Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/10/2015 | 02/10/2015 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Fox | |||
Duração do filme | |||
141 minuto(s) |
Dirigido por Ridley Scott. Roteiro de Drew Goddard. Com: Matt Damon, Jessica Chastain, Chiwetel Ejiofor, Jeff Daniels, Eddy Ko, Michael Peña, Kata Mara, Aksel Hennie, Sean Bean, Donald Glover, Kristen Wiig, Sebastian Stan, Mackenzie Davis.
Mark Watney está em solo marciano. Integrante de uma pequena equipe de astronautas enviados para estudar as condições no planeta vermelho, ele recolhe amostras do solo enquanto troca piadas com os colegas da expedição liderada pela competente Melissa Lewis. No entanto, quando uma forte tempestade surpreende o grupo, o rapaz é atingido por uma antena e dado como morto pelos companheiros, que se veem obrigados a partir com urgência – e quando Mark acorda horas depois, ferido e com nível de oxigênio crítico, descobre estar sozinho em Marte e sem perspectivas imediatas de resgate. Como sobreviver por tempo suficiente até que a NASA possa enviar uma nova missão?
Mistura eficiente e curiosa de Náufrago e Apollo 13 (com fortes pitadas de Gravidade), Perdido em Marte é uma ficção científica que busca frisar bastante o “científica” a fim de tornar o componente “ficção” agradavelmente verossímil. Aliás, o roteiro de Drew Goddard (baseado em livro de Andy Weir) demonstra verdadeiro orgulho em trazer um protagonista que, confrontado por situações quase impossíveis, reage com falas como “I’m going to have to Science the shit out of this” (ou, na tradução em português, “Vou ter que usar a Ciência até fazer bico”) – e, assim, o filme constantemente explica para o público os enormes desafios enfrentados por Watney e também as saídas por este encontradas.
Mas se normalmente o excesso de exposição poderia tornar a narrativa entediante ou artificial, o longa encontra uma alternativa eficaz e orgânica ao exibir o herói enquanto este grava registros de suas dificuldades. É aqui, por sinal, que o carisma de Matt Damon se mostra instrumental, já que o ator, carregando boa parte da história sozinho, compõe Watney como um indivíduo otimista, perseverante e, principalmente, com um contagiante bom humor – e quando sua voz e sua disposição gradualmente enfraquecem, o espectador percebe o desespero crescente da situação justamente por conhecer o temperamento habitual do sujeito. Além disso, Damon projeta a inteligência necessária para que acreditemos na habilidade de seu personagem de permanecer vivo, levando-nos a torcer por seu sucesso mesmo que, no final das contas, não saibamos quase nada ao seu respeito além de sua resiliência.
Porém, o astronauta não é o único a impressionar por sua inteligência: Perdido em Marte é povoado por homens e mulheres incrivelmente preparados (todos trabalham na NASA, afinal) – e observar, por exemplo, como os cientistas na Terra tentam prever as ações de Watney (e vice-versa) é um dos maiores prazeres oferecidos pelo projeto. Neste sentido, a ótima montagem de Pietro Scalia é importante ao saltar de maneira ágil entre os experimentos feitos na agência espacial e suas consequentes aplicações em Marte, conferindo dinamismo à narrativa, mas também funcionando como uma boa forma de exposição.
Otimista em sua visão da humanidade, que aqui se une para salvar a vida de um homem, o longa (assim como Evereste, lançado no Brasil uma semana antes) percebe que os desafios apresentados por um planeta inóspito já são suficientes para criar drama e tensão, não perdendo tempo com atos de vilania clichês no gênero: o personagem de Jeff Daniels, por exemplo, certamente seria retratado como um burocrata frio e inescrupuloso em uma produção menos ambiciosa, mas aqui compreendemos as ressalvas que faz a certas atitudes de seus subordinados e percebemos que, mesmo ansioso para ajudar o protagonista, há outras obrigações que deve levar em consideração antes de aprovar planos arriscados. Por outro lado, o companheirismo entre os astronautas é bem ilustrado pela dedicação do chefe do centro de controle, Mitch Henderson (Bean), e pela disposição ao sacrifício dos colegas de Watney (vividos por Chastain, exalando autocontrole e competência; Peña, divertido como de hábito; Hennie, projetando valentia; Mara, bem mais segura do que em Quarteto Fantástico; e Stan, que pouco faz).
Refletindo seu multiculturalismo em suas referências religiosas (“Você acredita em Deus?”, pergunta alguém ao cientista vivido pelo ótimo Chiwetel Ejiofor. “Minha mãe era batista e meu pai, hindu. Acredito em vários.”, ele responde – e o que ocorre a seguir também pode ser visto como um aceno aos ateus.), Perdido em Marte é um tipo raro de superprodução hollywoodiana ao não relegar mulheres e minorias a meras figurações, merecendo aplausos também por trazer a NASA precisando da ajuda de cientistas chineses (mesmo que, claro, o ufanismo ocasionalmente desponte na tela em falas e bandeiras).
Dirigido por Ridley Scott em seu segundo bom esforço consecutivo depois de Êxodo: Deuses e Reis (e depois da sequência de desastres representada por Prometheus, O Conselheiro do Crime e Robin Hood), Perdido em Marte certamente deixa o cineasta feliz ao permitir que este explore sua atração estética por partículas flutuantes durante a tensa sequência da tempestade, trazendo, também, momentos surpreendentes de humor para um realizador acostumado a comandar produções geralmente sombrias (outra exceção é o ótimo Os Vigaristas). Para completar, Scott faz um contraponto eficiente entre os grandiosos planos externos da superfície marciana e as internas claustrofóbicas que acompanham Watney no pequeno habitat que ocupa.
Tropeçando apenas na artificialidade do dublê usado para retratar a magreza do protagonista (é terrivelmente óbvio como ele esconde o rosto para não quebrar a ilusão de que se trata de Damon), o filme se estabelece como um raro exemplar de bom uso do 3D, já que o diretor emprega corretamente o foco profundo para explorar a dimensão da superfície marciana, contrastando-o com a profundidade de campo reduzida que domina boa parte dos planos mais fechados, tornando-os mais opressivos.
Hilário em suas referências cinematográficas (há uma, envolvendo Sean Bean, que beira o genial) e musicais (o uso de “Starman” é perfeito), Perdido em Marte ainda consegue a proeza de transformar a canção que surge nos créditos finais em um desfecho perfeito para uma piada recorrente na projeção, encerrando a narrativa impecavelmente.
Em um mundo cada vez mais tomado por uma assustadora e retrógrada onda de anti-intelectualismo, é bom perceber que Hollywood ainda produz obras como este filme e Tomorrowland, que no mínimo nos fazem lembrar de que a melhor solução para o obscurantismo é a celebração entusiasmada do conhecimento humano.
25 de Setembro de 2015
Videocast (sem spoilers):