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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/08/2014 01/01/1970 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Paris Filmes
Duração do filme
123 minuto(s)

Amantes Eternos
Only Lovers Left Alive

Dirigido por Jim Jarmusch. Roteiro de Jim Jarmusch. Com: Tom Hiddleston, Tilda Swinton, Mia Wasikowska, John Hurt, Anton Yelchin, Jeffrey Wright, Slimane Dazi.

Os vampiros criados por Jim Jarmusch neste seu novo Only Lovers Left Alive são clássicos: só saem à noite, esperam um convite antes de entrarem na casa de alguém e podem ser mortos caso tenham o coração atravessado por madeira. Porém, ao contrário de boa parte de seus colegas vistos em outras obras de ficção, as criaturas aqui nada têm de animalescas ou violentas, se apresentando, em vez disso, como seres gentis e civilizados que, com uma postura secular, apreciam a Arte e a Ciência. Este, aliás, é o ponto-chave do longa de Jarmusch: o que esperar de seres que viveram por séculos e séculos a não ser algum grau de evolução?

Apaixonados ainda que vivendo em pontos distantes do planeta, Adam (Hiddleston) e Eve (Swinton) levam existências cercadas por música, livros e toda manifestação de expressão cultural. Amiga de Christopher Marlowe (Hurt), o poeta elisabetano que alguns insistem em apontar como o autor verdadeiro das obras de Shakespeare (tese que o filme advoga), Eve se preocupa com o amado, que, solitário, introspectivo e depressivo, compõe músicas apenas para consumo próprio, permitindo apenas vez por outra que algum mortal assuma os créditos por suas composições (Schubert entre eles). Viajando para Detroit a fim de ajudá-lo a superar sua mais recente crise existencial, ela teme que sua problemática irmã Ava (Wasikowska) se junte a eles – o que logo acontece, resultando em contratempos graves para o casal.

Interpretado por Tom Hiddleston como um sujeito farto de se decepcionar com o mundo ao seu redor, Adam demonstra seu amor pelo passado através de suas posses – e o ótimo design de produção imagina seu lar como um amontoado de vinis, móveis, telefones e televisões antigos. Admirador dos grandes cientistas de nossa História, Adam se mostra irritado com os destinos frustrantes de Aristóteles, Copérnico, Galileu e Tesla, demonstrando pouquíssima esperança em nossa capacidade de abraçar e explorar os avanços oferecidos pelo Conhecimento: “Eles ainda reclamam de Darwin. Ainda!”, protesta o sujeito, em determinado instante. Não é à toa que em sua casa há o que parece um pequeno altar dedicado a nomes que vão de Buster Keaton a Einstein, passando por Mark Twain e Edgar Allan Poe, como se ele tentasse se lembrar sempre de que, ao longo dos milênios, nomes inspiradores cruzaram o planeta.

Este esforço, porém, é dificultado pela presença de Ava, que a cada vez mais competente Mia Wasikowska encarna com impulsividade e arrogância. Tratada por Jim Jarmusch como um símbolo claro da decadência cultural das últimas décadas (aquela dedicada à dublagem, aos textos curtíssimos da Internet, à cultura da celebridade e ao eu-eu-eu das redes sociais), Ava é uma jovem que demonstra desprezo pelo conhecimento e pela sofisticação intelectual de seus parentes, não demorando a acusá-los de “esnobismo” – e eu não ficaria espantado caso ela também houvesse empregado a ofensa favorita dos medíocres: “pseudo-intelectuais”.

Batizando os mortais de “zumbis” e exibindo um claro desapontamento com os rumos que estes tomam, Adam e Eve se apresentam como dois lados da mesma moeda, o que se reflete em seus visuais: enquanto ele se veste sempre de preto (combinando com seus cabelos), ela adota roupas claras (de novo: seguindo os cabelos) – e o fato de cada um carregar um pingente que remete ao amado (ele traz um branco; ela, um preto), associado ao momento em que os vemos dobrados um sobre o outro, sugere uma imagem próxima do Taijitu, símbolo que representa o conceito taoísta do yin-yang.

Interessante também ao trazer os personagens usando nomes de personagens célebres da ficção sempre que são obrigados a assumir uma identidade falsa (Stephen Dedalus, Daisy Buchanan, Dr. Fausto), Only Lovers Left Alive ressalta sua visão secular ao empregar Adão e Eva justamente como os nomes que, oficialmente adotados pelo casal principal, são obviamente identidades que assumiram com o tempo.

Romântico em seu conceito de que apenas o compartilhamento de Arte e conhecimento poderiam ajudar seus vampiros a sobreviver através dos séculos, Only Lovers Left Alive é, ao mesmo tempo, um belo “filme de vampiro” e uma declaração de amor profunda – e desesperançosa – à imaginação e ao espírito criativo humanos.

Uma desesperança que os comentaristas de portais de notícias, manifestação recorrente da crescente estupidez de uma sociedade idiotizada pelo fundamentalismo religioso e pelo conservadorismo, só fazem ressaltar.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival do Rio 2013.

06 de Outubro de 2013

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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