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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
31/03/2023 31/03/2023 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Netflix
Duração do filme
137 minuto(s)

Kill Boksoon
Kill Bok-soon

Dirigido e roteirizado por Byun Sung-hyun. Com: Jeon Do-yeon, Sol Kyung-gu, Kim Si-a, Esom, Koo Kyo-hwan, Kim Sung-ho, Lee Yeon, Park Se-hyun, Lee Jae-wook, Choi Byung-mo, Kim Ki-chun, Jang In-sub, Hwang Jung-min, Yoon Kyung-ho, Kim Jae-hwa.

John Wick fez escola e Kill Boksoon está aqui para provar. Dirigido e roteirizado por Byun Sung-hyun, o filme se inspira no submundo secreto dos assassinos profissionais da série protagonizada por Keanu Reeves e a imagina com um pouco menos de rituais e muito mais mentalidade corporativa – e extraiam disso o significado que quiserem. Aqui, não há moedas secretas ou costumes antigos; modernidade é a palavra que os chefões (CEOs?) julgam a mais importante para seus negócios.


Resultado das regras criadas e implementadas pelo Diretor Cha (Kyung-gu), esta modernização levou a consolidação de todo o mercado de assassinos a apenas seis ou sete empresas, sendo a MK, pertencente a Cha e co-dirigida por sua irmã (Esom), a maior e mais poderosa. Boa parte desta influência, por sinal, se deve à principal estrela da companhia, Gil Bok-soon (Do-yeon), que se tornou lendária entre os companheiros por jamais falhar em suas missões, sendo uma raríssima assassina classificada como “A” – a mais alta posição no ranking de matadores. Esta faceta impiedosa, contudo, cede lugar a outra quando Bok-soon está de folga: mãe de uma adolescente rebelde (que nem suspeita de sua profissão real), ela tenta se aproximar da garota, mas sem sucesso – e é então que sua situação se complica quando ela se recusa a eliminar um alvo, o que abre espaço para que Min-hee, irmã do Diretor Cha, possa persegui-la abertamente.

Apresentando seu universo ao espectador de modo divertido, Kill Bok-soon imagina a comunidade de matadores profissionais como uma autêntica confraria entre os funcionários das várias empresas, que se reúnem no bar de um colega aposentado enquanto seus chefes disputam o poder em salas de reunião que poderiam pertencer a um vilão de 007 – um visual que se contrapõe ao da sala do Diretor Cha, que, imponente em seu espaço amplo, traz sofás de um azul intenso que complementam as cores fortes dos ternos do executivo, sugerindo sua obsessão em controlar cada detalhe ao seu redor.

Com a naturalidade daquele mundo estabelecida, Sung-hyun pode retratar seus personagens nas situações mais atípicas, como ao encenar uma conversa confessional, delicada, em uma cena de crime enquanto um dos participantes altera a posição dos corpos para despistar a polícia. Já em outros momentos, o diretor se entrega a uma estilização maior e ao flerte com homenagens a gêneros específicos, como ao imaginar Vladivostok como uma cidade do Velho Oeste norte-americano durante uma missão executada pelo próprio Cha – um paralelo que os posicionamentos de câmera e a trilha ajudam a estabelecer. Do mesmo modo, as sequências de ação envolvem abordagens distintas, desde a luta inicial que traz um plano registrado através das janelas de um metrô que cruza a tela rapidamente (criando um efeito que remete ao zootropo e aos primórdios do conceito de Cinema) até a intensa batalha no bar, que já investe numa sensibilidade estética mais moderna – além, claro, dos confrontos envolvendo gun fu que reforçam a influência de John Wick.

Mas talvez o mais notável em Kill Boksoon seja a performance de Jeon Do-yeon, que consegue criar uma personagem multidimensional mesmo trabalhando dentro de uma proposta absurda – e por mais que eu goste da série estrelada por Keanu Reeves, não creio ser injusto afirmar que Wick não é uma figura das mais complexas. Equilibrando-se com talento entre a natureza mítica da protagonista e sua faceta humana, atormentada por dramas familiares, Do-yeon ancora o longa com segurança, forjando uma dinâmica com o Diretor Cha de Sol Kyung-gu que sugere uma imensidão de subtextos instigantes.

Feitas estas considerações, é preciso apontar que um dos esforços temáticos do roteiro de Sung-hyun é sabotado por não perceber uma contradição óbvia: tentando traçar uma alegoria entre o sucesso profissional da personagem-título e as desigualdades no mercado de trabalho que prejudicam as mulheres no mundo real, Kill Boksoon é hábil ao estabelecer a raridade da posição da assassina, reforçando também a importância da sororidade em sua relação com uma estagiária (sim, há matadores estagiários neste universo) – apenas para dar um tiro no pé ao recair nos piores estereótipos femininos ao criar uma vilã movida por ciúme e inveja.

Um tropeço que eu perdoaria com prazer caso um crossover entre este filme e sua inspiração fosse possível.

Texto originalmente publicado durante a cobertura do Festival de Berlim 2023.

23 de Fevereiro de 2023

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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