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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
08/02/2012 08/02/2012 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
100 minuto(s)

Flores do Mal
Fleurs du mal/Flowers of Evil

Dirigido por David Dusa. Com: Rachid Youcef, Alice Belaïdi.

Antes da Internet se tornar uma presença dominante no mundo moderno, o processo de aproximação entre dois estranhos era gradual, permitindo que estes se conhecessem apenas à medida que conversavam e abriam seus respectivos universos um ao outro. Isto, claro, é passado: hoje, ao se interessar por alguém, o procedimento padrão é correr ao Google, ao Facebook ou ao Twitter e investigar tudo sobre a pessoa, de seus hobbies à sua formação acadêmica, passando por ex-namorados, fotos de família e vídeos caseiros – e é justamente isto que fazem Anahita (Belaïdi) e Gecko (Youcef) em Flores do Mal, bela produção francesa que usa o encontro destes dois desconhecidos não só como um sensível comentário sobre as relações modernas, mas também sobre o recente levante popular no Irã.

Enviada a Paris por seus pais para fugir da violência que tomou conta de seu país em 2009, depois das controversas eleições lá ocorridas, a moça inicialmente encara a obsessão de Gecko (também muçulmano e também imigrante) com certo frescor – até que sua crescente preocupação com os amigos e com a família a levam a ressentir a alienação do rapaz. Com isso, o roteiro escrito a oito mãos encontra maneiras delicadas de desenvolver a relação do casal com verossimilhança e inteligência, construindo dois personagens complexos cuja dinâmica encanta, incomoda e entristece o espectador simultaneamente.

Com o rosto cheio de espinhas e uma agilidade física invejável, o jovem Rachid Youcef encarna Gecko como um indivíduo sonhador e pragmático – uma combinação aparentemente paradoxal que encontra reflexo na maneira com que ele encara a religião: embora não beba álcool, ele não demora em explicar para a namorada que, às vezes, se “desvia do caminho do bem”. Enquanto isso, a linda Alice Belaïdi retrata sua Anahita como uma garota obviamente capaz de se divertir e de encarar a vida com leveza, mas que compreensivelmente não consegue fugir do peso dos acontecimentos em seu país e da culpa por tê-lo deixado em um momento tão complicado. Usando um bracelete verde que simboliza sua esperança no futuro (ou “a Brazilian bracelet”, como diz a legenda em inglês, obviamente se referindo à fitinha do Senhor do Bonfim), Anahita finalmente atinge o limite em uma tocante cena na qual arranca a pulseira do braço num misto de frustração e de desejo infantil de ver seus desejos de paz se concretizando com rapidez – e são estes elementos usados na construção dos personagens que enriquecem Flores do Mal.

Já do ponto de vista formal, o diretor David Dusa evoca a agilidade da comunicação na era da Internet ao trazer na tela os textos de pesquisa de Gecko ou os tweets de Anahita e de seus amigos no Irã, remetendo ao universo digital também ao usar o símbolo oscilante de “buffering” sobre as imagens do próprio filme ao mostrar a garota lutando para assistir a um vídeo cuja transmissão é interrompida pela má conexão. Além disso, é interessante observar como certas cenas são manipuladas digitalmente para surgirem pixelizadas como arquivos de vídeo mal comprimidos e como certas câmeras subjetivas buscam comentar o hábito dos jovens protagonistas de registrarem seus cotidianos através de imagens compartilhadas no YouTube ou no Facebook – e mesmo quando sabemos que não estão gravando o que está ocorrendo, esta subjetividade sugere o caráter que suas memórias terão ao se estabelecerem como traços digitais nas redes sociais.

Fascinante também em seu design de som, que procura evocar a preocupação de Anahita através de ecos distantes dos protestos no Irã, Flores do Mal também não hesita em usar imagens de arquivos reais da violência no país a fim de estabelecer a relevância política e jornalística da Internet no século 21, quando a agilidade da comunicação serve, entre outras coisas, para contornar a censura imposta por governos repressores. Da mesma maneira, a direção de fotografia acerta em sua aparente precariedade, já que não teme criar imagens superexpostas ou repletas de artefatos – e embora não seja “bonita”, é indubitavelmente a abordagem correta para o projeto (e só posso imaginar o que um profissional como Christopher Doyle ou Roger Deakins faria com a maravilhosa cena das velas flutuantes na piscina).

Relevante politicamente e perceptivo em seu comentário sobre a influência da Internet nas relações contemporâneas, Flores do Mal é um filme “moderno” não só em sua temática, mas também em sua abordagem e estilo, estabelecendo-se como um dos melhores do Festival de Tribeca em 2011.

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival de Tribeca de 2011.

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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