Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
20/04/2012 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Sony | |||
Duração do filme | |||
100 minuto(s) |
Dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca. Com: Gustavo Machado, Camila Pitanga, Zé Carlos Machado, Gero Camilo, Adriano Barroso, Antônio Pitanga.
Com seis longas metragens no currículo, Beto Brant é um dos diretores brasileiros mais interessantes em atividade: corajoso ao abordar temas complexos de maneira ambiciosa, o cineasta exibe uma curiosidade constante em sua experimentação com a linguagem, tornando impossível, para qualquer um, tentar listar elementos estéticos comuns em sua obra, já que ele parece se reinventar de filme para filme. Por outro lado, desde o magnífico Crime Delicado (o mais belo e fascinante ataque à minha profissão que já testemunhei) Brant vem demonstrando uma preocupação temática curiosa e interessante sobre a relação entre o artista/criador, sua musa e a obra resultante, discutindo como a racionalidade, ainda que parte inevitável do processo, pode controlar ou comprometer a Arte quando em seu extremo.
Mantendo sempre a parceria com o escritor Marçal Aquino e com o produtor-roteirista-co-diretor Renato Ciasca, Brant desta vez se concentra na adaptação do romance homônimo de Aquino ao acompanhar o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado), que chega a uma pequena comunidade e logo se envolve com Lavínia (Pitanga), a bela esposa do pastor/ativista local, Ernani (Zé Carlos Machado). Amigo de um colunista de fofocas local (Camilo, afetado na medida certa), Cauby torna-se cada vez mais obcecado pela mulher cujo passado obscuro eventualmente descobrimos à medida que a história avança.
Estabelecendo sua temática já no plano inicial, que observa uma belíssima morena nua e em pose sedutora encarando a câmera longamente, Brant e o co-diretor Ciasca usam a abertura e a semelhança daquela atriz com Camila Pitanga para sugerir o próprio conceito de “musa” que se tornará tão importante para o protagonista posteriormente, quando cobre as paredes de sua casa com imagens de Lavínia, usando um close de seus lábios carnudos em uma colagem que, trazendo-os associados aos olhos de outra mulher, remete também à busca por esta mulher/inspiração ideal.
Cauby, aliás, é vivido por Gustavo Machado com intensidade e paixão admiráveis – e o naturalismo do ator e seu cuidado com relação aos detalhes podem ser observados, por exemplo, no hábito de enrolar a alça da câmera no braço ao preparar-se para fotografar e em seu olhar sempre curioso que demonstra seu interesse em encontrar novos modelos/objetos para registrar (“Pena que eu tô sem minha máquina!”, ele lamenta ao encontrar um homem com rosto fascinante na escuridão de uma rua). Enquanto isso, Zé Carlos Machado, sempre talentoso, evoca a generosidade de Ernani ao exibir um outro tipo de intensidade: em vez da paixão sensual, o sujeito enxerga na salvação (de almas ou terras) sua grande vocação – e é o contraste entre estes dois homens que ajuda a criar o conflito principal de Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, valendo reparar, por exemplo, a diferença no comportamento de ambos nos dois momentos que trazem Lavínia descontrolada, já que a calma de Ernani contrapõe-se ao tapa desferido por Cauby.
Mas é mesmo Camila Pitanga quem se estabelece como o grande destaque do filme: oscilando entre a agressividade entorpecida de uma viciada e a devoção agradecida de jovem esposa, a atriz ainda exibe uma tristeza sempre presente no olhar de Lavínia, cuja relação com os homens é moldada pelo fato de ter sido por eles resgatada, mas também por eles destruída. Exibindo com absoluta entrega seu belo corpo – uma nudez necessária para a narrativa, jamais gratuita -, Pitanga impressiona desde sua expressão exausta, mas aliviada ao purificar-se num banho merecido até suas convulsões ao receber uma prece de Ernani, compondo um retrato de quase exorcismo que choca e revela o grau de sua carência por algum tipo de ato de generosidade e atenção.
Hábil ao retratar a “cura” gradual da personagem ao suavizar levemente sua maquiagem à medida que se torna mais próxima do pastor, o filme ainda cria uma comunidade com personalidade própria ao enfocar a rotina calma daquelas pessoas e a preocupação constante com novas leis que poderão trazer consequências devastadoras para a natureza local – e as imagens aéreas que revelam madeireiras como verdadeiros tumores no meio da floresta fazem um ótimo contraponto aos planos supersaturados que exibem os moradores nadando no rio ou atravessando-o em seus pequenos barcos.
Mantendo os atos de violência e as mortes sempre fora do campo a fim de não desviar o foco da narrativa ou conferir uma importância sensacionalista excessiva a este tipo de incidente (embora fique claro que aquele romance destrói fisicamente os amantes de uma forma ou de outra), o longa peca apenas pelos excessivos fades que, marcando as constantes elipses, soam como uma solução preguiçosa em um filme normalmente tão ambicioso – mas este é um pecadilho diante das virtudes da narrativa construída por Brant e seus ótimos colaboradores.
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra de São Paulo de 2011.
25 de Outubro de 2011