Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
13/05/2005 | 11/08/2006 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
115 minuto(s) |
Dirigido por Andrucha Waddington. Com: Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Seu Jorge, Enrique Díaz, Stênio Garcia, João Acaiabe, Ruy Guerra, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Emiliano Queiroz.
Casa de Areia não é um filme fácil – principalmente para o espectador que vai ao cinema em busca de um passatempo descompromissado para matar o tempo. Preocupando-se principalmente com o tumulto emocional de seus personagens, o longa é introspectivo e contemplativo, concentrando-se na ação interna, que ocorre na alma das protagonistas, e não nas atitudes destas. O resultado é uma experiência desgastante, sim, mas indiscutivelmente recompensadora.
Iniciando em 1910, a história acompanha Áurea (Torres), que, grávida, muda-se com a mãe e o marido para a região dos lençóis maranhenses depois que o sujeito compra um terreno no local, com a promessa de que logo a água chegará ali. Desesperada ao constatar as terríveis condições climáticas do lugar, que se resume a um imenso deserto de areia branquíssima, Áurea decide voltar para a capital, mas é sempre impedida: primeiro, pelo marido; depois, pelo `destino`. Assim, o roteiro (escrito por Elena Soárez, parceira habitual do diretor Andrucha Waddington) acompanha várias décadas na vida da personagem, incluindo o relacionamento desta com a mãe e a filha.
Antes de qualquer coisa, vou entregar-me ao clichê que certamente será utilizado por nove em cada dez críticos que escreverem sobre este projeto: as dunas são, sem dúvida alguma, personagens fundamentais do filme. Vastas e imponentes, formam um cenário de branquidão impressionante, criando um efeito paradoxal de claustrofobia – algo realçado pela fotografia impecável de Ricardo Della Rosa. Levada pelo vento, a areia surge fluida como a água, levando a uma constante mudança no relevo do terreno de Áurea, que, de planície afastada de qualquer sinal de água, transforma-se em orla de uma lagoa e, em seguida, em um quase vale que, aos poucos, invade a casa da protagonista. Aliás, esta é uma característica que Casa de Areia divide com Eu, Tu, Eles, também dirigido por Waddington: ambos utilizam elementos naturais como metáfora das vidas de suas personagens (no caso de Eu, Tu, Eles, a árvore seca localizada em frente à casa de Darlene). Afinal, assim como suas terras, Áurea experimenta diversas mudanças sem, com isso, perder sua essência – e a aridez da região encontra reflexo na secura emocional da personagem. Já a imagem da casa engolida pela areia é óbvia (o que não tira sua força), funcionando como uma representação literal (uma contradição de termos que aqui se aplica) da própria vida daquela(s) mulher(es).
Como é fácil imaginar, um filme como Casa de Areia, focado em seus personagens, só funciona quando tem a sorte de contar com um elenco forte – e, neste caso, Andrucha não precisou procurar muito, já que tinha, na família, duas das melhores atrizes brasileiras: sua esposa Fernanda Torres e a sogra, Fernanda Montenegro (até mesmo Fernando Torres, marido de Montenegro, faz uma aparição em uma foto). Incrivelmente talentosas, as duas mulheres logo estabelecem uma dinâmica importante entre Áurea e sua mãe, D. Maria (e, mais tarde, entre a envelhecida Áurea – agora vivida por Montenegro – e sua filha Maria, que ganha o rosto de Torres). E o mais impressionante é que, durante boa parte da projeção, as duas atrizes se comunicam principalmente de forma não-verbal, trocando olhares, suspiros e expressando fisicamente suas preocupações. E se a dupla segura o filme, o restante do elenco não faz feio: além de ótimas participações de Stênio Garcia, Enrique Díaz (o irmão igualmente talentoso de Chico) e Luiz Melodia, Waddington ainda pôde contar com o fantástico Seu Jorge, dono de uma presença formidável na telona.
Casa de Areia, como Lavoura Arcaica e 1,99 – Um Supermercado que Vende Palavras, é uma obra para ser vista e revista, já que, certamente, torna-se mais reveladora a cada nova visita. Não é à toa, por exemplo, que Áurea é levada a transformar um marco geodésico em seu próprio centro de referência na esperança de ser resgatada por cientistas, como se a evolução tecnológica em si representasse suas maiores chances (e, de fato, representam, encurtando distâncias e destruindo o romantismo de figuras como Massu ou do próprio Vasco, que comprou aquelas terras julgando-as produtivas). E não há como ignorar a introdução certeira da teoria da relatividade de Einstein na trama, mais especificamente ao discutir o conceito de gêmeos que passariam a ter idades diferentes caso um deles fizesse uma viagem à velocidade da luz: idéia que encontra uma rima temática na escalação de Torres e Montenegro para viverem as mesmas personagens em idades diferentes.
Casa de Areia é, portanto, um filme corajoso e ambicioso que não pretende ser uma experiência passiva para o espectador; ao contrário, exige uma sofisticação maior do público, que precisa se envolver com a história e pensar no que está vendo. Isto é, caso queira aproveitar ao máximo o que o longa tem a oferecer.
12 de Maio de 2005