Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
19/03/2015 | 27/02/2015 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Paris | |||
Duração do filme | |||
111 minuto(s) |
Dirigido por David Cronenberg. Roteiro: Bruce Wagner. Com: Julianne Moore, Mia Wasikowska, John Cusack, Olivia Williams, Robert Pattinson, Sarah Gadon, Evan Bird, Carrie Fisher.
Em uma carreira repleta de personagens e momentos repugnantes, o cineasta canadense David Cronenberg talvez tenha concebido, neste Mapa para as Estrelas, uma galeria povoada por algumas de suas criações mais repulsivas. No entanto, em vez de um homem cujo DNA se mistura ao de uma mosca ou de um indivíduo cuja cabeça explode subitamente, o filme se concentra em figuras que, se julgarmos por todos os livros e relatos jornalísticos sobre a comunidade cinematográfica de Los Angeles, são essencialmente reais: os astros e estrelas de Hollywood.
Roteirizado por Bruce Wagner, que de certa forma construiu toda uma carreira (medíocre) a partir da desconstrução da “meca do Cinema”, o filme acompanha a atriz Havana Segrand (Moore), que, decadente, se encontra obcecada em protagonizar a refilmagem de um clássico estrelado por sua própria mãe na juventude (uma estrela (Gadon) que morreu precocemente e de forma trágica em um incêndio). Enquanto isso, o astro mirim Benjie Weiss (Bird), recém recuperado de dependência química embora tenha apenas 13 anos (“Funcionou com Drew Barrymore”, diz alguém em certo instante), prepara-se para protagonizar uma continuação de seu maior sucesso, sendo perturbado por visões do fantasma de uma garota que visitou quando esta encontrava-se ainda hospitalizada. Para complicar ainda mais a situação, a irmã mais velha do rapaz, Agatha (Wasikowska), voltou à cidade depois de passar anos internada por ter incendiado a casa em que moravam – e seu retorno é mal visto por seus próprios pais, Christina (Williams) e o dr. Stafford Weiss (Cusack), um guru de autoajuda prestes a lançar seu novo livro.
A partir desta galeria de personagens desajustados, Cronenberg cria uma colagem quase surreal que, em certos momentos, parece oscilar entre O Jogador e Cidade dos Sonhos, mas sem jamais atingir a grandeza temática destes. Não que esta seja a intenção do cineasta, que parece bem mais interessado em explorar um curioso humor negro a partir da incapacidade que seus personagens têm de se identificar com qualquer questão minimamente humana, já que surgem como seres despreparados para a vida e que parecem fisicamente impossibilitados de escutar um “Não!” sequer, já que o narcisismo que define suas personalidades já parece ter cruzado a fronteira da pura sociopatia.
Frequentando uma sociedade na qual a aparência define as relações pessoais e profissionais, os homens e mulheres vistos em Mapa para as Estrelas são constantemente pressionados pela própria finitude, já que, naquele mundo, uma atriz jovem como Emma Watson já é cogitada para papéis de “mãe” e cada recusa em um teste significa mais um dia no qual aspirantes a atores e roteiristas se veem obrigados a trabalhar como garçons, motoristas e assistentes pessoais. Não é à toa, portanto, que cada interação soa menos como uma oportunidade de estabelecer uma ligação emocional com alguém e mais como uma oportunidade profissional, já que mudanças de religião são vistas como meios de impulsionar a carreira e flertes são abandonados assim que se apresentam ineficazes como networking.
Construindo a narrativa a partir de pequenas informações pontuais que vão se juntando em um quebra-cabeças que, mesmo jamais formando um quadro completo e coeso, é curioso justamente por sua fragmentação, Mapa para as Estrelas constantemente se diverte com a falsidade de seus personagens e mesmo com sua crueldade – e, neste sentido, ninguém ganha mais oportunidades de se divertir com a podridão daquele mundo do que Julianne Moore, que protagoniza ao menos duas cenas que beiram o absurdo em seu descolamento da realidade: aquela na qual mantém uma conversa enquanto sentada no vaso sanitário e outra na qual celebra ter conseguido um papel.
E se o roteiro se diverte com pequenas piadas envolvendo a história de Hollywood (como no momento em que Carrie Fisher diz que “toda filha deveria ter a chance de interpretar a própria mãe”), o próprio Cronenberg acrescenta a estas suas próprias brincadeiras particulares, como ao escalar Robert Pattinson como um motorista de limusine depois de ter construído todo um filme no qual o ator era passageiro de uma (Cosmópolis, claro). Menos bem-sucedidas são as pinceladas de sobrenatural jogadas ao longo da narrativa, já que aqueles personagens são suficientemente estranhos para descartarem qualquer influência metafísica – e se a abordagem visual de Cronenberg se limita ao uso de grandes angulares para ressaltar a estranheza de suas criações, ao menos os figurinos de sua irmã Denise se mostram mais imaginativos (das roupas absurdas usadas por Havana ao vestido preto e roxo, simbolicamente perfeito, que cobre Agatha em vários momentos).
Divertido e chocante na medida apropriada, Mapa para as Estrelas é um retrato de um mundo que, mesmo produzindo beleza, parece apodrecido por dentro por se ver obrigado a criá-la a partir do confronto de egos – e é sintomático que, entre todos os personagens aos quais nos apresenta, a mais humana e sensível seja aquela que passou a vida internada por ser uma esquizofrênica piromaníaca.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival do Rio 2014.
26 de Setembro de 2014