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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
19/06/2009 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
118 minuto(s)

Trama Internacional
The International

Dirigido por Tom Tykwer. Com: Clive Owen, Naomi Watts, Armin Mueller-Stahl, Ulrich Thomsen, Brian F. O’Byrne, Michel Voletti, Patrick Baladi, Haluk Bilginer, Luca Barbareschi, Jack McGee.

Já não representa mais novidade a constatação de que as corporações se tornaram as grandes vilãs do Cinema norte-americano no século 21, substituindo os nazistas, russos e árabes no topo da lista de antagonistas favoritos dos gêneros ação, suspense e espionagem – e basta dizer que já discuti esta questão ao escrever sobre filmes tão diferentes entre si quanto Speed Racer e Conduta de Risco. Assim, o fato de Trama Internacional resgatar o clima paranóico de conspiração da década de 70 e empregá-lo ao contar a história de um banco tão implacável quanto o SMERSH não é surpresa; esta reside, em vez disso, nas conotações pró-socialistas do longa, que não apenas traz um monólogo específico sobre isso (como discutirei mais adiante) como ainda remete, através de seu título original, ao hino da ideologia composto por Eugène Pottier e Pierre De Geyter.

Inspirado em fatos reais (mais especificamente nas atividades do Banco de Crédito e Comércio Internacional fundando no Paquistão na década de 70), o roteiro do estreante Eric Singer traz Clive Owen como Louis Salinger, um agente da Interpol que, ao lado de uma promotora norte-americana (Watts), investiga as ações de um banco sediado em Luxemburgo e que tem fornecido armas para países em conflito a fim de assumir o controle sobre as dívidas provocadas pela guerra. Pressionados por seus superiores, os dois percorrem o mundo em busca de testemunhas e evidências que possam interromper as ações da instituição, sendo constantemente monitorados e ameaçados pelo poder aparentemente ilimitado dos principais executivos do banco.

Responsável por filmes tão diferentes (e eficientes) quanto Corra, Lola, Corra e Perfume, o cineasta alemão Tom Tykwer demonstra conhecer as convenções básicas do gênero espionagem ao trazer uma atmosfera de intriga internacional à narrativa, insistindo em rodar o longa em locações espalhadas por vários países e que conferem não só uma escala grandiosa ao projeto, mas também evocam a inquietação provocada pela constatação de que não há fronteiras para a ação dos vilões. Competente ao mergulhar a trama num tom de constante tensão, o diretor encontra tempo também para se divertir ao criar seqüências como aquela em que um assassino profissional monta sua arma com a precisão de um cirurgião ou ao incluir uma sutil homenagem a Hitchcock (que tanto contribuiu para o gênero) ao recriar – mesmo que em sentindo inverso – um dos planos mais célebres de Psicose: aquele em que a câmera se aproximava num giro do rosto de Janet Leigh no chão do banheiro.

Enquanto isso, a equipe do designer de produção Uli Hanisch faz um trabalho memorável não apenas ao adaptar locações aos propósitos do filme (como o imponente prédio de vidro que serve de sede ao banco e cujos interiores remetem à fachada formidável) como também ao recriar, em estúdio, o interior do museu Guggenheim de Nova York com o propósito de transformá-lo no surpreendente cenário da seqüência-clímax do longa: um tiroteio que, durando mais de dez minutos, é coreografado por Tykwer de maneira exemplar, estabelecendo de maneira sempre clara a posição de cada personagem e também as estratégias dos combatentes durante o confronto.

Atirando o espectador em meio a uma investigação que já dura há um bom tempo quando a projeção tem início, o roteiro oscila de maneira inteligente entre duas estratégias opostas: em certos instantes, os protagonistas claramente têm conhecimentos acerca dos fatos que não são tão totalmente compartilhados com o público, ao passo que, em outros momentos, é o espectador quem detém informações fundamentais que escapam aos heróis – e o fato de sabermos, por exemplo, a origem da segunda bala na cena de um crime é algo que contribui bastante para que compreendamos a frustração crescente dos investigadores diante das rebuscadas estratégias de seus oponentes. Por outro lado, a lealdade fluida dos vários personagens mantém o público sempre incerto quanto às motivações de cada uma daquelas pessoas, já que a qualquer momento elas podem mudar de lado (o que ocorre com bastante freqüência durante a história). E se Salinger e Eleanor (a agente vivida por Watts) demonstram inteligência em diversos pontos da trama, é preocupante constatar que, da mesma forma, eles contam com uma parcela exagerada de sorte durante as investigações, já que o roteiro abusa das coincidências e mesmo dos absurdos (basta dizer que um importante personagem é localizado por comprar um tipo de calçado fabricado por uma única empresa em Nova York, o que é ridículo).

Em contrapartida, Eric Singer demonstra possuir um bom ouvido para diálogos, o que enriquece a experiência: em certo instante, por exemplo, um ansioso informante em potencial recebe o conselho de “relaxar” e oferece uma resposta perfeita para alguém naquelas circunstâncias: “Eu fico mais confortável tenso”. Da mesma forma, o roteirista se mostra particularmente inspirado na longa conversa entre Salinger e Wexler (Mueller-Stahl), um ex-agente da KGB que agora trabalha para o poderoso banco: confrontado com a contradição entre sua antiga ideologia e suas ações no presente, o velho comunista demonstra lamentar o rumo que tomou ao longo dos anos, mas explica, amargo, ser “mais fácil preservar o caráter do que recuperá-lo” – uma frase reveladora que demonstra uma grande sensibilidade por parte de Singer.

Encarnando Salinger com a expressão fechada – e a barba por fazer - com que costuma interpretar personagens do tipo (e, neste sentido, o ator vem se repetindo mais do que deveria), Clive Owen segura bem o filme, embora, em certos momentos, abandone a verossimilhança em prol de clichês que buscam apenas transformar o protagonista num herói típico do gênero: por que, por exemplo, Salinger caminha tranqüilamente ao perseguir um alvo, no terceiro ato, em vez de correr para alcançá-lo? (Resposta: porque isso é o que o espectador médio considera “cool”, mesmo que não faça o menor sentido e enfraqueça a cena.) E por que ninguém parece se importar com o fato dele carregar uma arma no meio de uma multidão? E por que a polícia demora tanto para chegar ao Guggenheim, oh, Céus?

Mas Owen ao menos tem a chance de desenvolver um pouco seu personagem, ao passo que Naomi Watts é relegada quase ao posto de figurante de luxo, sendo praticamente expulsa do filme quando Salinger decide assumir sozinho o controle da ação. Já Armin Mueller-Stahl repete o mesmíssimo tipo sombrio e levemente ameaçador (ainda que com um ar paternal) que viveu em obras como Senhores do Crime e Anjos & Demônios, enquanto Ulrich Thomsen surge corretamente frio e distante como o poderoso Jonas Skarssen.

No entanto, se Trama Internacional poderia ser facilmente relegado ao esquecimento, apresentando-se apenas como um thriller eficiente, mas comum, isto não ocorre por dois motivos: além do já citado tiroteio no Guggenheim, o filme surpreende de fato ao trazer seu herói apelando para os antigos ideais socialistas do ex-oficial da KGB vivido por Mueller-Stahl a fim de convencê-lo a ajudá-lo. Mas creio que era apenas uma questão de tempo; afinal, se os senhores do capitalismo se tornaram os vilões modernos, não poderia demorar muito até que um filme cujo título remetesse à Internationale trouxesse um herói globalizado despertando o velho orgulho socialista de um russo para levá-lo a combater a ganância de uma grande corporação.

Tudo devidamente pago por um dos principais estúdios de Hollywood, claro.

19 de Junho de 2009

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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