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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
17/12/2004 06/09/2003 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
116 minuto(s)

Zatoichi
Zatôichi

Dirigido por Takeshi Kitano. Com: Takeshi `Beat` Kitano, Tadanobu Asano, Gadarukanaru Taka, Daigorô Tachibana, Yuuko Daike, Akira Emoto, Ben Hiura, Ittoku Kishibe, Michiyo Ookusu, Saburo Ishikura.

O cinema japonês deu origem, na década de 60, a duas das séries mais longas e bem-sucedidas de sua história: em 69, surgia o personagem Tora-san, um sujeito ingênuo e infantil que, vivido por Kiyoshi Atsumi, protagonizou nada menos do que 48 longas – 22 filmes a mais do que a série Zatoichi (mais tarde levada para a televisão), estrelada por Shintarô Katsu como o samurai-apostador-massagista que, mesmo cego, percorre o interior do Japão emprestando seus talentos a camponeses em necessidade. Considerada encerrada desde 1989, quando Katsu morreu precocemente (aos 66 anos), vítima de um câncer, Zatoichi ganhou um capítulo adicional nas mãos do veterano diretor Takeshi Kitano, que também assumiu o personagem-título.


É fácil compreender a atração de Kitano pelo projeto: Zatoichi é, afinal de contas, uma figura fascinante: além do motivo óbvio (um samurai cego?), o personagem tem um temperamento que jamais deixa de despertar nosso interesse, alternando momentos de calma e introspecção com outros nos quais se entrega a explosões de violência e destempero. Adotando uma postura encurvada e enganosamente frágil, Kitano mantém os olhos sempre fechados e consegue a proeza de não apenas nos convencer da cegueira de Zatoichi como ainda (o mais difícil) nos faz acreditar que, mesmo sem visão, o sujeito é capaz de derrotar guerreiros habilidosos e em superioridade numérica. E seu hábito de soltar breves risadas inesperadas desperta nossa simpatia pelo velho samurai, aproximando-nos de um personagem que, de outra maneira, enfrentaria dificuldades para estabelecer uma identificação com o espectador.

Sem demonstrar nervosismo por estar assumindo o comando de uma série tão célebre, Kitano imprime sua marca pessoal ao filme, a começar pela montagem descontinuada e que nos apresenta a diversos personagens em tramas paralelas que aos poucos vão se encaixando (ainda assim, devo confessar que os súbitos flashbacks acabam quebrando um pouco o ritmo da narrativa - mas, como já disse, é o que poderíamos esperar do cineasta). Além disso, Kitano (também como de hábito) alterna cenas mais calmas com outras em que a violência surge de forma repentina, resolvendo-se sempre de maneira rápida. (E, sim, os fãs do diretor não vão se decepcionar, já que os vilões do filme exibem as tatuagens de costume.)

E já que mencionei as seqüências mais violentas, devo salientar que Kitano utiliza os efeitos visuais de forma quase satírica para ilustrar a força dos golpes de seus guerreiros: a cada nova luta, o sangue (gerado em computador) jorra aos borbotões, enquanto imensos talhos surgem nos corpos das vítimas. Infelizmente, é aqui que o estilo de montagem do cineasta acaba prejudicando o resultado, já que tira o impacto das batalhas, que também sofrem em função das coreografias nada imaginativas – principalmente agora que fomos mal-acostumados pelo brilhantismo dos movimentos concebidos pelo mestre Yuen Woo-ping em filmes como O Tigre e o Dragão, Matrix e Kill Bill. O tão esperado conflito entre Zatoichi e o perigoso Hattori, em particular, decepciona bastante por sua brevidade e pouca inspiração.

Hattori, aliás, revela-se um personagem quase tão fascinante quanto Zatoichi: apesar de parecer detestar todo aquele universo de sangue e dor no qual vive, o ronin oferece-se para trabalhar como capanga do vilão Ginzo não por falta de caráter ou por ser inescrupuloso, mas para ter como pagar um tratamento para a esposa doente – e, assim, transforma-se talvez na figura mais trágica do longa, superando até mesmo a `gueixa travesti` que foi violentada na infância (como esta personagem é vista sob um prisma bem-humorado, o impacto de sua tragédia pessoal se dilui ao longo da projeção).

Porém, Zatoichi está longe de ser um filme dramático, já que constantemente leva o público ao riso com momentos de humor inesperados – e, neste sentido, o destaque cômico fica por conta de Shinkichi (Taka), um apostador compulsivo que se torna parceiro do herói e que, em certo momento, se oferece para treinar três adolescentes – mesmo sem saber lutar. Aliás, esta cena acaba funcionando como uma piada auto-referencial ao mostrar a artificialidade de uma luta previamente coreografada, o que é um toque inteligente de Kitano (que também escreveu o roteiro).

Surpreendendo o espectador com um número musical aparentemente deslocado, Zatoichi foge das convenções e nos leva a refletir sobre as escolhas de seu diretor – e, com isso, a dança grandiosa dos personagens ganha contornos de metalinguagem (como se Kitano estivesse revelando a artificialidade do próprio filme, numa homenagem-análise do gênero) ou mesmo uma conotação de simples comemoração, como se todos estivessem celebrando a derrota dos vilões e a liberdade recém-conquistada. Seja como for, o fato é que a bela trilha de Keiichi Suzuki desempenha papel importante em toda a narrativa.

É uma pena que esta tenha sido, provavelmente, a única incursão de Kitano pelo universo de Zatoichi. Seria bom ver o samurai cego mais vezes.

18 de Dezembro de 2004

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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