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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/12/2012 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Warner Bros.
Duração do filme
169 minuto(s)

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
The Hobbit: An Unexpected Journey

Dirigido por Peter Jackson. Com: Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage, Ken Stott, Graham McTavish, William Kircher, James Nesbitt, Stephen Hunter, Dean O’Gorman, Aidan Turner, John Callen, Peter Hambleton, Jed Brophy, Mark Hadlow, Adam Brown, Sylvester McCoy, Lee Pace, Ian Holm, Elijah Wood, Hugo Weaving, Cate Blanchett, Christopher Lee, Barry Humphries, Andy Serkis.

Não sou o maior fã de Tolkien, mas amei enlouquecidamente a trilogia O Senhor dos Anéis dirigida por Peter Jackson entre 2001 e 2003. Sobre o primeiro, escrevi “Às vezes, 5 estrelas não são o bastante”; sobre o segundo fiz algumas ressalvas, mas concluí que a cotação máxima era “o suficiente”; e sobre o capítulo final, manifestei tristeza por perder minhas “viagens anuais à Terra-média”. Pois eu não deveria ter ficado triste, mas celebrado a realização impecável de uma trilogia magnífica, já que, infelizmente, o retorno ao mundo de Tolkien via a imaginação de Jackson acabou se revelando uma experiência incrivelmente decepcionante. Aliás, não nego que O Hobbit me fez lembrar de O Senhor dos Anéis – o problema é que a passagem precisa de A Sociedade do Anel que me veio à mente foi aquela na qual Bilbo dizia tristemente: “Eu me sinto... fino. Esticado como... manteiga espalhada por um pedaço muito grande de pão”. Bilbo não sabia, claro, mas estava descrevendo exatamente o filme que contaria suas aventuras anteriores e que seria lançado 11 anos depois.

Demonstrando que a autoindulgência que começou a dar seus sinais em As Duas Torres representava o início de uma tendência perigosa, Jackson desta vez decidiu, ao lado de sua co-roteiristas Fran Walsh e Phillippa Boyens (com a colaboração de Guillermo del Toro), estender o breve e leve trabalho original de Tolkien em nada menos do que três novos longas, empregando as informações dos Apêndices de O Retorno do Rei como material complementar da narrativa. Com isso, acabou criando um filme longo, repetitivo e sem estrutura que me leva a pensar que, caso tivesse sido responsável por Branca de Neve e os Sete Anões, o cineasta levaria três horas apenas para levar a princesa até a floresta, encerrando o primeiro capítulo de uma nova trilogia no exato momento em que esta conhecesse os demais personagens-título.

Com um início que já se mostra problemático ao trazer dois prólogos (sim, você leu certo: “Dois. Prólogos.”), O Hobbit busca amarrar sua narrativa à de O Senhor dos Anéis ao trazer Bilbo (Holm) colocando suas aventuras no papel no mesmo dia em que celebrará o aniversário visto no início de A Sociedade do Anel. A partir daí, regressamos no tempo e o reencontramos 60 anos mais jovem quando, surpreendido pela insistência de Gandalf (McKellen) em incluí-lo numa aventura, tem sua casa invadida por treze anões que estão prestes a embarcar numa jornada rumo ao antigo lar tomado pelo temível dragão Smaug. Empregando os belos temas de Howard Shore para incutir no espectador um bem-vindo sentimento de familiaridade com o universo e os personagens, Jackson é inteligente ao perceber que o carinho que desenvolvemos por figuras como Bilbo, Gandalf, Frodo, Galadriel e, sim, Gollum, desempenhará um importante papel em nossa relação com seu novo filme – e não é à toa que em vários momentos cria até mesmo planos e momentos idênticos a outros vistos na trilogia anterior, desde a breve ira de Gandalf, que cresce e escurece o ambiente ao seu redor, até o instante em que certa peça de joalheria entra no dedo de um personagem pela primeira vez (fui sutil o bastante?).

E é bom que Jackson faça isso, já que os novos personagens introduzidos em O Hobbit pouco oferecem em termos de carisma ou personalidade: ora, se não demorei a memorizar nomes de atores que desconhecia antes de A Sociedade do Anel (como Dominic Monaghan, Orlando Bloom e Billy Boyd, por exemplo), posso dizer com certa tristeza que olho para a relação de nomes contida no início deste texto e não faço a menor ideia de quem interpreta qual anão da confraria (com exceção de Richard Armitage, que vive o Príncipe Thorin, e Ken Stott e James Nesbitt, que já conhecia de outros trabalhos). E o pior: não posso afirmar tampouco que queira memorizá-los, já que não deixaram qualquer impressão ao final das quase três horas em que os acompanhei pela Terra-média. Formando um grupo cujos integrantes se diferenciam apenas por suas aparências físicas, os anões de O Hobbit são um vácuo emocional e dramático – e em nenhum momento me importei de fato com o destino que teriam ao final da jornada. Por sorte, Ian McKellen retorna com a força que já esperávamos de Gandalf, demonstrando carisma, autoridade e bondade, ao passo que Martin Freeman, como Bilbo, é hábil ao explorar a hesitação e a fragilidade do personagem mesmo mantendo-se como figura periférica no filme que intitula.

Mas se McKellen não esquece o que tornava seu mago tão especial, o mesmo não pode ser dito sobre Peter Jackson: exibindo a mesma insegurança com relação ao tom da narrativa que transformou Um Olhar do Paraíso numa bagunça insuportável, o cineasta parece tentar conferir uma atmosfera épica a uma narrativa essencialmente infantil – e, assim, torna-se difícil conciliar as tolas sequências envolvendo o mago Radagast, por exemplo, ao peso do confronto com o subvilão Azog. Além disso, Jackson não teme a repetição óbvia, como, por exemplo, ao usar o mesmo movimento de câmera (um travelling afastando-se do aposento no qual Bilbo escreve) duas vezes em menos de dez minutos, o que demonstra quase descaso em sua decupagem. Além disso, se em O Senhor dos Anéis ele tivera o bom senso de descartar passagens e personagens importantes (como Tom Bombadil), aqui ele parece achar fundamental incluir até mesmo as descartáveis canções dos anões e, acreditem ou não, uma longa sequência na qual Radagast tenta ressuscitar um ouriço. Aliás, basta dizer que Bilbo e os companheiros levam mais de uma hora para deixar o Condado para que constatemos que nossa opinião em relação à jornada logo muda de “inesperada” para “vai logo, caramba!”.

Desesperados para inflar o tempo de projeção, os roteiristas ainda apelam para um recurso nada cinematográfico, incluindo longas cenas que consistem em relatos de incidentes passados – o que preenche lacunas criadas pela estrutura problemática, mas sacrifica o ritmo da narrativa. Além disso, os diversos flashbacks jogados ao acaso ao longo da projeção expõem ainda mais fragilidade da estrutura do roteiro, que soa excessivamente episódico e repetitivo, usando sequências de ação apenas como lembretes de que a jornada envolve certos perigos em vez de transformá-las em algo que nos leve a temer realmente pelo destino dos personagens. (E, sim, embora a batalha entre os gigantes de pedra seja impressionante do ponto de vista visual, não há como negar que mais uma vez acabamos testemunhando um incidente que surge sem ligação aparente à trama principal, servindo apenas para – de novo – aumentar a duração do filme e promover algum espetáculo que nos distraia com relação ao fato de que a história permanece frágil.)

Já do ponto de vista técnico, O Hobbit é exatamente o que poderíamos esperar, trazendo um design de produção magnífico que mais uma vez contrapõe com talento espaços serenos e agradáveis como Valfenda às cavernas superpovoadas e amontadas habitadas pelos goblins. Da mesma maneira, as criaturas digitais são fabulosas: o rei goblin, por exemplo, traz uma papada que, de tão inchada e ampla, se transforma em uma barba, ao passo que os três trolls enfrentados pelos anões exibem rugas, cicatrizes e pelos que se revelam convincentes mesmo na resolução absurda da versão em 48 frames por segundo. E se Gollum já representava um espetáculo à parte na trilogia original, aqui o personagem vivido pelo brilhante Andy Serkis surge ainda mais impressionante – e a maneira como apoia o queixo numa pedra e exibe um ar infantil de antecipação (logo substituído por ansiedade e raiva) diante das charadas de Bilbo é algo de tirar o fôlego. Por outro lado, Peter Jackson exibe o mesmo desconhecimento sobre a linguagem 3D já demonstrada por Ang Lee em As Aventuras de Pi e Tim Burton em Alice no País das Maravilhas ao empregar uma série de recursos de fotografia adequados apenas ao 2D, como uma profundidade de campo ínfima e o temível rack focus, do qual ele particularmente abusa ao longo das três horas de narrativa.

Desprovido de qualquer traço de tensão por já sabermos que os personagens principais sobreviverão a todos os perigos (já que participarão de outra aventura ainda mais arriscada seis décadas depois), O Hobbit ainda frustra por repetir sua estratégia narrativa excessivamente: colocar os anões e Bilbo em perigo apenas para que Gandalf surja no último momento para salvá-los – o que inevitavelmente leva o espectador a indagar por que o mago não agira antes ou por que deixa de agir em certas ocasiões (depois de derrubar os goblins ao surgir nas cavernas, por exemplo, por que ele não faz o mesmo ao ver centenas de criaturas descendo em sua direção? E por que não continuam nas malditas águias gigantes até o lar dos anões em vez de descerem a centenas de quilômetros de distância do destino, já que já se encontravam na garupa das criaturas?). É fato que esta postura contraditória podia ser observada em certos momentos de O Senhor dos Anéis, mas é justamente por desta vez identificarmos tão facilmente esta questão que a fragilidade de O Hobbit se torna evidente. Como se não bastasse, Jackson não hesita em empregar um recurso dramático absolutamente artificial e irritante ao ilustrar a última interação entre Thorin e Bilbo, quando o primeiro inicialmente emprega um tom de voz raivoso apenas para substituí-lo por respeito e gratidão – algo que qualquer um que já tenha visto meia dúzia de filmes poderia antecipar com frustração, já que se trata de uma das muletas narrativas mais primárias e tolas que um realizador poderia empregar.

Ressuscitando Azog a fim de tentar (sem sucesso) incluir algum vilão em um filme carente de um, O Hobbit ainda obriga o espectador a encarar uma extensa jornada movida por um antagonista que jamais vemos de fato e sobre o qual pouco sabemos (o que se opõe, por exemplo, à maneira com que Sauron era estabelecido desde o princípio em A Sociedade do Anel) – e, neste aspecto, o filme acaba soando como um pornô sem cenas de sexo ou orgasmos.

Se Bilbo sentia-se como manteiga dispersa em um grande pedaço de pão, temo que O Hobbit, para manter a analogia, seja uma bolinha de geleia espalhada por duas toneladas de torradas. Aqui e ali, até sentimos o gosto do universo criado por Tolkien, mas para isso temos que devorar quilos e mais quilos da massa fermentada por um padeiro megalomaníaco que perdeu o controle sobre o que levará ao forno.

 

E os 48fps?

Discuti em um videocast recente a inovação tecnológica representada pelo High Frame Rate e manifestei curiosidade e até mesmo empolgação com relação à técnica. Pois bem: após assistir a O Hobbit, sinto que, de fato, o potencial representado pela nova tecnologia é inquestionável. Por outro lado, temo que ainda estejamos longe de vê-lo realizado.

Contando com uma resolução bastante maior que as projeções habituais em 24fps, o HFR inicialmente impressiona pelo grau dos detalhes de suas imagens – e, por um destes acasos (leia-se: desorganização do Cinemark do BH Shopping), acabei assistindo aos 20 primeiros minutos de O Hobbit duas vezes, uma em cada frame rate, o que me permitiu comparar com facilidade as diferenças. Assim, se o 3D visto na versão tradicional era prejudicado por todos os problemas típicos (pouca luz, fotografia difusa, pasteurização dos visuais), a experiência em 48fps surge absolutamente mais eficaz, recuperando as cores da fotografia mesmo no 3D e permitindo que percebamos até mesmo os poros dos atores e fiapos soltos em sua roupa (mas também a artificialidade da maquiagem, em alguns casos).

Mas não é só: associado à resolução maior, o hiper-realismo proporcionado pelos 48fps cria uma impressão fortíssima de estarmos realmente testemunhando aqueles eventos – especialmente nos planos mais abertos e iluminados (leia-se: externas diurnas), quando, então, a Terra-média surgia como uma paisagem que poderíamos estar vendo através de um portal aberto na sala de cinema (e suponho que, neste aspecto, André Bazin teria um orgasmo ao ver seu conceito de “janela aberta para o mundo” ganhando vida graças ao HFR).

Dito isso, o realismo e a resolução acabam empalidecendo diante de um problema gigantesco: a impressão de velocidade acelerada criada pelo frame rate maior que, em alguns instantes, parece remeter aos instantes nos quais vídeos digitais travam momentaneamente apenas para em seguida dispararem numa corrida rumo ao áudio que se adiantou. Além de exigir uma readequação absurda por parte do espectador, este artefato de técnica traz consequências graves para um diretor que obviamente decidiu empregar os 48fps pela novidade que representavam, mas que não se preocupou em pensar em como utilizá-los – e, assim, o que vemos em O Hobbit é uma linguagem tradicional dos 24fps, com o timing e ritmo de montagem típicos do velho frame rate. E isto é o mais grave, já que certos planos surgem breves demais, mal permitindo que o espectador registre sua passagem, ao passo que outros aceleram a ação a ponto de fazer com que a intenção original do ator se perca (e como meu filho Luca observou em nosso videocast, se em 24fps percebemos Bilbo hesitando antes de iniciar seu relato, na versão em 48fps o hobbit abre o caderno e agarra a pena sem qualquer vacilo, como se mal pudesse esperar para narrar suas aventuras passadas).

Assim, não posso dizer que testemunhei, em O Hobbit, uma linguagem nova; apenas uma tecnologia inédita empregada com uma mentalidade tradicional. Para que possamos avaliar o potencial real do HFR, será necessário que um cineasta com maior grau de conhecimento e inteligência decida experimentá-lo.

Scorsese e Wim Wenders, neste momento, são nossas maiores esperanças.

16 de Dezembro de 2012

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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