Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
29/05/2025 | 23/05/2025 | 3 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Universal | |||
Duração do filme | |||
101 minuto(s) |
Dirigido e roteirizado por Wes Anderson. Com: Benicio Del Toro, Mia Threapleton, Michael Cera, Tom Hanks, Bryan Cranston, Scarlett Johansson, Jeffrey Wright, Richard Ayoade, Mathieu Amalric, Willem Dafoe, F. Murray Abraham, Charlotte Gainsbourg, Bill Murray, Rupert Friend, Riz Ahmed, Stephen Park, Scott Shepherd, Hope Davis e Benedict Cumberbatch.
Quando lidamos com cineastas que têm um estilo tão marcadamente autoral como Wes Anderson – realizadores que imprimem sua assinatura em cada centímetro do frame, seja na direção de arte, na fotografia ou mesmo na performance dos atores –, torna-se praticamente impossível analisar cada novo trabalho como um projeto isolado; somos inevitavelmente forçados a examinar o filme como mais um episódio dentro de uma vasta carreira, um novo capítulo de uma obra em constante diálogo consigo mesma. Este fenômeno é particularmente evidente no caso de Anderson – e não é por acaso que ao escrever sobre seus longas ao longo dos últimos 23 anos me flagrei repetindo, a cada lançamento, que se tratava do mais wesandersoniano de seus filmes – e O Esquema Fenício não foge à regra.
Mas o que exatamente significa esta afirmação? Há um momento em que, diante de um estilo tão consistente e reconhecível, se torna redundante analisar determinados aspectos técnicos que permanecem praticamente inalterados de um filme para outro: qual seria a relevância, por exemplo, em apontar pela enésima vez como a direção de arte privilegia tons pastéis, como a mise-en-scène investe em uma simetria absoluta ou como os movimentos de câmera alternam entre panorâmicas que saltam rapidamente de um personagem a outro e travellings que se deslocam paralelamente ao eixo da ação até pararem subitamente quando encontram alguma figura importante? Qual o sentido em destacar como os atores são frequentemente posicionados no centro exato do quadro enquanto olham diretamente para a câmera? Afinal, todos os filmes de Anderson compartilham estas características – o que, vale ressaltar, não constitui necessariamente um problema para quem aprecia seu universo estético (o que é meu caso).
Neste contexto, o que passa a diferenciar um filme de outro na filmografia do cineasta são as histórias que ele escolhe contar e os personagens nos quais se concentra – alguns mais interessantes, outros menos: em Asteroid City, seu trabalho anterior apresentado em Cannes, a narrativa contava com um senso de humor tolo e óbvio que, somado a uma artificialidade que soava excessiva (até para os padrões de Anderson), resultava em uma experiência frustrante. Para piorar, o filme era prejudicado por sua indefinição em relação à trama principal e ao protagonista, já que Jason Schwartzman dividia a atenção com diversos outros personagens cujas subtramas assumiam importância suficiente para desviar o foco do arco narrativo central.
Pois este é um problema que O Esquema Fenício resolve ao estabelecer um protagonista claro: Zsa-zsa Korda, um bilionário que, interpretado por Benicio Del Toro, sofre constantes atentados por parte de inimigos misteriosos e que dedica seus dias a um grande projeto que considera seu legado. Temendo não conseguir concluí-lo, Korda nomeia como herdeira e colaboradora a única mulher entre seus dez filhos: Liesl (Mia Threapleton, filha de Kate Winslet), que é retirada de um convento para assumir esta responsabilidade. Completando o núcleo central da narrativa temos Bjorn (Michael Cera), um tutor contratado pelo bilionário para ampliar seus conhecimentos durante momentos de inatividade e que portanto acompanha pai e filha durante a série de viagens que são obrigados a fazer para tentarem salvar os acordos financeiros relacionados ao tal projeto.
Encarnado por Del Toro como uma figura genuinamente divertida e caracterizada por um tom blasé absurdo diante das constantes ameaças à sua vida, Zsa-zsa Korda se mostra tão habituado aos atentados que, durante um atentado ao avião em que viaja, encontra tempo para guardar cuidadosamente o livro que estava lendo no bolso da poltrona antes de tomar qualquer providência. Exibindo total confiança em sua habilidade de convencer qualquer um a aceitar seus termos de negociação, o sujeito é obrigado a abraçar um lado mais flexível de sua personalidade ao conviver com a filha – e é a aproximação gradual entre os dois que confere alma e centro dramático à obra.
Dito isso, O Esquema Fenício é vítima de um problema recorrente nos trabalhos recentes de Anderson e que é consequência de sua admirável - mas complicada - lealdade aos atores com quem trabalha, já que, ao longo das décadas, acabou por formar uma verdadeira trupe que incorpora novos talentos a cada produção (eu não me espantaria se Threapleton se juntasse ao grupo depois deste projeto). Esta fidelidade, embora louvável, resulta em uma necessidade quase obsessiva de criar papéis para todos os seus atores habituais, independentemente da relevância narrativa destas participações – e o resultado é uma clara disparidade entre personagens bem definidos (como os interpretados por Del Toro, Threapleton e Cera) e figuras que aparecem em breves episódios sem qualquer função substancial embora sejam encarnadas por nomes celebrados como Scarlett Johansson, Jeffrey Wright e Richard Ayoade (e o mero fato destes personagens contarem com rostos tão famosos leva à criação de expectativas que são apenas frustradas por suas aparições-relâmpago). Aliás, a escalação destes intérpretes se torna inexplicável quando consideramos como muitos são praticamente figurantes glorificados: Willem Dafoe, F. Murray Abraham e Charlotte Gainsbourg, por exemplo, mal chegam a abrir a boca, enquanto Bill Murray surge em uma única cena para dizer uma única frase.
Com isso, além da distração desnecessária que gera, esta compulsão de incluir todos os membros da trupe acaba forçando os filmes a assumirem um caráter inevitavelmente episódico, já que não é possível manter todos os personagens atravessando a projeção inteira. Mais problemático ainda é o fato de que, independentemente do talento e da versatilidade dos atores escalados, todos acabam oferecendo essencialmente a mesma performance - aquela típica dos personagens de Anderson, que recitam longos monólogos rapidamente em tom monocórdio e sem qualquer expressão facial. Não há, por exemplo, diferenciação significativa entre a reação de Scarlett Johansson e a de Mia Threapleton a determinadas situações; ambas executam o mesmo dar de ombros quase imperceptível, casual e blasé, apesar de interpretarem personagens teoricamente distintas em personalidade e vivência.
Para completar, o caráter episódico da narrativa (que aqui é literalmente organizado em caixas de sapato) e a velocidade com que saltamos de um “capítulo” a outro acabam por resultar na carência de um elemento crucial presente nos primeiros trabalhos do diretor, como Três é Demais e Os Excêntricos Tenenbaums: um centro emocional. Sim, o espectador aprecia visualmente o filme – como no lindo plano plongée no banheiro do protagonista, com sua meticulosa distribuição de elementos (banheira, bidê, vaso, pia) e a movimentação cuidadosamente coreografada dos figurantes no espaço -, mas não há nada além desta apreciação estética; nenhum investimento emocional é possível.
Esta ausência transforma alguns dos filmes recentes de Anderson em exercícios formais que, embora plasticamente impressionantes, soam fundamentalmente vazios – uma evolução frustrante para um diretor cujo forte estilo autoral por vezes soa como mera muleta criativa. Há exceções (como A Crônica Francesa), mas estas infelizmente vêm se tornando cada vez mais raras.
Mas resta sempre a esperança de que em seu próximo longa – certamente o mais wesandersoniano de todos – um equilíbrio maior volte a se estabelecer.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2025
18 de Maio de 2025
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