Dirigido por Sofia Coppola. Com: Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovanni Ribisi, Anna Faris, Akiko Takeshita, Catherine Lambert.
Depois de fazer grande sucesso durante a década de 70, o astro de cinema Bob Harris encontra-se em declínio e, assim, aceita protagonizar um comercial de uísque que será rodado no Japão. Impressionado com a quantidade de luzes e anúncios em Tóquio, o ator procura se ambientar à cidade, mas as diferenças culturais tornam sua estadia bem mais complicada - e, para piorar, Harris não consegue se adaptar ao fuso horário, passando as noites em claro. É então que ele conhece Charlotte, cujo marido, John, está em Tóquio para fazer algumas fotografias e que passa os dias sozinha no hotel. Juntos, eles decidem passear pela cidade e começam a conversar sobre suas inseguranças e frustrações.
Retratando os estranhos (para nós, ocidentais) hábitos japoneses, a diretora e roteirista Sofia Coppola (filha de Francis) explora o humor da situação sem, com isso, soar preconceituosa ou alienada. A graça do filme não é fruto de uma ridicularização do Oriente, mas da simples observação de que somos, sim, muito diferentes e que este choque de culturas pode resultar em situações constrangedoras para ambos os lados. Em contrapartida, Coppola se mostra impiedosa com o culto às celebridades, utilizando a personagem de Anna Faris, uma atriz americana fútil e egocêntrica, para criticar, entre outras coisas, a superficialidade da cobertura que a mídia faz das superproduções, publicando entrevistas que nada trazem de novo ou interessante (`Eu adorei trabalhar com Fulano...`; `Beltrano é um diretor maravilhoso!`). Vale dizer, aliás, que a cineasta já confessou ter se inspirado em Cameron Diaz ao criar a personagem (ela conheceu Diaz durante as filmagens de
Quero Ser John Malkovich, que foi dirigido por seu marido Spike Jonze).
Interpretando o decadente Bob Harris com seu delicioso cinismo habitual, o sempre divertido Bill Murray cria o retrato comovente de um homem amargurado que se envergonha por ser obrigado a utilizar seu talento para promover um produto: `Estou ganhando dois milhões de dólares para fazer propaganda de uísque quando poderia estar fazendo uma peça`, diz o sujeito, reconhecendo que o dinheiro se tornou mais importante para ele do que a Arte em si. Neste contexto, a ironia contida na performance de Murray funciona em uma dimensão adicional, como se o personagem utilizasse o cinismo como disfarce para sua auto-reprovação e seu desconforto com a situação.
Com o olhar geralmente desiludido, Bob Harris ressente o distanciamento emocional que surgiu entre ele e a esposa, já que as únicas conversas do casal parecem girar em torno da reforma que estão fazendo em sua casa. Casado há 25 anos, o ator lamenta a frieza de sua companheira - e, quando ela percebe a tristeza em sua voz e pergunta `se deveria se preocupar com ele`, a resposta de Harris é maravilhosa, contendo várias leituras diferentes:
- Só se você quiser.
Assim, quando conhece Charlotte, o protagonista naturalmente é contagiado pela juventude e pela vivacidade da garota - e, mesmo levando a sério os problemas de sua amiga, ele não deixa de reconhecer que estes são questionamentos comuns a qualquer jovem, e que provavelmente serão solucionados com a simples passagem do tempo. Enquanto isso, Charlotte, que é formada em Filosofia e despreza a superficialidade exibida pelos amigos de John, é atraída pela experiência de Bob e também por sua melancolia, tão diferente da energia - puramente profissional - do marido. Como não poderia deixar de ser, logo surge uma tensão sexual palpável entre os dois - e esta tensão jamais soa forçada, mesmo com a óbvia diferença de idade entre Bill Murray e Scarlett Johansson, já que percebemos que a química do casal não vem apenas da atração física, mas principalmente do elo que surge entre os dois.
Aliás, a dinâmica que surge entre Murray e Johansson é perfeita, indicando o talento e a dedicação de ambos. E Coppola, uma cineasta que se mostra madura já em seu segundo longa-metragem, demonstra sensibilidade ao perceber que, apesar de já se sentirem deslocados muito antes de chegarem ao Japão, Bob e Charlotte só percebem isto quando são obrigados a enfrentar uma cultura diferente que, por reflexo, evidencia o desconforto de cada um com sua própria realidade.
Mas o momento-chave de Encontros e Desencontros surge (e talvez você não queira ler o restante deste parágrafo antes de assistir ao filme) quando Bob sussurra algo no ouvido de Charlotte, e Coppola não permite que o espectador compreenda o que está sendo dito. A beleza desta escolha é resultado de vários fatores: para começar, nada que fosse dito em voz alta conseguiria superar a profundidade do que permanece em segredo, já que Bob pode ter sussurrado qualquer coisa - e cada espectador pode imaginar o que bem entender (enquanto alguns certamente optarão por acreditar que o ator pediu que a moça lhe telefonasse ao voltar para os Estados Unidos, outros concluirão que ele, parafraseando Casablanca, disse algo como: `Sempre teremos Tóquio`). Além disso, ao concluir o misterioso discurso com um simples `Ok?` (que é respondido com outro `Ok.`), o filme deixa claro que o casal encontrou uma resolução para seu envolvimento, mesmo que esta resolução não seja aquela que desejavam. Finalmente, Sofia Coppola compreende que aquela última conversa é um momento particular entre seus protagonistas, não devendo ser invadida por ela ou pelo público.
Na realidade, seria um verdadeiro desrespeito a Bob e Charlotte se recebêssemos permissão de participar daquele instante de privacidade. E a corajosa opção da cineasta demonstra que, em primeiro lugar, sua fidelidade é devotada a seus personagens, e não ao espectador. E esta é, mais uma vez, a decisão correta.
29 de Outubro de 2003