven, comentei que a decisão de centrar o filme em torno de uma personagem fictícia representava um dos principais erros do projeto, utilizando a fascinante figura do compositor como mero pano de fundo para as atribulações da desinteressante protagonista. Curiosamente, Sombras de Goya apresenta um problema diametralmente oposto: embora também traga o nome de um fabuloso artista real em seu título, o filme de Milos Forman se enfraquece cada vez que traz o pintor para o primeiro plano, já que os fictícios personagens vividos por Javier Bardem e Natalie Portman poderiam perfeitamente protagonizar a narrativa sem a necessidade das intervenções descartáveis do mestre interpretado por Stellan Skarsgård.
Não que o roteiro escrito por Forman ao lado do veterano Jean-Claude Carrière (antigo colaborador de Buñuel) seja particularmente eficaz em sua trama básica: dependendo excessivamente de coincidências, reviravoltas artificiais e de incidentes pouco críveis, Sombras de Goya por vezes soa como uma novela barata que aposta no draminha gratuito para comover o espectador. O mais lamentável é que isto só passa a ocorrer a partir da segunda metade da projeção, desperdiçando o bom andamento da primeira, que nos apresenta ao ambíguo Irmão Lorenzo (Bardem), que, na Espanha do final do século 18, defende o retorno a uma fase mais agressiva da Inquisição, oferecendo-se para liderá-la. Pouco depois, a bela Inés Bilbatúa (Portman) é presa sob suspeita de seguir ritos judaicos, já que, certa noite, se recusara a comer carne de porco. Musa do pintor Francisco de Goya (Skarsgård), ela é torturada e enviada para as masmorras da Igreja, levando seus pais e o próprio Goya a intercederem a seu favor.
Infelizmente, o filme jamais consegue encontrar uma justificativa razoável para empregar Goya como um de seus personagens: embora tenha exercido um papel fundamental como testemunha histórica ao retratar as barbaridades da Inquisição Espanhola em vários de seus trabalhos, aqui Goya não apresenta função dramática relevante, surgindo mais como distração do que como ferramenta eficiente da narrativa. Da mesma maneira, os claros esforços de Forman e Carrière para criarem uma analogia entre a invasão de Napoleão à Espanha e a atual invasão norte-americana ao Iraque soa forçada e inadequada (um dos generais franceses chega a afirmar que o povo espanhol irá saudá-los como “libertadores”, parafraseando a retórica dos asseclas de Bush Jr.) – não apenas em função dos contextos históricos completamente diferentes das duas situações, mas também por surgir intrusiva e, mais uma vez, completamente descartável.
Bem mais interessante e eficiente é a recriação da barbárie promovida pelos inquisidores, já que uma simples intimação a comparecer diante do Santo Ofício representava motivo para enorme tensão. E não era para menos: raramente absolvendo seus suspeitos, os canalhas da Igreja daquele período pareciam sentir um prazer perverso com o sofrimento alheio – e uma alegação de inocência só era aceita se mantida sob pesada tortura (a lógica era a de que, caso realmente inocente, o réu seria inspirado por Deus a resistir à dor). Assim, quando a jovem Inès cai nas garras dos inquisidores, Forman não hesita em retratar a brutalidade à qual esta é submetida – e o longo período que passa na masmorra transforma a antes bela garota em um espetáculo pavoroso de decadência (algo salientado pelo fabuloso trabalho de maquiagem e pela composição grotesca criada por Natalie Portman, que, entre outras coisas, passa a caminhar de maneira rígida e infantilizada, além de manter a mandíbula em posição constantemente deslocada para a esquerda).
Infelizmente, por melhor que seja o trabalho de Portman como Inès (e, de fato, é espetacular), seus esforços são comprometidos pelo roteiro: em primeiro lugar, a garota se mostra excessivamente lúcida em seu primeiro encontro com Goya depois de sair da prisão – algo incompatível com o que viera antes e com o que aconteceria
Enquanto isso, Javier Bardem transforma o padre Lorenzo em uma figura extremamente complexa, encarnando-o como um homem fraco de espírito que persegue o poder como maneira de colocar-se acima de seus pares – e, para isto, não importa se sua “causa” é a perseguição aos hereges ou a defesa dos ideais da Revolução Francesa. Porém, comprovando sua inteligência como intérprete, Bardem foge do caminho óbvio (transformar Lorenzo em um vilão antipático) e demonstra compreender que, para obter sucesso em suas empreitadas, um sujeito como aquele deveria ser perfeitamente capaz de dissimular suas intenções maldosas. Com isso, o ator confere ao personagem uma cadência de fala calma que busca sugerir uma alma caridosa mesmo quando o que está sendo dito revela uma crueldade absurda. Além disso, o rosto sempre sério e contraído de Lorenzo reflete sua absoluta incapacidade de experimentar sentimentos mais calorosos - e quando ele sorri brevemente ao ver a pintura de si mesmo feita por Goya, percebemos até mesmo sua falta de prática ao abrir o semblante, como se ele imitasse a expressão de alegria sem realmente compreender seu significado. Finalmente, Bardem recheia sua atuação com sutilezas típicas de um Brando quando, por exemplo, se vira para o lado errado ao se dirigir a Goya, que está às suas costas, ou ao tentar reerguer um cavalo que foi derrubado por um tiro. Assim, é realmente uma pena que (mais uma vez) o roteiro demonstre compreender tão pouco o personagem em seu ato final, quando Lorenzo exibe uma força “ideológica” incompatível com sua natureza corrompida, já que é óbvio que ele aceitaria qualquer tipo de acordo que lhe fosse benéfico.
Impecável em seus valores de produção (especialmente no que diz respeito à direção de arte e aos figurinos da experiente Yvonne Blake, que encantam, por exemplo, ao incluírem um chapéu surpreendentemente equipado com velas), Sombras de Goya faz uma bela recriação de época, chegando a reencenar várias imagens criadas pelo próprio pintor em seus trabalhos sobre a Inquisição. É lamentável, portanto, que tanto esforço tenha sido feito em prol de uma história tão mal conduzida – particularmente a partir do momento em que o letreiro “15 Anos Depois” surge na tela.
Importante a ponto de ter seu nome associado ao principal prêmio da indústria cinematográfica espanhola (sim, o “Oscar” espanhol se chama “Goya”), o celebrado pintor já foi devidamente homenageado no filme homônimo do cineasta Carlos Saura, de 99, quando foi interpretado magnificamente por Francisco Rabal e José Coronado – o que é uma sorte, já que, aqui, ele é o coadjuvante de luxo de uma história que não faz jus nem mesmo aos seus protagonistas.
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