Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
10/02/2012 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Paris Filmes | |||
Duração do filme | |||
100 minuto(s) |
Dirigido por Michel Hazanavicius. Com: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller, Missi Pyle, Malcolm McDowell, Beth Grant, Ed Lauter.
John Gilbert foi um dos maiores astros de Hollywood no período mudo do Cinema: capaz de atrair multidões para seus filmes e dono de um contrato milionário com a MGM, ele acabou falhando miseravelmente com a chegada do som – e mesmo os esforços de sua companheira Greta Garbo, que obrigou o estúdio a escalá-lo como seu par em Rainha Christina, não conseguiram reavivar sua carreira. Três anos depois, ele estaria morto. Como inspiração ou mera referência histórica, sua história acabou sendo refletida não só nas três versões de Nasce uma Estrela (estrela em ascensão tenta salvar veterano pelo qual é apaixonada), mas também em Cantando na Chuva – que chega a citar o patético “I love you, I love you, I love you” de His Glorious Night, que o ator protagonizou em 1929.
Bebendo da mesma fonte biográfica que os longas citados anteriormente, O Artista, produção francesa favoritíssima ao Oscar 2012, surge também como um exercício de nostalgia e uma declaração de amor ao próprio Cinema ao contar a história do astro George Valentin (Dujardin), que entra em rápida decadência por não se adaptar à implementação do som pelos estúdios. Uma espécie de cruzamento entre Douglas Fairbanks e Rudolph Valentino, ele protagoniza uma série de longas de aventura que trazem títulos genéricos como A Russian Affair e A German Affair, tendo sempre ao seu lado um adorável cachorrinho – e sua queda de popularidade é contraposta à ascensão da jovem e bela Peppy Miller (Bejo), que nutre pelo ator uma intensa paixão.
Concebido como uma autêntica produção muda ao trocar os diálogos falados por alguns poucos que surgem em intertítulos, O Artista já surge como uma viagem saudosista ao trazer seu título em fonte grandiosa e entre aspas seguido por cartões de créditos cujo design remete diretamente àqueles das primeiras décadas de Hollywood. Fotografado no formato standard da Academia (1.33:1), o longa ainda brinca com o frame rate reduzido da época do Cinema mudo, o que confere aos movimentos em tela uma aparência levemente acelerada – embora, talvez para evitar o estranhamento do público, o diretor Michel Hazanavicius não empregue os 16 quadros por segundo típicos do período, embora estes possam ser observados nos “filmes-dentro-do-filme”. Da mesma maneira, o cineasta desenvolve a narrativa usando planos mais extensos e evitando movimentos excessivos de câmera, ao passo que o design de produção não hesita em empregar matte paintings clássicos como uma cidade luminosa que surge pintada ao fundo da cena, em certo instante.
No entanto, se O Artista poderia soar como mero exercício técnico e de estilo, isto não ocorre graças ao bom roteiro, que mesmo sem apresentar nada de original consegue criar uma história protagonizada por personagens cujos dilemas e relacionamentos cativam o espectador – e a maior parte do mérito, neste caso, reside na performance absolutamente carismática de Jean Dujardin, que já havia trabalhado com Hazanavicius em Agente 117 – Uma Aventura no Cairo e sua continuação (que também brincavam com o próprio Cinema ao satirizar o gênero espionagem). Remetendo não só a Fairbanks e Valentino, mas também a Gene Kelly, Dujardin demonstra imensa expressividade corporal e constrói George Valentin como um astro que ama o sucesso, mas também seu público, mantendo o sorriso sempre aberto e mostrando-se sempre disposto a entreter aqueles ao seu redor. Divertindo-se ao ilustrar o estilo canastrão de Valentin em sua “concentração” antes da filmagem, Dujardin também é hábil ao ilustrar a queda de seu personagem, sendo dolorosa sua insegurança diante da chegada de som (ele teme o sotaque francês, talvez?) – e percebam como ele acusa o golpe ao ouvir um jovem dizendo que é ídolo de “seu pai”, o que apenas cimenta sua condição de astro ultrapassado.
Enquanto isso, Bérénice Bejo (esposa do diretor) compõe Peppy Miller como uma garota alegre cuja paixão por George jamais deixa de soar autêntica – e a comparação de suas ações protetoras com aquelas de Garbo são salientadas até mesmo pelo momento em que diz o clássico “I want to be alone” eternizado por aquela estrela em Grande Hotel (no qual Garbo, diga-se de passagem, tentou emplacar Gilbert, mas sem sucesso). Fechando o elenco, John Goodman e James Cromwell exibem rostos que funcionariam indiscutivelmente no Cinema mudo: o primeiro, com suas grandes bochechas e ampla papada, e o segundo, com seu tipo longilíneo e face encovada. Como se não bastasse, o filme ainda conta com um coadjuvante que praticamente rouba todas as cenas nas quais aparece: o cãozinho Uggie, adorável e dono daquele que talvez seja o momento mais emocionante da narrativa, quando tenta desesperadamente atrair a atenção de seu dono, que se encontra num instante particularmente decisivo.
Hábil ao recriar o universo cinematográfico da década de 20, com suas amplas salas de exibição enriquecidas por balcões imponentes e telas colossais, O Artista também é beneficiado pela fotografia evocativa de Guillaume Schiffman, que em certos momentos chega a flertar com o expressionismo no uso de sombras duríssimas e quadros inclinados que refletem a angústia dos personagens, como na cena que traz o protagonista retirando lençóis que se encontram sobre diversos objetos. Já em outros momentos, Hazanavicius e sua equipe extraem peso dramático através da sutileza, como ao enfocar Valentin e Miller parados no meio de uma escadaria, em um belo plano geral, e alheios à movimentação incessante ao seu redor.
Acertando também nos breves instantes que envolvem a edição de efeitos sonoros ao empregá-los para ilustrar a ansiedade de Valentin, O Artista não se furta nem mesmo de usar com os intertítulos para criar tensão (“Bang!”), acertando também ao brincar com seus temas e personagens ao incluir pequenas referências aos seus papéis nos títulos dos filmes vistos nas marquises de alguns cinemas (“Lonely Star”, “The Guardian Angel”). Além disso, como não poderia deixar de ser numa produção como esta, a trilha sonora de Ludovic Bource apresenta-se como uma atração à parte, compondo a narrativa com eficiência sem, no entanto, tentar criar o clima de cada sequência sozinha através de um maniqueísmo óbvio – e, assim, é uma pena que o longa acabe pecando ao empregar sem qualquer justificativa um longo tema composto por Bernard Hermann para Um Corpo que Cai, já que a homenagem mostra-se completamente incompatível com a proposta do filme.
Ainda que não seja inédito em sua tentativa de empregar o Cinema mudo nos dias de hoje (Guy Maddin, por exemplo, transformou isso em sua marca registrada), O Artista é mais que uma brincadeira com o período: é também uma homenagem doce, ingênua e profundamente divertida à Sétima Arte e aos seus incorrigíveis amantes.
14 de Fevereiro de 2012