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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
05/04/2018 06/04/2018 5 / 5 4 / 5
Distribuidora
Paramount
Duração do filme
90 minuto(s)

Um Lugar Silencioso
A Quiet Place

Dirigido por John Krasinski. Roteiro de Bryan Woods, Scott Beck e John Krasinski. Com: Emily Blunt, John Krasinski, Millicent Simmonds, Noah Jupe, Cade Woodward e Leon Russom.

Quando o nome de Michael Bay surgiu nos créditos finais de Um Lugar Silencioso, apontado como um de seus produtores, a ironia me fez sorrir: ali estava um realizador conhecido por substituir tensão por barulho associando seu nome a um projeto que faz exatamente o oposto. Sim, ele dirigiu o diretor/roteirista/ator John Krasinski em 13 Horas e é produtor executivo da série Jack Ryan, protagonizada por este, mas ainda assim seu nome parece deslocado nos créditos deste brilhante filme no qual Krasinski se revela um cineasta infinitamente mais sofisticado do que Bay jamais foi.


Escrito por Bryan Woods, Scott Beck e John Krasinski, o filme parte de uma premissa enganosamente simples: criaturas monstruosas cuja origem nunca é revelada dizimaram boa parte da população do planeta, o que obriga os sobreviventes a se adaptarem a um mundo tomado pelo silêncio, já que o que atrai os novos predadores é o som. Qualquer som. Abrindo a narrativa in media res (com a historia já iniciada – aqui no “Dia 89”), o roteiro logo nos apresenta à família Abbott: Lee (Krasinski), sua esposa Evelyn (Blunt) e os filhos Regan (Simmonds), Marcus (Jupe) e Beau (Woodward). Percorrendo uma cidadezinha abandonada que, com as ruas tomadas por folhas e as portas das lojas escancaradas, já deixa claro para o espectador que algo apocalíptico ocorreu na Terra, os personagens investigam uma farmácia calçando apenas meias e andando nas pontas dos pés, sugerindo um grande perigo cuja natureza ainda desconhecemos e que nos será revelada de maneira impactante minutos depois.

Estabelecendo uma forte atmosfera de tensão desde os primeiros segundos de projeção, Um Lugar Silencioso aos poucos oferece algumas informações adicionais sobre os monstros (e, sim, este é um “filme de monstro”, embora não seja definido por isto) e também sobre o cotidiano da família – desde o fogão construído sob o assoalho para evitar ruídos até as largas linhas de areia branca que espalham pelos caminhos que costumam percorrer a fim de diminuírem os sons de seus passos e os riscos de pisarem em folhas secas ou gravetos. Carinhosos uns com os outros mesmo que só possam se comunicar empregando a Língua de Sinais (que já conheciam em função da deficiência auditiva de Regan), os Abbott exibem um calor humano fundamental para que o público não enxergue a obra apenas como um sistema provocador de sustos, mas como um drama familiar – o que, em última análise, é que nos deixa realmente aflitos, já que passamos a nos importar com aquelas pessoas.

Inteligente na forma como nos deixa perceber detalhes relevantes sobre os personagens sem a necessidade de diálogos expositivos (mesmo porque não haveria como usá-los), o longa sugere, por exemplo, a profissão de Evelyn – provavelmente médica – ao trazê-la procurando um remédio específico para o filho e ao mostrá-la fazendo o próprio pré-natal ao manter controle rigoroso sobre a pressão arterial e ao auscultar o coração do bebê com o auxílio de um estetoscópio (pois é, ela está grávida, o que obviamente provoca suas próprias complicações distintas). Aliás, Emily Blunt, mesmo vivendo uma figura que se mantém passiva na maior parte do tempo, surge brilhante ao exibir – vejam só – força em seu esforço para fugir, naquela que é a sequência mais tensa da narrativa. Enquanto isso, Lee é apresentado como um sujeito com habilidades para a eletrônica e que, mesmo sendo o protagonista, foge totalmente do estereótipo do “herói” ao continuamente demonstrar medo das criaturas e ao dedicar-se muito mais ao esforço de evitá-las do que ao de confrontá-las – e o carisma natural de Krasinski (de quem muitos se lembram como o Jim de The Office) contribui para aumentar nossa simpatia por sua situação. Para finalizar, a jovem Millicent Simmonds, revelada por Todd Haynes em seu Sem Fôlego, confere uma intensidade notável a Regan, ao passo que Noah Jupe faz um bom trabalho ao retratar o pânico crescente de Marcus.

Pânico que, vale lembrar, jamais pode ser expresso verbalmente, o que leva os personagens à necessidade de reprimir as mais impulsivas, quase involuntárias, reações de susto e dor. Esta repressão acaba afetando também a maneira como reagem a crises emocionais que levam a choros sufocados que as tornam ainda mais impactantes. Aliás, a principal forma de comunicação, como já apontado, é a Língua de Sinais, o que leva Um Lugar Silencioso a conter um número reduzidíssimo de diálogos – o que é mais do que compensado pelo brilhante design de som de Brandon Jones, que espero ver reconhecido nas premiações em 2019. Ciente de que a ausência de falas obriga até o mais casual dos espectadores a prestar atenção ao som (o que representa uma oportunidade e também um risco), Jones e sua equipe exploram os mais diversos ruídos na tarefa de guiar a atenção do público e ilustrar a rotina dos personagens. Assim, o leve ranger dos degraus de madeira provocam uma tensão imediata por não contar com outros barulhos que o cubram, ao passo que uma cena à beira do rio quase nos atordoa em função do estrondo da água (e que a mixagem certamente ressalta justamente com este propósito). Do mesmo modo, é interessante observar como muitas vezes o desenho sonoro adota uma subjetividade que nem sempre percebemos – como no plano em que vemos um estábulo e, com o mover da câmera para uma janela, começamos a ouvir o canto dos grilos lá fora não por estarmos próximos destes, mas por estarmos prestando atenção nos arredores. Além disso, é fascinante como há um trabalho delicado até mesmo para diferenciar os sons dos silêncios particulares de cada ambiente, ressaltando a natureza de cada espaço. Para completar, devemos lembrar que o silêncio ressalta o som e vice-versa – e, com isso, qualquer ruído súbito soa quase como uma explosão, provocando choque por ser inesperado na estrutura formal da narrativa. (E é por isso que a trilha de Marco Beltrami, ainda que correta, exagera pontualmente pelo excesso, acompanhando cenas que funcionariam perfeitamente sem música.)

Já o design de produção é hábil ao imaginar e retratar as particularidades de um mundo no qual o som é banido: as peças de jogos são substituídas por figuras bordadas, as paredes do futuro quarto do bebê são forradas com isolante e a propriedade dos Abbott é apresentada como um lugar aconchegante, mas também como um espaço seguro flanqueado por plantações densas – e a própria utilização das lâmpadas que se espalham a partir da casa tem propósitos de proteção além dos estéticos e funcionais óbvios. Da mesma maneira, a concepção visual dos monstros equilibra o horror (as placas que parecem se abrir em seu corpo são especialmente repugnantes) e a funcionalidade ao potencializar a audição das criaturas.

Mas é claro que é necessário ressaltar a direção disciplinada, elegante e precisa de John Krasinski, que cria quadros simultaneamente capazes de agradar pela composição e provocar tensão pela maneira como limitam o campo ao redor dos personagens. Sem apelar para uma câmera óbvia de movimentos excessivos ou para cortes artificiais que visam sustos idem, Krasinski reconhece também a necessidade de permitir que o espectador recupere o fôlego de tempos em tempos, concebendo passagens contemplativas que sinalizam como, mesmo no meio do perigo constante, aquelas pessoas conseguem se divertir e apreciar a beleza das paisagens que as cercam (e planos como aqueles que trazem Lee e Marcus sob uma cascata ou o protagonista observando as chamas acesas pelos vizinhos como sinal de mais um dia vencido representam momentos belíssimos).

Eficiente em sua estrutura também no que diz respeito aos temas que explora, Um Lugar Silencioso encontra em Regan a âncora da narrativa, usando sua deficiência auditiva (que sua intérprete também tem) como o polo oposto da superaudição dos seres que a ameaçam. Aliás, se a surdez da garota traz perigos óbvios (como o fato de não poder escutar o silêncio e, assim, saber se está em risco ou não), é, por outro lado, uma vantagem que não revelarei por achar que é melhor descobri-la no contexto do filme. E isto, como é fácil supor, desperta uma discussão interessante sobre a própria definição de “deficiência” ao demonstrar – num caso extremo, reconheço – como o que julgamos uma fragilidade poderia ser visto como força em contextos específicos. (E aqui lembro do caso real narrado pelo brilhante Oliver Sacks sobre um adulto que, ao recuperar a visão depois de décadas, tem sua vida quase arruinada – uma história (mal) contada em À Primeira Vista.)

Uma das obras de terror mais eficientes dos últimos anos (ao lado de A Bruxa, Ao Cair da Noite, O Babadook, Sob a Sombra e Corrente do Mal), Um Lugar Silencioso é uma obra que dificilmente ficará de fora da lista das melhores do ano. E o que me leva a fazer esta previsão não são apenas todas as virtudes que mencionei acima, mas o fato de que, ao longo da projeção, me peguei várias vezes cobrindo involuntariamente a boca com as mãos. Não há como fazer um elogio ao filme maior do que este.

09 de Abril de 2018

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Assista também ao videocast sobre o filme:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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