Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
15/11/2013 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Imagem Filmes | |||
Duração do filme | |||
98 minuto(s) |
Dirigido por Woody Allen. Com: Cate Blanchett, Sally Hawkins, Andrew Dice Clark, Louis C.K., Alec Baldwin, Bobby Cannavale, Max Casella, Michael Stuhlbarg, Peter Sarsgaard.
Depois de visitar Londres, Paris e Roma em seus três últimos filmes, Woody Allen retorna a Nova York (e a San Francisco depois de 40 anos – desde Sonhos de um Sedutor) em um drama eficaz que, assumindo a forma de estudo de personagem, inspira-se claramente em Uma Rua Chamada Pecado para criar aquela que provavelmente é a protagonista mais antipática da carreira do diretor. O que, acreditem, é uma das principais virtudes do projeto.
Iniciando com um plano pavoroso que traz um avião claramente digital cruzando a tela, Blue Jasmine nos apresenta à personagem-título (Blanchett), que, voando na primeira classe, insiste em contar sua história para a passageira do lado, uma velhinha que provavelmente iria preferir estar próxima ao Ted Striker de Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu!. Acostumada à vida de luxo oferecida por seu marido Hal (Baldwin), Jasmine agora encontra-se na miséria desde que o sujeito foi preso por fraude, o que a obriga a se mudar para a Califórnia a fim de morar com a irmã, Ginger (Hawkins). Ambas adotadas, as mulheres não poderiam ser mais diferentes física e emocionalmente: enquanto Jasmine tenta superar um colapso nervoso, está acostumada a ser servida por todos e mal pode aceitar sua nova realidade, Ginger é uma criatura alegre, simples e com um leve complexo de inferioridade. Alternando a narrativa entre o presente, que traz a protagonista buscando se adaptar ao cotidiano de trabalhadora, e o passado, que revela as circunstâncias que a levaram até ali, Blue Jasmine é um filme capaz de provocar risadas pontuais, mas que jamais poderia ser confundido com uma comédia, apresentando-se verdadeiramente sufocante em vários momentos.
Insistindo nos flashbacks mesmo quando já somos capazes de compreender tudo o que ocorreu (ou quase; a estrutura tenta se justificar através de uma revelação de última hora), Woody Allen e o diretor de fotografia Javier Aguirresarobe (que colaborou com o cineasta em Vicky Christina Barcelona) buscam contrastar os dois momentos através das cores quentes que envolvem o universo de Jasmine em Nova York e a paleta fria e levemente dessaturada que a acompanha em San Francisco, expondo, assim, o fato de estarmos vendo o mundo através dos olhos daquela mulher – que, longe de aceitar a responsabilidade pelos atos do marido (para os quais se fez de cega), prefere enxergar-se como sua grande vítima.
Aliás, uma das principais tragédias de Jasmine é sua incapacidade de enxergar o óbvio: quando casada, negava-se a ver as traições do marido e seus crimes; agora pobre, insiste em ver apenas miséria no cotidiano humilde, mas alegre, da irmã. Vivendo uma variação de sua personagem em Simplesmente Feliz, Sally Hawkins é hábil, diga-se de passagem, ao ilustrar o otimismo de uma mulher que tem razões de sobra para ser amarga, incluindo a perda da pequena fortuna que ganhou na loteria depois de acreditar no fraudulento cunhado. Parecendo não se ofender com as agressões da irmã, Ginger procura apoiá-la e tenta até mesmo fazer jus à imagem que, supõe, a deixaria orgulhosa – um erro que acaba demonstrando que a infelicidade de Jasmine (representada no título original) pode ser contagiosa. Enquanto isso, Louis C.K. e Andrew Dice Clark, dois comediantes de estilos completamente diferentes um do outro, oferecem performances pequenas, mas significativas, ao passo que o talentoso Bobby Cannavale flerta descaradamente com o Stanley Kowalski de Marlon Brando em vários momentos da projeção – especialmente em um confronto no qual atira um telefone na parede e que remete à explosão de Brando durante um jantar em Uma Rua Chamada Pecado. Fechando o elenco secundário, Alec Baldwin interpreta bem o tipo sedutor e frio que se encaixa tão bem à figura de um estelionatário da alta sociedade.
Porém, por mais sólidas que sejam as performances dos colegas de Cate Blanchett, é mesmo a protagonista quem merece os maiores elogios em Blue Jasmine: encarnando a personagem como uma figura egoísta e fútil, Blanchett abraça os defeitos daquela mulher com entrega total, jamais temendo o julgamento do espectador e criando um retrato fascinante em sua humana repugnância. E se adiciono um “humana” antes de uma palavra tão pesada quanto “repugnância”, é porque a atriz é hábil justamente ao despertar nossa pena mesmo ao tomar algumas das atitudes mais reprováveis da narrativa, já que por baixo daquela fachada de esnobismo e arrogância há uma mulher claramente danificada que precisa desesperadamente de socorro – e quando ela chora, aliviada, ao receber a ligação de um pretendente, percebemos o quão vulnerável e carente de aprovação ela realmente é.
Desesperançado e triste até seu sufocante plano final, Blue Jasmine é um filme sem muitas nuances, mas eficaz ao não fazer concessões no retrato de uma criatura cuja beleza e elegância externas ocultam uma mulher irremediavelmente estragada por dentro.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival do Rio 2013.
11 de Outubro de 2013