Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
05/11/2015 | 06/11/2015 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Sony | |||
Duração do filme | |||
148 minuto(s) |
Dirigido por Sam Mendes. Roteiro de John Logan, Neal Purvis, Robert Wade e Jez Butterworth. Com: Daniel Craig, Christoph Waltz, Léa Seydoux, Ralph Fiennes, Monica Bellucci, Ben Whishaw, Naomie Harris, Dave Bautista, Andrew Scott, Rory Kinnear, Jesper Christensen e Judi Dench.
Ao longo de mais de 50 anos da série 007, poucas vezes fomos apresentados de fato ao homem dentro do smoking: testemunhamos a morte de sua esposa em A Serviço Secreto de Sua Majestade, acompanhamos sua determinação ao vingar o amigo Felix Leiter em Licença para Matar e, em duas ou três ocasiões, visitamos seu apartamento. Isto até Daniel Craig assumir o papel e a franquia mergulhar no passado de James Bond com um ímpeto que sugere a vontade de compensar cinco décadas de enigma. Neste 007 Contra Spectre, por exemplo, vemos como a casa do espião revela um morador sempre ausente através dos quadros no chão, da TV sem suporte e da falta de decoração – com exceção do pequeno buldogue de porcelana que, até o último longa (Skyfall), ocupava a mesa de “M” (Dench). Aliás, este é um detalhe de design de produção que ilustra não só um cuidado digno de nota, mas também a vontade de manter o aspecto emocional presente na trajetória de Bond, resultando em um bom filme que, no entanto, é prejudicado por um roteiro problemático e uma indefinição preocupante com relação ao personagem-título.
Mantendo o padrão recente da série, que (talvez inspirada pelos projetos da Marvel) vem tentando contar uma história maior e contínua desde o excelente Cassino Royale, os roteiristas John Logan, Neal Purvis, Robert Wade e Jez Butterworth buscam conectar todos os elementos anteriores em uma única trama com tons conspiratórios, comprovando apenas que raramente é um bom sinal quando um roteiro é assinado por mais de quatro mãos. Iniciando a projeção com uma gravação deixada por “M” que sugere que todos os vilões anteriores faziam parte de uma única organização, Spectre ressalta a ideia ao exibir, em seus créditos iniciais, flashes dos três últimos capítulos e ao levar Bond (Craig) a uma investigação que o conduzirá a Madeleine Swann (Seydoux), filha do Mr. White (Christensen) visto em Cassino Royale e no péssimo Quantum of Solace. Enquanto o herói tenta descobrir exatamente o que é a SPECTRE e quem é o misterioso Oberhauser (Waltz) que a lidera, o novo “M” (Fiennes) enfrenta uma disputa com o obviamente mal intencionado “C” (Scott), que quer eliminar o programa “00”.
Como já seria de se esperar, de um ponto de vista puramente técnico, o novo 007 é exemplar: as locações são diversas e fantásticas, sendo fotografadas por Hoyte Van Hoytema com cores intensas e contrastantes que servem também para diferenciá-las à medida que a história avança, ao passo em que as várias sequências de ação são conduzidas por Sam Mendes com segurança, permitindo que o espectador compreenda exatamente o que está acontecendo mesmo que se mostrem complexas em sua construção – e o plano-sequência que abre o longa, começando em meio a uma multidão na celebração do Dia dos Mortos, seguindo Bond em um elevador, por uma janela, pelo beiral de um edifício e até um ponto de observação privilegiado, é particularmente notável em sua execução e no efeito alcançado.
Além disso, o diretor sabe valorizar o mistério em torno do vilão principal e da organização que comanda, apresentando-a de forma corajosamente absurda ao enfocar uma reunião durante a qual assuntos como o tráfico de drogas internacional e a exploração de escravas sexuais são discutidos ao redor de uma mesa impossivelmente extensa enquanto uma plateia de criminosos observa tudo a partir de balcões que a rodeiam. Da mesma forma, Oberhauser é retratado como uma sombra sentada à cabeceira e cujo silêncio se mostra mais ameaçador do que as bravatas do indivíduo localizado na outra extremidade e cujo destino serve simultaneamente para apresentar o capanga principal (Bautista) e para estabelecer a natureza implacável de seu chefe. Por outro lado, se considerarmos que a série vinha tentando construir uma atmosfera realista influenciada pelas superproduções pós-Jason Bourne e Batman Begins, a abordagem de Mendes acaba se mostrando relativamente incompatível, chegando a flertar de perto com o ridículo (muitas vezes divertido) da era Roger Moore, que enxergava Blofeld como um vilão deformado sempre acariciando um gato (que, não à toa, gerou o Mr. Evil de Austin Powers) e cenas como a explosão de Kananga em Com 007 Viva e Deixe Morrer.
E este, aliás, é o problema central de 007 Contra Spectre: a indefinição quanto ao que pretende fazer – um dilema que encontra reflexo, claro, em seu herói. Quem, afinal, é o James Bond de Daniel Craig? O sujeito durão e frio de Cassino Royale? O sujeito atormentado pelo passado de Skyfall? O romântico que se apaixona por Vesper Lynd e por Madeline Swann? O fosse-lá-o-que-ele-estivesse-tentando-fazer em Quantum of Solace? Na tentativa de criar um Bond mais complexo, a franquia criou apenas um personagem que parece mudar de filme para filme e de cena para cena, por mais que Craig seja capaz de projetar uma segurança fabulosa como 007, conseguindo bater em um bandido e levar outro a desistir do ataque apenas ao gritar um “Não!” que indica sua capacidade de matá-lo com apenas um golpe. Neste sentido, Craig é, talvez, um dos melhores Bonds da franquia, já que consegue conferir autenticidade a instantes que seriam ridículos se vividos por alguém menos intenso – e quando ele despenca de certa altura apenas para cair sentado em um macio sofá estrategicamente localizado, sua reação é perfeita, evocando uma surpresa inicial que logo é substituída por um “Claro, por que não?” que desperta cumplicidade no espectador. Sim, é tudo implausível, mas por que não nos divertimos com isso?
Esta tentativa de conciliar tons opostos pode também ser constatada nas performances do elenco secundário: se a Madeleine de Léa Seydoux jamais remete – nem mesmo em nome -a personagens como Pussy Galore, Solitaire, Mary Goodnight, Holly Goodhead ou a dra. Christmas Jones, o vilão de Christoph Waltz desaponta justamente por ir na direção contrária, surgindo com calças curtas, sapatos sem meias e culminando numa transformação que... bom... qualquer fã da série já antecipará ao vê-lo pela primeira vez. Além disso, há o fato de que Waltz oferece, aqui, a mesma composição que já testemunhamos em meia dúzia de outros projetos, encarnando um sujeito de modos refinados, dicção impecável, maneirismos afáveis e sorriso fácil que não conseguem ocultar sua natureza vil. Para piorar, o “C” de Andrew Scott expõe um ator ainda preso à composição do Moriarty da ótima série britânica, o que se torna ainda mais preocupante quando constatamos que sua subtrama poderia perfeitamente ser eliminada do inchado roteiro sem prejudicar muito a narrativa, parecendo ter sido incluída apenas para permitir que Ralph Fiennes (ótimo como de hábito) pudesse ter mais tempo de tela.
Simultaneamente homenageando o passado da série (através do Aston Martin e de referências a Moscou Contra 007, por exemplo) e subvertendo-o (como ao usar uma epígrafe que surge após a clássica vinheta e resume o tema do longa), 007 Contra Spectre é certamente uma obra melhor do que Quantum of Solace, mas empalidece diante de Skyfall e, principalmente, Cassino Royale.
Ao tentar investir em um peso dramático excessivo e numa história pregressa complicada demais ao mesmo tempo em que busca principalmente entreter, o novo 007 compromete ambos os esforços, resultando em um filme moderadamente divertido, mas facilmente esquecível.
06 de Novembro de 2015