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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/05/2014 01/01/1970 5 / 5 / 5
Distribuidora
Lume Filmes
Duração do filme
95 minuto(s)

Oslo, 31 de Agosto
Oslo, 31. august

Dirigido por Joachim Trier. Roteiro de Joachim Trier e Eskil Vogt. Com: Anders Danielsen Lie, Malin Crepin, Aksel M. Thanke.

Tornou-se um ritual anual, entre os cinéfilos brasileiros, reclamar da seleção feita pela comissão montada pelo Ministério da Cultura para definir o filme que nos representará na corrida ao Oscar nos meses seguintes. Estes equívocos, porém, não são exclusividade nossa – e basta assistir a este excelente Oslo, 31 de Agosto para perceber como inevitavelmente empalidece o ótimo Happy, Happy, que o derrotou para se tornar o selecionado norueguês na competição. Iniciando sua narrativa com nostalgia e encerrando-a com desespero, o segundo longa de Joachim Trier ainda traz uma das sequências mais belas e poéticas que vi nas telas em 2011 e que, por si só, já seria razão suficiente para aplaudi-lo com entusiasmo.

Baseado num livro de Pierre Drieu La Rochelle e roteirizado por Trier ao lado de Eskil Vogt, o filme acompanha um dia na vida de Anders (que, como vários dos outros personagens, divide o nome com seu intérprete, Anders Danielsen Lie): prestes a ser liberado do centro de reabilitação no qual permaneceu internado por meses a fim de se livrar das drogas, o rapaz recebe licença para ir à cidade com o objetivo de ser entrevistado para um emprego e aproveita para reencontrar velhos amigos que tanto se preocuparam com sua saúde no passado. Derrotado e temendo que suas boas qualidades (como a escrita) estivessem associadas ao estímulo químico, Anders passeia por Oslo em uma pequena jornada de melancolia e reflexões.

Franco com relação às suas inseguranças e arrependimentos, o protagonista não teme vocalizar seus sentimentos mesmo que estes revelem certa arrogância (como suas ambições grandiosas) e muito de autopiedade. Além disso, suas confissões acabam despertando outras reminiscências por parte de seus interlocutores, que também expõem as próprias dúvidas e experiências, resultando em conversas reveladoras, tocantes e intrigantes – e o fato de Trier manter sua câmera sempre bastante próxima dos personagens enquanto estes percorrem, através de elipses, vários locais ao longo de horas, cria uma intimidade ainda maior entre o público e aqueles indivíduos, o que é admirável.

Ainda que obviamente inteligente, Anders é vivido por Lie como um rapaz emocionalmente imaturo e despreparado para assumir as responsabilidades de adulto mesmo aos 34 anos de idade. Durante sua entrevista, por exemplo, ele inicialmente impressiona seu possível chefe com sua eloquência apenas para entrar em modo de autodestruição assim que seu passado vem à tona, tornando-se agressivo e tolo – e a impressão que temos é a de que o sujeito está buscando, de algum modo, razões que justifiquem uma desistência definitiva. Por outro lado, há vários outros momentos nos quais a dor de Anders surge em decorrência da falta de tato de outras pessoas, como no instante em que um antigo amigo pede que conte um determinado caso envolvendo sua bebedeira sem perceber que o que julga “engraçado” é, para o rapaz, uma lembrança dolorosa de uma experiência que ilustra sua falta de autocontrole.

Criando uma lógica visual admirável, Joachim Trier já demonstra sua inteligência na sequência que retrata a chegada de Anders em Oslo, quando, numa câmera subjetiva, saímos de um túnel escuro para encontrar a cidade repleta de prédios em construção, simbolizando o próprio esforço do protagonista para abandonar o passado deprimente e reiniciar sua vida. Da mesma maneira, ao longo da projeção o cineasta frequentemente traz o rapaz desfocado enquanto vemos o cotidiano da cidade nitidamente apenas para, através de um rack focus, trazer Anders para perto do público enquanto o mundo ao seu redor se torna embaçado – e, mais uma vez, este simples recurso diz muito ao salientar o isolamento do personagem e sua incapacidade de fazer parte daquele universo.

Competente também ao retratar a queda de Anders através da câmera na mão que transforma seu mundo num terremoto constante e do som caótico da rave que o abraça, Oslo, 31 de Agosto acaba caindo um pouco em sua segunda metade ao tornar-se mais um entre tantos filmes que já acompanharam personagens se entregando às drogas – mas isto é amplamente equilibrado por sequências magníficas como aquela na qual o protagonista discute, num longo e belo voice over, as principais características de seus pais.

O que nos traz ao momento mais memorável do longa: aquele no qual vemos Anders sentado em uma lanchonete enquanto escuta passagens das conversas mantidas pelas pessoas ao seu redor. Servindo ao mesmo tempo para discutir como somos todos solitários de certa maneira e para ilustrar a beleza contida nas mais prosaicas ações, esta sequência ressalta a capacidade do protagonista de reconhecer a magia no cotidiano e sua dor ao não ser capaz de enxergá-la em si mesmo, permitindo que aprendamos muito sobre o personagem sem que ele diga uma só palavra – e remetendo, de certa maneira, ao igualmente fascinante En la ciudad de Sylvia, dirigido por José Luis Guerin em 2007.

Com um hipnótico e trágico longo plano final, Oslo, 31 de Agosto comprova a promessa representada pela estreia de Joachim Trier, Reprise, em 2006. Espero apenas que ele não demore mais cinco anos para realizar seu próximo projeto.

26 de Outubro de 2011

Observação: texto publicado originalmente como parte da cobertura da Mostra de SP 2011.

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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