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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/06/2012 01/01/1970 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Fox
Duração do filme
124 minuto(s)

Prometheus
Prometheus

Dirigido por Ridley Scott. Com: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Idris Elba, Guy Pearce, Logan Marshall-Green, Sean Harris, Rafe Spall, Kate Dickie, Patrick Wilson.

Prometheus é uma ficção científica que se concentra mais em suas ideias do que na ação – e isto, em teoria, é ótimo. Quando uma obra do gênero realmente busca explorar os conceitos por trás de seu universo, desenvolvendo seus personagens à medida que investigam suas obsessões, o potencial para que um grande filme surja é imenso. Durante boa parte de sua projeção, aliás, o novo trabalho de Ridley Scott parece caminhar nesta direção, plantando as sementes de uma narrativa inteligente e intrigante – até que finalmente começa a tentar fornecer algumas respostas. Neste instante, torna-se tolo e óbvio, expõe a superficialidade de seus personagens e se revela uma inevitável decepção.


Escrito por Jon Spaihts e Damon Lindelof (um dos responsáveis por Lost, cujas respostas – antes que alguém faça a comparação – me agradaram), o roteiro tem início de forma impactante e ambiciosa ao enfocar uma sequência que traz a origem da vida na Terra depois que uma criatura alienígena se sacrifica para oferecer seu DNA como ponto de partida para uma série de mutações (o que, de certa forma, combina em si o Criacionismo e a Evolução). Milhões de anos depois (ou milhares, dependendo de suas crenças e do seu Q.I.), encontramos o casal de arqueólogos Elizabeth Shaw (Rapace) e Charlie Holloway (Marshall-Green, sósia de Tom Hardy), que acabam de fazer uma descoberta capaz de mudar a história da Humanidade: pinturas rupestres que confirmam a existência de uma espécie de “mapa” deixado por uma raça alienígena que possivelmente indica a localização de nossos criadores. Patrocinados pela corporação Weyland, os dois embarcam numa viagem ao lado de cerca de uma dezena de pessoas chefiadas pela severa Meredith Vickers (Theron) em uma imensa nave pilotada pelo capitão Janek (Elba) e supervisionada pelo androide David (Fassbender) – e quando chegam ao planeta LV-223, percebem que talvez a busca traga resultados desastrosos para todos os envolvidos.

Desenvolvendo a primeira metade da narrativa de forma lenta e calculada enquanto investe na dinâmica entre os personagens e na apresentação das questões fundamentais que supostamente pretende discutir, Prometheus parece buscar uma proximidade filosófico-teológica com obras como 2001, Solaris (a versão de Tarkovsky) e Contato – e, não à toa, são estes seus melhores momentos, quando a promessa de uma obra madura e desafiadora ainda não se desfez. Assim, quando vemos um flashback que traz a jovem Elizabeth conversando com o pai (Wilson) sobre a natureza da morte e suas dúvidas acerca do que viria depois do fim, Ridley Scott e seus roteiristas estabelecem a fé da protagonista (algo ressaltado pelos vários planos-detalhe do crucifixo em seu pescoço) e preparam o espectador para os questionamentos que moverão a história. E é aí que, numa cena entre Elizabeth e Charlie em seus aposentos, o melhor que Spaihts e Lindelof conseguem fazer é criar um diálogo no qual a primeira, indagada sobre como a descoberta dos aliens impacta sua crença em Deus, responde com a mais velha e óbvia pergunta: quem teria vindo antes destes, então?

Não que a indagação não faça sentido no contexto daquela conversa, mas não deixa de ser uma resposta infantil vinda de alguém que, àquela altura, certamente já deveria ter avançado em suas dúvidas metafísicas e religiosas – isto para não mencionar que, como cientista, Elizabeth deveria estar acima do impulso de responder um mistério com outra teoria infactível e baseada apenas em sua fé. A partir daí, Prometheus deixa que percebamos que o rei nada veste e mergulha numa série de becos sem saída e pontas soltas (e não leia os próximos dois parágrafos caso ainda não tenha visto o filme. Avisarei em itálico quando os spoilers chegarem ao fim): por que, por exemplo, David entrega a bebida infectada a Charlie? Por que os Engenheiros deixam um mapa se não querem ser encontrados pelos terráqueos que criaram? E por que querem nos destruir? O que houve exatamente com a cabeça encontrada por Elizabeth? Sim, fica claro, a partir de certo ponto, que Scott está apenas preparando terreno para uma hipotética continuação na qual algumas destas perguntas seriam respondidas, mas esta não deixa de ser uma estratégia frustrante e até mesmo preguiçosa depois de mais de duas horas de investimentos feitos na narrativa (e que levam o espectador a sair da sala de projeção sem o mínimo retorno).

Infelizmente, este é o menor dos problemas envolvendo os temas de Prometheus, já que o simbolismo empregado pelo cineasta é óbvio o bastante para que possamos intuir certas respostas e perceber que não serão particularmente satisfatórias – a começar pelo título da produção e da nave que hospeda boa parte da trama, que aposta na falta de sutileza ao adotar o nome do titã Prometeus, que criou a humanidade a partir do barro (vide os “Engenheiros”) e depois foi punido pelos deuses por presentear o homem com o domínio sobre o fogo – e sua punição, ter o fígado devorado todos os dias por águias, remete de forma clara às recorrentes feridas no tórax que se tornaram marca registrada da série Alien.

As obviedades não param por aí, contudo: somemos, por exemplo, o crucifixo de Elizabeth ao fato de o filme se passar no Natal (uma data que não seria escolhida aleatoriamente) e uma base claramente cristã começa a se apresentar – e, assim, quando Charlie descobre que os Engenheiros foram mortos “há dois mil anos”, a direção na qual Scott caminha não deixa muito espaço para dúvidas, indicando que a motivação destrutiva dos Engenheiros seria fruto de algo ocorrido há dois milênios. Sim, caro leitor, por trás da série Alien há a morte de Cristo, possivelmente um ser alienígena, nas mãos dos humanos, o que teria levado os Engenheiros a conceber os xenomorfos que se voltariam contra seus criadores e, mais de dois mil anos depois, atacariam a tripulação da Nostromo. Troquemos o termo “ficção científica” por “ficção religiosa” e teremos um gênero mais apropriado ao longa de Ridley Scott.

(Fim dos spoilers.)

Dito isso, resta saber se, apesar da premissa tola, Prometheus ainda funciona como narrativa – e a resposta mais justa seria “moderadamente”. Por um lado, é admirável que Scott mantenha a consistência da série ao criar mais uma heroína forte e independente, trazendo a própria Lisbeth Salander original para substituir Ripley; por outro, há a constatação inegável de que a maior parte dos personagens vistos ao longo da projeção são unidimensionais como o xenomorfo que batiza a série: Janek é um homem durão de poucas palavras; o geólogo Fifield (Harris) é o babaca do grupo; o biólogo Millburn (Spall) é o covarde; Vickers é a representação (recorrente na série) da corporação ambiciosa e destrutiva; e os demais tripulantes poderiam perfeitamente vestir camisetas vermelhas que indicassem sua função na história: uma morte dolorosa que estabeleça o perigo que todos enfrentam. Como se não bastasse, estes personagens já rasos ainda tomam atitudes incompreensivelmente tolas – e quando vi um deles brincando com uma serpente alienígena que surgira de uma poça de gosma negra, confesso ter ficado chocado ao perceber que Prometheus não se envergonhava de incluir uma cena tão patética como aquela em sua narrativa. O resultado é que basicamente nenhuma das mortes ocorridas ao longo da trama é sentida de fato pelo público, que jamais estabelece qualquer tipo de ligação com as caricaturas na tela.

O que nos traz ao androide David – o único personagem realmente intrigante do filme. Vivido por Michael Fassbender com uma expressão constantemente neutra e um tom de voz monocórdio que sugere simultaneamente serenidade e ameaça*, o sujeito intriga por claramente ter motivações obscuras e mais complexas que as de seus colegas de tripulação. Além disso, o contraste entre sua impassividade e sua mais do que humana admiração por Lawrence da Arábia, que o leva inclusive a espelhar seus modos e sua aparência física na performance de Peter O’Toole, traz uma dramaticidade subjacente a todas as suas interações com os humanos – e quando responde à pergunta de Charlie sobre por que está vestindo um traje especial para sair da nave, não é difícil perceber a possibilidade de um ressentimento contido em sua expressão (algo que se repete quando ele aponta que o arqueólogo ficaria desapontado caso descobrisse que foi feito apenas “porque seus criadores podiam fazê-lo”). Fechando o elenco, Guy Pearce é desperdiçado sob uma pesada (e artificial) maquiagem de envelhecimento por mais que seja divertida sua decisão de encarnar Weyland usando a voz e a dicção de John Hurt, a vítima inicial em Alien, o Oitavo Passageiro.

Já como espetáculo visual, Prometheus é irrepreensível: os longos e escuros corredores percorridos pelos personagens soam ameaçadores e intermináveis; a câmara descoberta pelos personagens oscila entre o sacro e o aterrador; e a Prometheus surge como uma versão mais moderna, limpa e elegante da Nostromo – o que é perfeitamente natural, considerando que esta última era uma nave de carga (basicamente, portanto, um “caminhão espacial”). Da mesma maneira, os figurinos se concentram na funcionalidade, embora ainda pareçam atraentes em suas cores de tons ameaçadores e frequentemente tristes (o que combina com a fotografia sombria e drenada de cores criada por Dariusz Wolski). Além disso, os uniformes usados pelos Engenheiros e as esculturas e equipamentos encontrados pelos heróis remetem claramente às obras metalizadas e contorcidas de H.R. Giger, o que mantém uma bem-vinda continuidade visual com o longa original.

Repleto de efeitos visuais admiráveis (incluindo aqueles que constroem os Engenheiros quase como estátuas de mármore de músculos e feições cuidadosamente esculpidos), Prometheus finalmente se entrega ao caos em sua metade final – e a longa e detalhada cena que traz uma cirurgia pode ser impactante pela natureza gráfica, mas é tão absurda (mesmo pelos padrões do filme) que se torna difícil encarar a protagonista como uma criatura de carne-e-osso após aquele incidente. Além disso, Ridley Scott falha na tarefa básica de estabelecer a geografia da longa nave explorada pelos personagens, já que nem mesmo um modelo holográfico tridimensional consegue ajudar o espectador a situar a ação de um momento para o outro (e não deixa de ser curioso notar como Scott usa outro holograma – desta vez, uma gravação móvel – como desculpa para rechear a tela com outra de suas obsessões: partículas em suspensão).  

Mais confuso do que o necessário (algo que o cineasta provavelmente tentará corrigir em uma de suas inevitáveis “versões do diretor”), Prometheus não é um filme ruim, mas é uma decepção para os fãs da série – e talvez Scott devesse ter se preocupado mais em resolver os problemas narrativos da produção do que em deixar pontas soltas que justificassem mais uma continuação.

Mas quem sabe James Cameron não retorna para salvá-la?

* Quem optou pela versão dublada, claro, perderá o trabalho de voz cuidadoso de Fassbender.

Observação: Inicialmente, eu iria dividir este texto em duas partes, assim como fiz ao analisar filmes como Cisne Negro, O Homem-Urso, Magnólia, Cidade dos Sonhos, Batman Begins, A Origem e O Grande Truque. Porém, os simbolismos e as mensagens subjacentes à narrativa de Prometheus se revelaram tão infantis que basicamente cobri tudo o que queria abordar em dois parágrafos e meio. Triste quando uma obra que sugere tanta ambição acaba oferecendo tão pouco para discutir.

Observação 2: A versão 3D é bem concebida, mas peca por escurecer um filme cuja fotografia já é naturalmente sombria, o que é um problema. A versão em 2D é suficiente.

10 de Junho de 2012

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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