Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
12/01/2023 | 11/11/2022 | 4 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Universal | |||
Duração do filme | |||
151 minuto(s) |
Dirigido por Steven Spielberg. Roteiro de Steven Spielberg e Tony Kushner. Com: Gabriel LaBelle, Michelle Williams, Paul Dano, Seth Rogen, Mateo Zoryan, Keeley Karsten, Julia Butters, Alina Brace, Birdie Borria, Jeannie Berlin, Robin Bartlett, Sam Rechner, Oakes Fegley, Chloe East, Isabelle Kusman, James Urbaniak, Greg Grunberg, Judd Hirsch e David Lynch.
Um dos motivos pelos quais sempre insisto que um crítico jamais deve dizer ao leitor para deixar de ver um filme é o fato de não podermos antecipar, mesmo em trabalhos medíocres, o que pode vir a tocar uma pessoa – e a maior prova disso pode ser testemunhada na cena inicial de Os Fabelmans, longa autobiográfico dirigido por Steven Spielberg, que revela como a primeira produção a despertar sua imaginação e a levá-lo a se interessar pelo Cinema foi O Maior Espetáculo da Terra, um dos piores vencedores da História do Oscar. É uma passagem evocativa, quase mágica, que também serve para introduzir o contraste entre o pai e a mãe do jovem protagonista: enquanto Burt Fabelman (Dano) busca explicar para o filho como a experiência cinematográfica funciona de um ponto de vista tecnológico/fisiológico, sua esposa Mitzi (Williams) se concentra em discutir as sensações que esta pode despertar.
Escrito por Spielberg ao lado de Tony Kushner (com o qual já havia colaborado no excepcional Munique, na adorável refilmagem de Amor, Sublime Amor e no decepcionante Lincoln), Os Fabelmans aborda cerca de 15 anos da vida do diretor, iniciando em 1952 (com a visita ao cinema para assistir ao trabalho de Cecil B. DeMille) e concluindo na segunda metade dos anos 60, quando começou a dar seus primeiros passos profissionais em Hollywood. Ainda criança, o pequeno Sam Fabelman (Zoryan) tenta recriar o desastre de trem visto na telona usando uma locomotiva de brinquedo e a câmera Super 8 do pai, exibindo um talento nato para definir enquadramentos, mover a objetiva e cortar no momento certo – e alguns anos depois, já adolescente (e agora vivido pelo ótimo LaBelle), ele já dirige os registros familiares (como a chegada a um novo lar) e mesmo curtas-metragens realizados com os amigos, em passagens que remetem, aqui e ali, a instantes que aparecerão em seus projetos futuros.
Ecoando em vários momentos o sentimento de descoberta das possibilidades do Cinema ilustrado no lindo Jacquot de Nantes, no qual Agnès Varda contava a trajetória do marido Jacques Demy, Os Fabelmans pode ter uma narrativa mais tradicional do que a daquele filme de 1991, mas não menos nostálgica, detalhando como o jovem Sam aprende a montar suas obras em sua pequena moviola, a solucionar questões técnicas (como simular explosões e tiros), a incluir temas musicais em suas projeções e mesmo a dirigir atores – e não é à toa que estes primórdios de sua carreira são acompanhados por uma trilha (mais uma vez composta pelo mestre John Williams) que remete àquelas que acompanhavam as produções da época do Cinema mudo.
Porém, mais do que uma recordação sobre os primeiros passos criativos de seu realizador, o longa representa um mergulho nas crises familiares que moldaram seu temperamento – em especial, a relação de seus pais. Vivida por Michelle Williams com uma caracterização física fiel à sua inspiração (Leah Adler, mãe de Spielberg), Mitzi é uma mulher de espírito inquieto, artístico, que não consegue se adaptar, mesmo depois de tantos anos, à monotonia de uma “dona de casa” nos anos 60 (e é divertido notar como todas as refeições são feitas com talheres e pratos descartáveis para que nenhum minuto seja gasto lavando-os). Sentindo-se culpada pela frustração que sente, Mitzi tenta preencher seu cotidiano de forma impulsiva, seja comprando um miquinho, seja ao colocar os filhos no carro para perseguir um tornado. Assim, ao reconhecer em Sam uma inquietação semelhante, a mulher passa a estimulá-lo a seguir suas aspirações criativas – e percebam como o diretor de fotografia Janusz Kaminski projeta uma luz sobre a personagem no instante em que ela entrega a câmera Super 8 ao filho pela primeira vez, sugerindo seu papel na trajetória do garoto.
Igualmente eficiente como Burt Fabelman, Paul Dano investe numa composição que contrapõe a postura fisicamente rígida do sujeito à sua expressão gentil e apaixonada. Paciente, terno e dedicado à família, Burt é obviamente fascinado pela natureza de Mitzi, estimulando-a a se expressar sem perceber que, por mais que a ame, sua falta de espontaneidade é algo que, somada à intimidação provocada por seu intelecto, paralisa e inibe a esposa, que se vê muito mais à vontade com Bennie, amigo tão próximo do casal que é visto como tio pelas crianças. Repleto de calor humano (algo que Burt não consegue projetar apesar de sua índole carinhosa), Bennie é vivido com imenso carisma por Seth Rogen, que é hábil ao evitar que os sentimentos do personagem levem o espectador a julgá-lo negativamente, o que seria uma injustiça, já que sua lealdade à família Fabelman é genuína. Aliás, a dinâmica do trio é tão complexa que Mitzi gosta de ver a genialidade de Burt sendo explicada por Bennie, empolgando-se com a energia deste e com a inteligência daquele.
Neste sentido, o centro dramático de Os Fabelmans está no encontro de seus dois temas: a descoberta do Cinema por Sam e o relacionamento de seus pais. É como se Sam/Spielberg enxergasse a Arte como uma intermediária necessária para compreender a realidade, já que é através dela que finalmente percebe o que há muito deveria ter se tornado óbvio (e a sequência em que Sam monta um filme caseiro e se dá conta de tudo traz uma escolha narrativa brilhante ao usar a música tocada por Mitzi como acompanhamento, como se ela estivesse criando a trilha de seu próprio drama pessoal). Vale apontar, por sinal, que Spielberg demonstra imensa coerência nesta sua abordagem, já que, de um modo ou de outro, sempre lidou com os resultados emocionais desta situação através de seus filmes, que com frequência trazem a figura do pai ausente (Contatos Imediatos, E.T., Indiana Jones e a Última Cruzada e, de certo modo, Prenda-me Se For Capaz) já que por anos culpou Burt/Arnold por suas dores, vindo a compreender a situação totalmente apenas décadas depois. De forma similar, não menos reveladora é sua obsessão com histórias situadas durante a Segunda Guerra Mundial (1941, Império do Sol, A Lista de Schindler, O Resgate do Soldado Ryan), na qual o pai lutou.
Menos eficaz, por outro lado, é a tentativa de estabelecer um dilema que forçaria Sam a fazer uma escolha entre sua família e sua arte, já que isto não leva a lugar algum apesar de permitir a inclusão de uma boa cena com o veterano Judd Hirsch. Problemática também é a introdução do antissemitismo na hora final de projeção – não porque não seja uma questão séria, mas porque, justamente por ser, deveria ser abordada como algo mais sério do que apenas um obstáculo na vida social e escolar do protagonista, já que não é reconhecida/discutida/enfrentada por nenhum adulto apesar de todas as evidências da ocorrência de um crime de ódio. Para completar, por mais que o jovem ator que interpreta Logan (Rechner) se esforce, não soa plausível que um sujeito tão imaturo e agressivo adquira uma autoconsciência tão profunda sobre a própria explosão emocional apenas por ter visto um filme de poucos minutos.
Enriquecido por um bom humor e uma leveza que impedem que a narrativa se torne sombria ou melancólica demais (o que ao mesmo tempo fragiliza o longa aqui e ali – um problema recorrente na filmografia do diretor), Os Fabelmans extrai graça do choque de religiões entre Sam e Monica (East) e até de uma sutil piada metalinguística envolvendo uma promessa de sigilo, atingindo o auge na participação inspirada de David Lynch como o icônico John Ford (e que culmina num plano final que é, desde já, um dos melhores da carreira de Spielberg).
No final das contas, ao demonstrar como Sam/Steven atinge uma compreensão madura sobre os pais, reconhecendo a humanidade, as fragilidades e as virtudes de ambos, o filme funciona como uma explicação convincente daquilo que tornou Steven Spielberg um dos realizadores mais importantes da História do Cinema: o casamento entre o virtuosismo técnico de seu pai e a emotividade instintiva de sua mãe.
12 de Janeiro de 2023
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