Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
20/12/2013 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Mares Filmes |
Dirigido por Paolo Sorrentino. Com: Toni Servillo, Carlo Verdone, Sabrina Ferilli, Carlo Buccirosso, Iaia Forte, Pamela Villoresi, Galatea Ranzi, Giusi Merli, Isabella Ferrari, Giovanna Vignola e Fanny Ardant.
Responsável pelo curioso Il Divo e pelo fracassado Aqui é o Meu Lugar, o diretor italiano Paolo Sorrentino alcança um resultado infinitamente superior neste seu novo A Grande Beleza, que, escolhido como representante de seu país no Oscar 2014, soa quase como uma exploração felliniana da Itália dos tempos de Berlusconi, combinando os tipos (e alguns traços de estilo) de Fellini com passagens contemplativas cujas narrações em off parecem tentar emular a sensibilidade de Terrence Malick – uma mistura que se revela mais apropriada do que poderíamos imaginar a princípio.
Co-escrito por Sorrentino e Umberto Contarello, o filme tem início com recortes que intercalam a celebração do aniversário do escritor Jep Gambardella (Servillo) e a visita de alguns turistas japoneses a Roma. Enquanto um dos visitantes morre ao contemplar a cidade maravilhado, somos apresentados ao círculo de amigos de Jep, que inclui Romano (Verdano), um homem desesperadamente apaixonado por uma ex-atriz que não se cansa de humilhá-lo; Viola (Villoresi), cujo filho mais velho deixou a fascinação por Proust afetá-lo mais do que deveria; Stefania (Ranzi), que não perde a oportunidade de julgar os amigos como seres intelectual e politicamente deficientes; e Dadina (Vignola), editora de uma publicação que, anã, se orgulha de manter algo da infância por enxergar o mundo a partir do ponto de vista das crianças. A partir destas figuras, o longa constrói uma narrativa que se preocupa mais com a exploração de certos temas do que em desenvolver uma história, ainda que, na maior parte do tempo, Jep sirva como centro da trama.
Fotografado por Luca Bigazzi com um interesse claro de remeter a opções estilísticas de Fellini – o que pode ser observado nos frequentes primeiríssimos planos e nas grandes angulares que deformam levemente estes quadros -, A Grande Beleza substitui os tipos circenses daquele cineasta pelos representantes claros de certos tipos clássicos da alta burguesia, remetendo, neste aspecto, até mesmo ao conceito de tipagem do cinema soviético da década de 20. Basicamente interessados em si mesmos, estes indivíduos refletem uma sociedade que – remetendo a uma fala presente no iraniano Manuscritos Não Queimam – optou por descartar Che Guevara como símbolo e substituí-lo por Steve Jobs. Assim, não é surpresa quando uma socialite que descreve sua profissão com um “sou rica” (“É uma ótima linha de trabalho”, responde Jep) logo explica que gosta de tirar várias fotos de si mesma para tentar “se conhecer melhor” e que, como não poderia deixar de ser, estes retratos atraem “vários elogios no Facebook”.
Da mesma maneira, se antes a curiosidade intelectual parecia ser o que distinguia jornalistas, escritores e poetas, agora – como aponta o filme, acertadamente – interessa mais a aparência de cultura e inteligência, o que resulta na disseminação de uma postura blasé que, disfarce de insegurança, se caracteriza por tentar diminuir aqueles que realmente se esforçam para crescer intelectual, cultural e politicamente. Não é à toa que uma das personagens de Sorrentino adora dizer que não tem televisão em casa e que só gosta de “jazz asiático”, atribuindo a si mesma um conhecimento especializado que a protege do escrutínio alheio e satisfaz sua vontade de achar-se especial.
Capaz de observar com cinismo estes traços de seus amigos, Jep orgulha-se de ser um estranho na alta sociedade, tendo comprado sua entrada graças ao sucesso de seu único e celebrado livro, escrito há 40 anos, e ainda assim ser considerado também seu centro, tornando-se capaz de “fazer uma festa fracassar” caso assim deseje. Mas o sujeito também se entrega à construção de um personagem, já que parece encarar com dedicação seu papel de intelectual celebrado com tendências misantropas, chegando a descrever detalhadamente o comportamento ideal em um velório, quando deve-se tomar cuidado para não exagerar no choro (o que seria imoral, já que a dor cabe aos parentes do falecido), mas encontrando uma maneira de ser visto por todos em uma atitude de sofrimento moderado.
O conceito de Arte, diga-se de passagem, é central em A Grande Beleza: se Jep (numa atuação sensível e divertidíssima do sempre excepcional Toni Servillo) encara sua postura na sociedade como uma performance, a ideia de expressão artística como forma de extrair beleza a partir do caos interior torna-se recorrente através do esforço criativo de vários personagens. Há, por exemplo, a artista performática que, claramente inspirada em Marina Abramovic, usa o próprio corpo como ferramenta de expressão; a garotinha que atira febrilmente várias cores numa tela imensa, cobrindo-se completamente de tinta; o aspirante a dramaturgo que busca escrever sua primeira peça para impressionar a amada; o homem que transforma suas fotos diárias numa exposição sobre seu próprio envelhecimento; e, claro, a mulher de 42 anos de idade que se recusa a parar de fazer strip-tease por sentir-se satisfeita apenas quando no palco. Em maior ou menor grau, todos estes indivíduos parecem obcecados em expressar suas inquietações através da Arte, mesmo que neste processo catártico se submetam ao ridículo aparente.
O que, claro, nos traz de volta ao personagem de Servillo, que se encontra paralisado como artista desde que publicou sua primeira obra e que, agora, confessa para si mesmo não conseguir mais escrever por não ser capaz de encontrar a beleza que buscava – e o que Jep parece momentaneamente (ou “momentaneamente”) incapaz de perceber é que esta surge em seu cotidiano através de um pôr-do-sol, de uma paixão (mesmo que fugaz) ou do simples prazer de se caminhar em sua Roma, mágica a ponto de oferecer um encontro fortuito com Fanny Ardant durante o amanhecer.
Ou, eu me atreveria a acrescentar, da simples observação de estranhos se abraçando na rua, de uma pessoa amada comendo sushi atabalhoadamente ou da alegria de ouvir uma canção que nos remete a reflexões nostálgicas. Nestes casos, a sensação de completude pode ser intensa a ponto do insuportável.
Como comprova o turista que, no início deste sensível filme, aparentemente morre intoxicado pela beleza que o cerca.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival do Rio 2013.
03 de Outubro de 2013