Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
24/08/2012 | 16/05/2012 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Paramount | |||
Duração do filme | |||
83 minuto(s) |
Dirigido por Larry Charles. Com: Sacha Baron Cohen, Ben Kingsley, Anna Faris, Jason Mantzoukas, Aasif Manji, Chris Parnell, Kevin Corrigan, Fred Armisen, Chris Elliott, Adam LeFevre, Garry Shandling, Edward Norton, John C. Reilly e Megan Fox.
O Ditador é um filme repleto de piadas machistas, anti-semitas, racistas e de gosto duvidoso – algumas envolvendo, inclusive, decapitação, defecação e o 11 de Setembro. O Ditador é, também, um filme constantemente divertido que entende algo fundamental sobre o humor politicamente incorreto: para que funcione, não deve se basear na agressão a um grupo de pessoas, mas na sugestão óbvia de que aquela é uma visão absurda de mundo e que a graça se encontra não na observação maldosa em si, mas na estupidez de quem a profere. Assim, embora possamos rir quando o personagem-título reduz os chineses a uma caricatura, sabemos que o estereótipo diz mais sobre o sujeito do que sobre aqueles que usa como piada.
Ou talvez eu esteja apenas tentando racionalizar o humor de Sacha Baron Cohen a fim de justificar o fato de que ri constantemente ao longo de O Ditador – mesmo quando me sentia culpado por fazê-lo. E se há algo que pode justificar em todo ou em parte uma piada ofensiva é o fato de esta funcionar como fonte de graça, o que basicamente separa a mediocridade proferida por Rafinha Bastos e Danilo Gentilis de gênios da comédia como Louis C.K., Bill Hicks e George Carlin. Se os primeiros acreditam que diminuir o outro já é o bastante para provocar o riso, os últimos entendem que pode haver comentário social relevante em um estereótipo.
Dedicado ao “querido Kim Jong-il” e escrito por Cohen ao lado de Alec Berg, David Mandel e Jeff Schaffer, o filme acompanha o general Aladeen, líder da pequena Wadiya: excêntrico e estúpido a ponto de substituir várias palavras cujo significado desconhece por “aladeen”, transformando-se numa espécie de Smurf e complicando a vida de médicos que precisam explicar para pacientes que seus testes HIV podem ter resultado “aladeen” ou “aladeen”, o sujeito é convocado a comparecer às Nações Unidas a fim de evitar a invasão de seu país – e, durante a viagem, é traído por seu tio Tamir (Kingsley) e substituído por um sósia. Perdido em Nova York, ele acaba conhecendo a ativista Zoey (Faris) enquanto se une ao expatriado Nadal (Mantzoukas) para tentar recuperar sua identidade.
Abandonando o improviso em situações “reais” que marcou o ótimo Borat e o medíocre Brüno, O Ditador agora investe num roteiro fechado, embora esquemático e por vezes embaraçoso – e basta ouvir exposições atrapalhadas como “Este crachá é a única coisa que permitirá seu acesso” para constatar isso. Prejudicado por problemas estruturais óbvios (reparem que, cronologicamente, a montagem que traz Aladeen corrigindo todos os problemas da mercearia de Zoey se passa em apenas um dia), o filme ainda assim consegue criar um personagem com um arco dramático coeso, que, prenunciado pela cena na qual se deita sozinho em sua imensa cama, acaba resultando em sua busca por alguma conexão amorosa real. Não é a melhor ou mais original das trajetórias, claro, mas é suficientemente eficiente para ancorar bem a narrativa. Além disso, ao assumir o cinismo de seu ditador (que mal consegue conter o riso ao dizer que seu projeto nuclear tem fins pacíficos), Cohen o transforma em um personagem essencialmente ingênuo e infantil, facilitando a identificação do espectador com alguém que se orgulha de ser um carniceiro.
Incluindo até mesmo piadas sobre o massacre dos atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique que só não são imediatamente condenadas graças ao fato de Cohen ser judeu, o longa não hesita em fazer graça a partir da imagem da feminista Zoey, que, com as axilas cabeludas e o orgulho de ter feito um “workshop feminista de palhaços”, é constantemente o alvo das tiradas do protagonista – algo que é equilibrado pela constatação de que a moça é, também, o centro moral do filme e o impulso motivador da redenção do anti-herói. Enquanto isso, o diretor Larry Charles, parceiro habitual de Sacha Baron Cohen, continua a demonstrar sua propensão a investir em piadas específicas por um tempo infinitamente maior do que o habitual, extraindo graça justamente da insistência em sugá-las ao máximo – e as cenas que trazem conversas sobre os Menudos e gags envolvendo a cabeça de um idoso são hilárias justamente por persistirem quando a maior parte dos diretores já as teria abandonado. Além disso, Charles merece créditos apenas por encenar um primeiro e romântico toque de mãos que surge diferente de tudo que o Cinema já mostrou em mais de um século de existência.
Mas O Ditador funciona mesmo graças a Cohen, que, ator talentoso, é hábil ao suavizar o monstro que interpreta ao transformá-lo em uma criança em busca de amor. Mantendo o dedo sempre em riste numa compensação fálica por suas deficiências anatômicas, Aladeen é adorável justamente por não compreender que sua visão de mundo é absurda e ofensiva – e parte da graça do filme reside justamente no fato de que sabemos que ele eventualmente entenderá isso (ao mesmo tempo, é bacana notarmos que ele não muda completamente). E se Anna Faris pouco pode explorar seu considerável talento como comediante, ao menos o filme nos presenteia com uma infinidade de pontas eficazes de intérpretes como John C. Reilly, Garry Shandling (que diverte sem dizer uma única palavra) e, em especial, Megan Fox, que demonstra um senso de humor sobre si mesma até então insuspeito.
Encerrando o longa com um discurso que soa óbvio, mas não por isso menos relevante ou certeiro, Sacha Baron Cohen faz um contraponto cínico ao monólogo humanista de Chaplin em O Grande Ditador, o que é uma pena. Não porque não seja apropriado, mas por evidenciar que, aparentemente, talvez não tenhamos evoluído tanto como espécie nos últimos 70 anos.
E uma das funções da boa comédia é esfregar a realidade em nossos rostos.
25 de Agosto de 2012