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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
13/08/2010 01/01/1970 2 / 5 / 5
Distribuidora

Os Mercenários
The Expendables

Dirigido por Sylvester Stallone. Com: Sylvester Stallone, Jason Statham, Jet Li, Dolph Lundgren, Eric Roberts, David Zayas, Giselle Itié, Steve Austin, Randy Couture, Charisma Carpenter, Terry Crews, Mickey Rourke, Bruce Willis e Arnold Schwarzenegger.

Leia novamente os nomes dos integrantes do elenco de Os Mercenários logo acima. Se você cresceu na década de 80 ou é fã do gênero “ação”, não demorará muito para constatar que se trata de uma reunião que, em um momento ou outro, representou as fantasias explosivas de qualquer jovem que um dia vibrou com Rambo, o Exterminador ou John McClane. Assim, quando estes nomes – não, estas marcas – surgem em letras metalizadas que refletem a força destes ícones nos créditos iniciais do longa, é quase possível ouvir os orgasmos coletivos de toda uma geração de cinéfilos ao redor do mundo - o que é uma sorte, pois, tivessem esperado o restante da projeção até atingirem o clímax, estes fãs provavelmente teriam dependido de um caminhão de Viagra para alcançá-lo.


Obviamente planejado como um mergulho saudosista nas produções de ação dos anos 80 (especialmente aquelas bancadas pela extinta Cannon, responsável pelo divertido Stallone Cobra), Os Mercenários parece determinado a resgatar a brutalidade estúpida e regada a testosterona que marcou obras como Comando para Matar, Jogo Bruto, Condenação Brutal, entre tantos outros – e que eram filmes que exerciam muitíssimo bem o papel que se propunham a desempenhar. Assim, aqui não há espaço para os heróis sensíveis e até mesmo inseguros que passaram a dominar o gênero na década seguinte; em vez disso, retornamos com força total aos protagonistas de corpos impossivelmente musculosos que estabelecem sua proximidade com os companheiros através de piadas depreciativas, provocações baratas e até mesmo um murro ocasional – o que, mais uma vez, é perfeitamente aceitável: uma boa dose de nostalgia nunca fez mal a ninguém e, assim, é até uma idéia tentadora, a de retornar momentaneamente aos heróis anabolizados e brigões do passado. Especialmente se, no processo, tivermos a oportunidade de assistir a um encontro tão aguardado quanto aquele protagonizado por Stallone, Willis e Schwarzenegger, os três maiores nomes do cinema de ação dos anos 80.

E é uma pena, portanto, que seja justamente Stallone o responsável por destruir a experiência. Aparentemente se esquecendo de que a montagem entrecortada e confusa das seqüências de ação foi uma “inovação” estabelecida apenas nos anos 90 (e que, na maior parte das vezes, resulta em frustração para o espectador), o ator-roteirista-diretor cria perseguições e lutas durante as quais se torna virtualmente impossível, para o público, compreender o que está acontecendo: quem está perseguindo quem? E onde se encontram em relação uns aos outros? Quem está vencendo o confronto físico? Quem desferiu aquele soco? Como aquele golpe foi executado? Como esse cara foi parar ali? Perguntas como estas são uma constante durante a projeção de Os Mercenários graças à montagem da dupla Ken Blackwell e Paul Harb, que merecem ser banidos do gênero em função do trabalho patético e incompreensível que oferecem aqui, falhando até mesmo em estabelecer os elementos mais básicos da mise-en-scène e tornando mais fácil compreender uma obra surrealista dirigida por David Lynch em estado alcoolizado do que decifrar o que acontece nas seqüências de ação deste longa.

Soma-se a isso a tendência irritante de Stallone de substituir os confrontos físicos estrelados pelos astros por tiroteios e explosões: ora, de que adianta escalar, por exemplo, um sujeito como Jet Li, conhecido por sua destreza e elegância nas artes marciais, apenas para colocar uma metralhadora em suas mãos? (Li, aliás, é relegado ao papel de alívio cômico, sendo sempre salvo por seus companheiros em seus esforços de tentar provar o seu valor, o que é uma decepção para os admiradores do ator.) Além disso, embora faça questão de apresentar cada integrante de seu elenco dos sonhos com um close próprio – o que é a decisão correta, diga-se de passagem -, Stallone falha ao não conseguir sequer estabelecer quais seriam as “especialidades” de cada personagem, transmitindo a impressão de que, no final das contas, todos se limitam apenas a disparar tiros e facas quando a situação se torna difícil.

Mas se as cenas de ação fracassam, a coisa se torna ainda mais constrangedora quando os personagens abrem a boca em momentos supostamente empregados para o desenvolvimento da dinâmica entre eles: disparando piadinhas que, de tão estúpidas, não mereceriam aparecer nem no Zorra Total ou no Casseta & Planeta, os anti-heróis riem constantemente de suas próprias tiradas, obviamente considerando-se muito engraçados – o que indica que talvez tenham recebido mais pancadas na cabeça do que o recomendável. Na maior parte das vezes, aliás, a impressão que surge é a de que Stallone, co-autor do roteiro ao lado de David Callaham, apenas pensou em situações que poderiam ser engraçadas (“Ei, e se Jet Li reclamasse constantemente do salário?”) e as atirou na história com o intuito de desenvolvê-las posteriormente, esquecendo-se de fazer isso em função das já citadas excessivas bordoadas na cara. Como se não bastasse, até as frases de efeito soam como improvisos desastrados, como no instante em que, preparando-se para decolar rumo a uma missão, um dos mercenários diz “Vamos voar!” como se apenas afirmar o que farão em seguida seja o bastante para se estabelecer como sujeito espirituoso.

(Vamos ao próximo parágrafo!)

Estas interações entre os “heróis” são tão ruins que, confesso, pela primeira vez em minha carreira cheguei a desejar que um diretor não tentasse desenvolver os personagens e partisse direto para a ação constante – um desejo que, claro, apenas resultava em ainda mais desespero quando vinha a constatação de que Stallone e seus montadores estavam determinados a provocar crises de labirintite no espectador. Ainda assim, ver aqueles rostos envelhecidos (e, em alguns casos, plastificados) do passado funcionou, em alguns instantes, como uma viagem nostálgica suficientemente curiosa para que todo o desastre que os cercavam fossem temporariamente esquecidos – e testemunhar Mickey Rourke fazendo milagre com os diálogos concebidos por Stallone e Callaham, sobrevivendo ao close excessivo e à fotografia caricatamente mergulhada em azul de Jeffrey L. Kimball e criando uma cena que quase funciona dramaticamente é algo que, por si só, mereceria aplausos.

Graficamente violento como o péssimo Rambo de 2008 (outra obra de Stallone, que parece disposto a torrar todo o crédito que conquistou com o sensível Rocky Balboa), Os Mercenários já estabelece o tom que adotará desde a primeira morte vista em cena, que surge sangrenta, absurda e viabilizada por fracos efeitos visuais – e ao menos o cineasta exibe algum senso de humor ao seguir esta seqüência inicial com um plano aéreo que, trazendo uma paisagem urbana no período da noite, é marcada pela presença de um único prédio alto que, com sua base larga, surge como uma  gag fálica que declara abertamente a intenção do diretor: fazer um filme “de homens para homens”.

E ainda que seja divertido ver Stallone recarregando sua arma automática com vários pentes de munição sem praticamente parar para respirar ou observar o jeito confortável com que divide a cena com os amigos e ex-sócios Willis e Schwarzenegger, a triste verdade é que Os Mercenários é desnecessariamente tolo e ineficaz até seu segundo final, que surge como uma piada de virilidade e valentia cansada e artificial. E por mais que eu quisesse acreditar no que diz a música que acompanha os créditos finais, não creio que este filme estabeleça que “os garotos estão de volta à cidade”. No máximo, podemos dizer que os velhinhos deram um passeio rápido e esquecível na praça.

Observação: As legendas em português trazem uma série de erros grosseiros, como traduzir “I’m out” (“Estou sem munição!”) como “Vamos lá!” e ao chegar a incluir elementos que não estavam no texto em inglês, como no instante em que o protagonista diz “He’s emotional” e a legendagem exibe um “Ele é bom, mas emotivo”. Lamentável.

13 de Agosto de 2010

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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