Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/01/1970 | 10/08/1983 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
110 minuto(s) |
Dirigido por François Truffaut. Roteiro de François Truffaut, Suzanne Schiffman e Jean Aurel. Com: Fanny Ardant, Jean-Louis Trintignant, Jean-Pierre Kalfon, Philippe Laudenbach.
Há poesia no fato de o último plano do longa final de François Truffaut trazer os pés de várias crianças chutando, em uma brincadeira improvisada, a lente de uma câmera: apaixonado pela Sétima Arte a ponto de – reza a lenda – ter expulsado de seu carro um carona que afirmou não gostar de Cinema, o francês jamais deixou de expressar em seus trabalhos um amor pela arte que se tornava patente em cada quadro, movimento de câmera ou corte.
Concebido em parte como uma homenagem ao noir e a Alfred Hitchcock, que tratavam o mistério e o policialesco a partir de preocupações estéticas diferentes, mas igualmente instigantes, De Repente num Domingo encontra nas expressivas sombras do primeiro e no voyeurismo sacana do segundo uma combinação afinada, subvertendo as referências também ao trocar o herói ambíguo e torturado por uma mulher que encontra na investigação de uma série de assassinatos a forma perfeita de expressar seu interesse romântico e sua recusa em se conformar ao papel de “dama em perigo” ou de “troféu”, assumindo a maior parte da iniciativa enquanto aquele que deveria ser o protagonista permanece encastelado em sua diminuta agência imobiliária.
Não é à toa, portanto, que a personagem vivida por Fanny Ardant se cobre com um sobretudo que remete ao figurino clássico de um Philip Marlowe ou de um Sam Spade enquanto procura pistas em um hotel de Nice – e tampouco é coincidência que surja dirigindo à noite em um plano bastante similar aos que enfocam Marion Crane em Psicose e que observemos a interação de Julien Vercel (Jean-Louis Trintignant) e sua esposa à distância, através das amplas vidraças de sua casa assim como o fotógrafo de James Stewart via os vizinhos em Janela Indiscreta, já que, para Truffaut, seu filme é mais do que um exercício de gênero, mas parte de uma tradição. Aliás, considerando como sua abrangente entrevista com Hitchcock se tornou referência absoluta para qualquer amante da linguagem cinematográfica, um movimento de câmera como aquele que, emulando o de Frenesi, se afasta de uma porta que oculta um crime é um verdadeiro aceno feito por um mestre à obra de outro.
Assim, mesmo que seu roteiro esteja longe do ideal, De Repente num Domingo funciona por se reconhecer como Cinema, não sendo acaso que Ardant em certo ponto roube um beijo do amado para despistar a polícia e explique a atitude afirmando tê-la copiado de um filme. Por outro lado, o senso de humor e as idiossincrasias de Truffaut acrescentam toques inesperados à narrativa ao transformarem a luta por uma espingarda em uma pequena dança, ao interromperem um interrogatório para que um emigrante possa pedir asilo político ou a enfocarem o sorriso travesso da protagonista diante do embaraço de um estranho que deixa um sutiã cair do bolso em um elevador.
Fotografado por Néstor Almendros em um preto-e-branco que respeita as convenções do noir ao mesmo tempo em que acentua (propositalmente, de modo quase metalinguístico) a artificialidade daquele universo – como o beco no qual funciona a boate “L’Ange Rouge” -, o derradeiro longa de Truffaut pode não ser um de seus esforços mais memoráveis, mas é um reflexo inquestionável de suas obsessões cinéfilas e de seu amor pela Arte que abraçou com tanta devoção até partir precocemente pouco mais de um ano depois de seu lançamento.
28 de Setembro de 2019
(Gostou da crítica? Se gostou, você sabia que o Cinema em Cena é um site totalmente independente cuja produção de conteúdo depende do seu apoio para continuar? Para saber como apoiar, basta clicar aqui - só precisamos de alguns minutinhos para explicar. E obrigado desde já pelo clique! Mesmo!)