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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/01/2011 01/01/1970 4 / 5 5 / 5
Distribuidora

Deixe-me Entrar
Let Me In

Dirigido por Matt Reeves. Com: Kodi Smit-McPhee, Chloë Grace Moretz, Richard Jenkins, Elias Koteas, Dylan Minnette, Cara Buono, Sasha Barrese, Dylan Kenin, Jimmy “Jax” Pinchak, Nicolai Dorian, Ritchie Coster.

(Atenção: por abordar pontos específicos do filme, esta crítica é recomendada para aqueles que já assistiram a Deixe-me Entrar.)


Os norte-americanos odeiam legendas. Esta, infelizmente, é a principal razão por trás da refilmagem do ótimo sueco Deixa Ela Entrar, que, embora perfeitamente satisfatório, ganhou esta versão hollywoodiana que, mesmo bastante competente, representa um esforço desnecessário e descartável. Pois o fato é que praticamente todas as virtudes deste longa de Matt Reeves (Cloverfield – O Monstro) já podiam ser encontradas no original, ao passo que seus problemas são exclusivos e decepcionantes – como a tentativa de incluir temas novos na narrativa apenas para abandoná-los sem cerimônia e, claro, o hábito irritante de escancarar subtextos abordados com sutileza pela produção de 2008.

Baseado no livro e no roteiro de John Ajvide Lindqvist, esta adaptação escrita pelo próprio Reeves transporta a história para uma cidade do Novo México no qual o triste garotinho Owen (Smit-McPhee, de A Estrada) divide um pequeno apartamento com a mãe recém-divorciada. Atormentado por valentões cruéis em sua escola, ele acaba se tornando próximo de Abby (Moretz, de Kick-Ass), sua nova vizinha - uma garota misteriosa cujo pai se entrega a atividades violentas durante a noite e que dizem respeito à verdadeira natureza da menina: uma vampira que depende do sangue coletado por seu ajudante humano para sobreviver.

Ambientada em 1983, a produção faz um trabalho impecável de recriação de época não só através dos figurinos e elementos de cena (telefones, carros, etc), como também através de detalhes divertidos como o aviso, visto em um posto de gasolina, de que cartões de crédito “agora são aceitos” pelo estabelecimento. Ao mesmo tempo, Reeves parece interessado em aproveitar o período do governo conservador e calcado em retórica religiosa de Reagan para estabelecer um paralelo relevante com as ações de uma criatura tida como “demoníaca”, buscando, talvez, desenvolver uma discussão sobre a verdadeira natureza do Mal (quem seria de fato pior: Abby ou, por exemplo, a mãe fundamentalista de Owen?). Infelizmente, se uso um “talvez” ao discutir as motivações do cineasta, isto se deve ao fato de o filme atirar o tema no lixo depois do primeiro ato, mesmo tendo investido um tempo precioso em planos que trazem Reagan discursando e Owen conversando com o pai sobre o assunto ou observando uma imagem de Jesus no quarto da mãe.

Por outro lado, o diretor se sai infinitamente melhor em sua abordagem estética: fotografado com talento por Greig Fraser (do chatíssimo, mas lindo, Brilho de uma Paixão), Deixe-me Entrar explora com eficiência as noites de inverno, cobertas de neve, da cidade que hospeda a narrativa, criando planos memoráveis e evocativos como aquele que traz um carro parado diante de uma linha de trem e outro no qual uma tentativa de assassinato resulta em desastre, levando o espectador a testemunhar uma capotagem a partir de um ponto de vista inesperado. Além disso, Reeves é hábil ao estabelecer um constante clima de tensão e demonstra também sua preparação ao usar com inteligência o conceito de ponto de fuga para levar o público a localizar com facilidade a pequena e surpreendente figura de Abby na fachada de um hospital em uma seqüência-chave da projeção.

Enquanto isso, o design de produção de Ford Wheeler acerta não só na recriação de época, mas também ao estabelecer a atmosfera apropriada de cada ambiente: reparem, por exemplo, como o apartamento de Owen surge sempre escuro, triste e opressivo, ao passo que a escola, mesmo bem mais ampla e iluminada, remete constantemente a uma prisão com suas grades e vestiários que parecem formar pequenas celas. Já os efeitos visuais pecam pela artificialidade (os movimentos da criatura digital são terrivelmente medíocres), ao passo que a trilha sonora acaba incomodando pelo exagero, já que parece presente em todos os segundos da narrativa - e se apenas incomoda em vez de se tornar uma tortura, isso se deve aos belos temas compostos pelo sempre talentoso Michael Giacchino.

Felizmente, Deixe-me Entrar acerta no mais importante: o relacionamento entre Owen e Abby é desenvolvido com sensibilidade e calma por Reeves, que também merece créditos pela interessante decisão de manter o rosto da mãe do garoto sempre obscurecido ou distante, refletindo seu afastamento do filho e salientando a solidão deste (e também é significativo que o pai do menino surja apenas como uma voz ao telefone). O pequeno Kodi Smit-McPhee, diga-se de passagem, faz jus ao excepcional desempenho do Kåre Hedebrant do longa original ao retratar a raiva reprimida do protagonista que o transforma num pequeno psicopata em potencial (e o bullying visto aqui soa bem mais realista e cruel do que no filme sueco, sendo interessante também ao sugerir que as ações do torturador de Owen sejam originadas nos abusos que ele próprio sofre em casa).

A talentosa Chloë Grace Moretz, por sua vez, concebe a vampira Abby de maneira significativamente diferente da composição da ótima Lina Leandersson na versão anterior, transformando a personagem em uma criatura bem mais infantil, como se o fato de ter se tornado imortal aos 12 anos de idade houvesse também congelado seu desenvolvimento emocional – o que não deixa de ser uma abordagem curiosa. Para finalizar, Richard Jenkins encarna o “Pai” como um homem exausto de suas funções e de ter que se submeter ao papel de serial killer para alimentar a garota – e a falta de dignidade de sua existência é ressaltada pelo saco de lixo que usa como máscara improvisada durante suas ações.

A relação entre a vampira e o “Pai”, aliás, perde toda a sutileza vista no original, o que desaponta. Ao escrever sobre aquele filme, comentei: “... não é preciso muito esforço para imaginar que possivelmente Håkan foi, algum dia, um garoto igualmente seduzido pelo mistério representado por Eli, devotando sua vida a esta e envelhecendo ao seu lado – o que torna sua extrema devoção ainda mais compreensível”. Pois aqui, não é necessário esforço algum, já que Reeves inclui uma cena tristemente óbvia na qual Owen encontra uma foto desbotada que traz Abby ao lado do “Pai” quando garoto. Ainda assim, o apego trágico do sujeito pela menina não deixa de comover – especialmente na cena em que, ao ser tocado por ela num raro gesto de carinho, ele imediatamente se derrete em suas mãos, chegando a implorar para que deixe de se encontrar com Owen (e é aqui que o ótimo design de som oferece uma informação fundamental ao trazer o ruído dos dedos de Abby raspando na barba do pobre velho – o que a faz se lembrar de que, afinal, precisa de um substituto que a proteja e alimente). Da mesma maneira, se na produção sueca tínhamos a impressão de que o menino jamais percebia que o “Pai” fora uma criança seduzida pela vampira como ele, aqui Owen claramente fica a par do histórico da dupla, levando o desfecho da narrativa a perder sua conotação trágica, já que sua decisão de acompanhar Abby é tomada de maneira consciente. De todo modo, Reeves acerta ao manter a cena em que o menino atinge seu inimigo com o mesmo objeto usado pelo “Pai” para ocultar um corpo, já que isto representa um belo momento simbólico de “passagem do bastão”.

No final das contas, porém, esta versão comandada por Matt Reeves, apesar de ser um esforço digno (e mesmo um ótimo filme), soa apenas como uma empreitada comercial, não como um projeto movido por ambições artísticas. Tem muitas qualidades, é verdade, mas que já podiam ser conferidas no longa de 2008.

Ao menos por aqueles que não têm medo de legendas.

05 de Fevereiro de 2011

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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