Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
21/10/2021 | 21/10/2021 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Warner/HBO Max | |||
Duração do filme | |||
155 minuto(s) |
Dirigido por Denis Villeneuve. Roteiro de Denis Villeneuve, Jon Spaihts e Eric Roth. Com: Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Jason Momoa, Josh Brolin, Stellan Skarsgård, Zendaya, Dave Bautista, Stephen McKinley Henderson, Sharon Duncan-Brewster, Chang Chen, David Dastmalchian, Babs Olusanmokun, Benjamin Clémentine, Golda Rosheuvel, Javier Bardem e Charlotte Rampling.
Desde seu lançamento em 1965, “Duna”, escrito pelo norte-americano Frank Herbert, despertou o interesse e a imaginação de cineastas de várias gerações e nacionalidades. No entanto, a tarefa de adaptar as mais de 500 páginas do livro e recriar os vários planetas contidos na história acabou por se revelar uma tarefa traiçoeira que não apenas frustrou o gênio chileno Alejandro Jodorowsky em 1974 como resultou, dez anos depois, em um longa renegado pelo próprio diretor – ninguém menos que David Lynch. Não é exatamente uma surpresa, portanto, que o canadense Denis Villeneuve tenha nutrido durante anos o sonho de levar o livro para as telas, chegando a declarar ter dirigido A Chegada e Blade Runner 2049 como uma “preparação” para este projeto.
Sua primeira decisão criativa, por sinal, foi evitar o mesmo erro de seus antecessores que tentaram incluir toda a trama em um só filme e, assim, logo depois de um prólogo, o título desta adaptação surge acompanhado por um “Parte Um”, indicando a divisão do livro em mais de um longa (porém, ao contrário do que se tornou comum nas últimas décadas, as filmagens das duas partes não ocorreram simultaneamente; a realização da continuação só será confirmada a partir do desempenho deste capítulo nas bilheterias e no streaming da Warner). Roteirizado por Eric Roth, Jon Spaihts e pelo próprio Villeneuve, Duna: Parte Um nos apresenta às Casas Atreides e Harkonnen, que no ano de 10.191 têm sua rivalidade acentuada quando o Imperador Shaddam IV remove esta última do controle do planeta Arrakis e o transfere à primeira – algo significativo, já que Arrakis é a única fonte de extração de uma substância cujo valor é inestimável. Contudo, a decisão do Imperador não é movida por um favoritismo pelos Atreides; ao contrário, ele teme a popularidade do Duque Leto Atreides (Isaac) e espera que a transferência para o novo planeta o deixe vulnerável a um ataque de seu inimigo, o Barão Harkonnen (Skarsgård). Enquanto isso, o filho do duque, o jovem Paul (Chalamet) vem tendo visões que resultam dos poderes herdados da mãe, Lady Jessica (Ferguson), integrante de uma antiga ordem formada por mulheres e que orquestram secretamente os acontecimentos no Império – e estas visões revelam que o rapaz talvez seja o Escolhido profetizado há milênios.
Um Imperador maligno com um exército gigantesco de soldados mascarados? Um vilão que mal se move em sua cadeira e que, com uma aparência monstruosa, se revela um glutão? Um planeta que se resume a um imenso deserto? Um jovem que aos poucos desenvolve poderes que lhe permitem, inclusive, manipular a vontade alheia? Sim, ao lado de uma série de outras fontes, Duna foi uma das principais influências sobre George Lucas e seu Star Wars – o que torna os esforços de Villeneuve para se distanciar estética e narrativamente daquela saga ainda mais interessantes. Seguindo um ritmo cauteloso, paciente, que remete a praticamente todos os seus trabalhos anteriores, o diretor conta a história concebida por Frank Herbert com uma sobriedade evidente, trabalhando com uma paleta dessaturada que torna os onipresentes cinzas e beges ainda mais tristes e melancólicos. Ao mesmo tempo, as ocasionais sequências de ação são construídas não como incidentes empolgantes e enérgicos, mas como tragédias - concretizadas ou não. Em contrapartida, as intrigas políticas, as sombras palacianas e os segredos ganham foco constante, acabando por refletir uma outra figura recorrente na filmografia de Villeneuve: personagens que, ainda que contem com um claro centro moral, acabam sendo levados a cometer atos que normalmente considerariam reprováveis.
Não que o canadense se esqueça da magnitude épica do universo que está recriando, já que Duna é visualmente um espetáculo mesmo com suas cores lavadas: o contraste entre o planeta Caladan (lar dos Atreides) e Arrakis é notável, enquanto Gledi Prime, planeta dos Harkonnen, evoca um pesadelo. Além disso, a escala das construções – especialmente em Arrakis - é opressiva, tornando os humanos (ou humanoides) que as habitam insignificantes. Para completar, os figurinos vão da ostentação cerimonial à praticidade da vida no deserto com criatividade, conseguindo atingir verossimilhança ainda que sem tirar os pés do fantasioso. Neste sentido, é importante observar também as influências abraçadas pela figurinista Jacqueline West, que adota, por exemplo, uma estética claramente inspirada na cultura árabe que, não por acaso, espelha as fontes do próprio Frank Herbert ao conceber o povo de Arrakis.
Pois Duna é, em essência, uma alegoria político-religiosa com preocupações ambientais que se refletem no modo como as Casas ricas e poderosas se sentem no direito de invadir Arrakis a fim de extrair seus recursos naturais, ignorando as necessidades dos nativos fremen (“free men” / homens livres; não é preciso ser sutil para ser eficaz) e o modo como estes se integram à natureza de modo orgânico e não-destrutivo. Assim, se a substância cobiçada pelo império é uma versão em pó do petróleo, os fremen exibem em suas vestes, em sua língua e em alguns de seus costumes traços claros das nações árabes e do islamismo, sendo admirável constatar como Herbert (e, consequentemente, Villeneuve) inverte o olhar habitualmente preconceituoso com que a Europa e os Estados Unidos enxergam aqueles povos.
Contando com um elenco de notáveis que inclui de Charlotte Rampling a Zendaya (que pouco tem a fazer a não ser servir como uma promessa ambígua de amor e violência para o protagonista), Duna se dá ao luxo de trazer Javier Bardem em duas ou três cenas, Stellan Skarsgård praticamente irreconhecível sob toneladas de próteses e a própria Charlotte Rampling escondida por um quase impenetrável véu negro). Por outro lado, Jason Momoa confere carisma ao guerreiro Duncan Idaho, complementando bem a composição (corretamente) seca de Josh Brolin, ao passo que Oscar Isaac traz dignidade e firmeza ao Duque Leto, o que leva o espectador a reconhecer a diferença entre sua Casa e a dos Harkonnen mesmo que ambas atuem para explorar Arrakis. No entanto, as performances mais marcantes são aquelas oferecidas por Rebecca Ferguson e Sharon Duncan-Brewster: enquanto a primeira evoca a ambivalência que experimenta ao reconhecer em seu filho o potencial Escolhido, demonstrando rigidez e afeto na mesma medida, a segunda transforma a dra. Liet Kynes em uma figura que, já machucada por décadas de exploração, hesita em confiar na integridade dos Atraides, ajudando-os quando julga necessário, mas deixando claro que seu orgulho e sua preocupação com os fremen sempre virá em primeiro lugar. Para finalizar, Timothée Chalamet encarna Paul com a intensidade possível para um personagem que, sejamos sinceros, é mais arquétipo do que indivíduo – e se muitas vezes o rapaz parece inexpressivo, isto se deve mais à função narrativa que o herói exerce do que a qualquer outra coisa.
Com um ritmo cuja irregularidade se torna óbvia a cada “visão/sonho” de Paul, Duna é um épico que se esforça para ser intimista, uma fantasia que nem sempre se sente confortável em sê-lo. É uma adaptação fiel que talvez se beneficiasse caso seu realizador fosse um pouco menos reverente ao livro e se permitisse ao menos flertar pontualmente com a insanidade da versão de Lynch. Sim, é um filme melhor do que o de 1984 – o que não é difícil -, mas certamente não tão divertido.
21 de Outubro de 2021
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