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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
08/05/2014 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Paris Filmes

A Grande Vitória
A Grande Vitória

Dirigido por Stefano Capuzzi Lapietra. Roteiro de Lapietra, Paulo Marcelo e Wagner Hilário. Com: Caio Castro, Felipe Falanga, Moacyr Franco, Suzana Pires, Tuna Dwek, Tato Gabus Mendes, Sabrina Sato, Felipe Folgosi, Rosi Campos, Ratinho, Max Trombini.

A Grande Vitória é um longa que não se faz favores: repleto de virtudes, este trabalho de Stefano Capuzzi Lapietra conquista o espectador em um momento apenas para, logo em seguida, dar tropeços tão colossais que se torna inevitável perguntar como um diretor pode se mostrar tão competente e tão míope ao mesmo tempo. De modo geral, o projeto acaba funcionando muito bem, mas sem deixar de soar como uma oportunidade desperdiçada, já que poderia ter alcançando resultados consideravelmente melhores.

Escrito pelo próprio diretor ao lado de Paulo Marcelo e Wagner Hilário, A Grande Vitória tem início de maneira trôpega ao trazer Max (Castro) recebendo a notícia de que sua namorada (Sato) encontra-se grávida. A partir daí, voltamos dez anos no tempo para descobrirmos como... o quê? Como ela engravidou? Como se conheceram? É obviamente um ponto de partida fraco no aspecto estrutural, embora tematicamente acabe encontrando alguma justificativa ao permitir que o espectador compreenda por que a gravidez é recebida com tamanho peso pelo protagonista. Durante o extenso flashback, encontramos Max (Falanga) ainda criança e, filho de mãe solteira (Pires), extravasando sua raiva em repetidas brigas na escola. Apaixonado pelo avô (Franco), ele finalmente é aconselhado por um professor (o Trombini real, eficiente em um pequeno papel) a frequentar aulas de judô – e é lá que forma uma relação com o sensei Josino (Gabus Mendes) e passa a alimentar o sonho de ir às Olimpíadas.

Beneficiado por um elenco incrivelmente regular que lhe confere autenticidade e peso dramático ainda que preso a diálogos constantemente repetitivos e artificiais, o filme demonstra mais uma vez o talento de Moacyr Franco (tão fabuloso em O Palhaço e tão pouco aproveitado pelo nosso Cinema) ao trazê-lo em um papel no qual pode oscilar entre o drama e a comédia com facilidade, criando um avô obviamente dedicado ao neto e enriquecendo sua composição através de uma fragilidade física patente e de pequenos gestos que indicam muito sobre o personagem (ao dizer o nome do pai de Max, por exemplo, ele faz um gesto sutil como se dispensasse mentalmente o sujeito). E se Caio Castro, embora tendendo eventualmente ao exagero, carrega bem a narrativa, é Tato Gabus Mendes quem rouba o longa como Josino, criando uma figura benevolente e paciente que, ao ouvir ofensas por parte do aluno imaturo, não deixa de se manter sereno e amoroso. Acrescentando um ar cansado ao experiente mestre, o ator consegue a proeza de convencer mesmo ao recitar as falas de autoajuda impostas pelo roteiro – e eu assistiria facilmente a um filme que se concentrasse apenas em sua história.

Da mesma maneira, o elenco secundário, que inclui Suzana Pires, Tuna Dwek e Felipe Folgosi, ampara muito bem o protagonista em sua jornada: Pires, ao construir uma trajetória que vai da mágoa à aceitação de si mesma e do filho; Dwek, ao carregar a expressão sofrida da avó; e Folgosi, com um personagem que acaba reorientando o herói ao apresentar uma visão madura de seu futuro no esporte. Aliás, mesmo Ratinho e Sabrina Sato não comprometem, já que surgem em tela por pouco tempo e mal abrem a boca (ainda que, nestes instantes, a voz despreparada de Sato seja difícil de suportar). Porém, mesmo que estes dois últimos não comprometam, é difícil compreender a decisão artística por trás destas escalações – e mesmo a financeira é inexplicável, já que é mais provável que eles afastem pessoas dos cinemas do que venham a funcionar como chamarizes.

Competente também do ponto de vista técnico, a narrativa impressiona pelo dinamismo da montagem, que inclui alguns cortes especialmente inspirados – como aquele que salta de um cemitério a um campo de futebol e como a fusão que marca a transição do teto de um ginásio para um chuveiro. E já que mencionei as transições, vale apontar que o bom design de som também executa sua parcela de bons efeitos, como aquele que sobrepõe o som de uma máquina de costura aos treinos no dojo. Enquanto isso, a direção de arte e os figurinos estabelecem bem o universo da época e a realidade humilde do personagem através de detalhes como o tatame desgastado do dojo, a televisão que traz palha de aço nas antenas e o quimono de Max, que parece mais um roupão improvisado.

Já o cineasta estreante Stefano Capuzzi Lapietra impressiona pela energia que confere às sequências de treinamento e lutas, quando, auxiliado pelo diretor de fotografia Toni Gorbi (também estreando em longas), mergulha sua câmera entre os corpos dos atletas a fim de ressaltar a intensidade dos combates e emprega movimentos interessantes como ao girar a lente para acompanhar a queda de um judoca ou ao usar uma câmera lenta pontual para marcar a intensidade dos golpes. Por outro lado, Lapietra também é capaz de criar momentos evocativos mais sutis, como ao trazer o reflexo de um parque de diversões na janela do carro no qual Max dorme e sugerindo, assim, não só a obsessão inconsciente do rapaz com relação ao pai, mas também plantando a informação do retorno deste à cidade.

E é justamente por admirar tanto a qualidade técnica da narrativa de A Grande Vitória que me vi tão frustrado diante de seus problemas – e, entre estes, o maior e mais grave é, sem dúvida alguma, a pavorosa trilha de João Carlos Martins, um maestro experiente que comprova que ser um bom músico não é o bastante para ser um bom compositor de trilhas. Insistindo em comentar cada segundo de projeção, Martins inclui trilha em praticamente todas as cenas, frequentemente mudando o tom de seus temas quase de uma fala para outra à medida que as emoções dos personagens vão se alterando. Para piorar, seus temas não são apenas óbvios, mas pobres, estragando as imagens que comenta – e a já citada fusão do teto para o chuveiro é praticamente arruinada pela música que a acompanha. Com isso, momentos dramáticos envolvendo o avô soam risíveis pelo exagero da trilha e a sequência romântica entre Castro e Sato parecem sair de um vídeo amador de casamento.

Claro que é preciso responsabilizar também o diretor, que não só aprovou a trilha como a empregou de maneira tão atroz, como se não confiasse no poder de sua própria narrativa – e a cena na qual Max aborda o pai e imediatamente a rua é tomada por uma tempestade enquanto o tema de Martin ensurdece o espectador é um exemplo de overdose não só da música, mas dos movimentos de câmera grandiosos (a câmera sobe rapidamente), dos elementos cênicos (a chuva) e da fotografia (a noite opressora). Na realidade, é difícil conciliar o amadorismo deste momento e a competência demonstrada pelo cineasta no resto do tempo.

Pecando também pelo uso excessivo de fades para indicar passagens de tempo e pelos flashbacks dispensáveis que explicam para o público qual a lógica de Max ao tomar sua decisão final (algo que já era mais do que evidente), A Grande Vitória ainda consegue escorregar nos créditos finais ao incluir fotos de bastidores que trazem a equipe descontraída no set, como se a camaradagem durante a produção fosse algo fundamental para que apreciássemos o que havíamos visito – e que, ao contrário, acaba apenas passando mais uma vez um tom de amadorismo.

Por sorte, a história que o filme conta - e que discute a função salvadora que o esporte (bem como a Arte) desempenha em tantas vidas – é suficientemente interessante e retratada com eficiência na maior parte da projeção, ganhando pontos importantes também em função das belas atuações. Talvez estes pontos não sejam o bastante para que o longa ganhe uma medalha de ouro, mas certamente conseguem colocá-lo no pódio.

07 de Maio de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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