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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
08/10/2010 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora

Dois Irmãos
Dos Hermanos

Dirigido por Daniel Burman. Com: Antonio Gasalla, Graciela Borges, Elena Lucena, Rita Cortese, Omar Núñez.

O humor do cinema argentino, doce e construído a partir da interação e da própria humanidade de seus personagens, é algo que se faz presente e fundamental ao longo de Dois Irmãos, novo e eficiente trabalho do cineasta Daniel Burman, que, inspirado em livro de Diego Dubcovsky, cria um filme tão divertido e tocante quanto seus ótimos trabalhos anteriores, Ninho Vazio e As Leis de Família.


Estrelado por uma dupla de atores veteranos que exibem uma química admirável em cena, o longa acompanha Marcos (Gasalla) e Susana (Borges), dois irmãos de meia-idade com personalidades radicalmente diferentes. Depois de dedicar a vida a cuidar da mãe, Marcos se vê perdido e solitário depois que esta morre e, como se não bastasse, sua irmã o obriga a se mudar de Buenos Aires para uma pequena cidade no Uruguai a fim de poder vender o apartamento que ele ocupava e se livrar, assim, de uma dívida. Egocêntrica a ponto de tentar convencer os participantes de uma reunião de condomínio que o assunto “mais importante” da pauta era o barulho que a incomodava no apartamento vizinho, Susana é também uma picareta que vive de negociatas imobiliárias e que distribui cartões profissionais que a apresentam como especialista em funções que variam de empresária gastronômica a marchand.

Encarnada com vivacidade por Graciela Borges, Susana é o tipo de criatura que insiste em dizer nome e sobrenome sempre que se apresenta, como se acreditasse fazer parte de alguma linhagem nobre que merece reconhecimento imediato, e que, embora aja motivada apenas pelo egoísmo e por seus próprios interesses, busca sempre convencer seus interlocutores de que está tomando suas atitudes movida pelo altruísmo e pela imensa bondade em seu coração (algo no qual ela parece acreditar, o que é revelador). Enquanto isso, Marcos é um homem doce que, mesmo reconhecendo as falhas da irmã, insiste em defendê-la mais por hábito do que por acreditar que ela precise de ajuda – e é a partir dos conflitos constantes entre os dois que Burman constrói sua narrativa de forma sutil e sempre se concentrando não na trama, mas na simples interação de seus talentosos atores.

Com isso, passamos a conhecer os irmãos com mais profundidade e compreendemos, por exemplo, que a insistência de Susana em diminuir o irmão é conseqüência não de falta de amor ou de um impulso maldoso, mas sim de sua própria insegurança – e, assim, ao pintar o retrato de um Marcos fracassado e deprimido, ela, por contraste, acaba se sobressaindo diante da família e – mais importante – de si mesma. Exagerando nas roupas e nas perucas, Susana tampouco aceita o próprio envelhecimento e a solidão, algo que o rosto claramente plastificado de sua intérprete ajuda a ilustrar de maneira impecável. Por outro lado, Marcos mantém uma dignidade admirável mesmo diante das maiores ofensas proferidas por sua irmã – e a performance de Antonio Gasalla merece aplausos também em função da delicadeza com que o ator aborda a homossexualidade do personagem, que, ainda que jamais escancarada, torna-se óbvia a partir de seus olhares e de um ou outro maneirismo sutil.

Com uma narrativa dinâmica que nem por isso deixa de se deter em vários momentos em planos que se contentam em observar aqueles personagens enquanto apreciam uma paisagem ou a presença um do outro, Dois Irmãos é uma obra que extrai humor do prosaico e que, por isso mesmo, é profundamente tocante em sua inquestionável humanidade.

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2010.

7 de Outubro de 2010

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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