Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
03/12/2004 | 24/11/2004 | 1 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
99 minuto(s) |
Dirigido por Joe Roth. Com: Tim Allen, Jamie Lee Curtis, Dan Aykroyd, M. Emmet Walsh, Cheech Marin, Jake Busey, Austin Pendleton, Felicity Huffman.
Um Natal Muito, Muito Louco é um filme muito, muito machista. E muito, muito intolerante com relação às religiões não-cristãs. E muito, muito reacionário e bushista. Infelizmente, ele também é muito, muito sem graça, o que é fatal para uma comédia. Para que você tenha uma idéia da absoluta falta de compreensão do roteiro sobre o gênero, em dois momentos uma personagem com câncer terminal é utilizada como ferramenta narrativa: a primeira vez, como recurso cômico (!); e a segunda, como esforço barato para comover o público.
Baseado em livro de John Grisham (mais conhecido por seus thrillers estrelados por advogados, como O Júri, A Firma e O Homem que Fazia Chover), Um Natal Muito, Muito Louco gira em torno de Luther e Nora Krank, um casal de meia-idade cuja única filha acaba de se mudar para o Peru, onde passará um ano. Deprimidos com a ausência da garota, eles chegam à conclusão de que o Natal `não será o mesmo` sem ela e resolvem ignorar a data, partindo em um cruzeiro pelo Caribe. No entanto, quando seus vizinhos são informados sobre isto, uma verdadeira guerra de nervos passa a ser travada no quarteirão, já que, ali, a decoração natalina é uma tradição respeitadíssima – e uma casa sem luzes no meio da vizinhança arruinaria tudo. Além disso, todos passam a encarar os Krank como se estes fossem verdadeiras aberrações, e não demora muito até que alguém apelide Luther de `Scrooge`, o protagonista do clássico Um Conto de Natal, de Dickens.
Um dos maiores problemas do longa reside em sua incapacidade de definir a `mensagem` que pretende passar. Afinal de contas, qual é a posição do filme sobre as atitudes de seus personagens? A princípio, o péssimo roteiro de Chris Columbus (de volta à mediocridade depois do sucesso dos dois primeiros Harry Potter...) parece inclinado a concordar com a postura de Luther, que, devo dizer, é extremamente razoável. Aos poucos, porém, Columbus vai transformando o protagonista em um sujeito intransigente e mesquinho (ele se nega a fazer doações para crianças pobres) – e foi com surpresa que constatei, depois de mais de uma hora de projeção, que o filme acreditava que Luther era o `vilão`, uma espécie de Grinch suburbano. Ora, ver o (anti)herói ser chamado de Scrooge só é engraçado em função do exagero; quando percebemos que o roteiro realmente o considera uma espécie de Ebenezer Scrooge, a única reação possível é de espanto.
Em contrapartida, os vizinhos (liderados por Dan Aykroyd) aos poucos convertem-se em almas caridosas, altruístas – o que é espantoso, considerando-se que são incapazes de aceitar uma voz dissonante e agem como uma turba vitimada por lavagem cerebral, como se fossem os alienígenas de Os Invasores de Corpos. O resultado inevitável é a total impossibilidade de nos identificarmos com quem quer que seja, já que todos os personagens se mostram egoístas, maldosos e fúteis.
Enquanto isso, Jamie Lee Curtis assume o papel que parece ser o de uma dona-de-casa dos anos 50, embora a trama se passe nos dias de hoje: além de ceder à vontade do marido em viajar (quando é óbvio que ela preferiria comemorar o Natal como de hábito), ela parece viver em função das vontades de Luther e da filha, não possuindo qualquer ambição social, econômica ou intelectual: enquanto Luther lê um livro, por exemplo, Nora se contenta em fazer tricô – e, mais tarde, quando o casal descobre que a filha ficou noiva, ela grita histericamente, enquanto o marido parece se preocupar (com razão!) por não conhecer muito bem o rapaz em questão. A mensagem é óbvia: as mulheres são seres irracionais quando se trata de casamento; não há objetivo mais nobre do que vestir-se de branco e usar véu e grinalda. Como se não bastasse, Nora se entrega aos gritos por qualquer motivo, o que é enlouquecedor (Curtis parece relembrar os tempos da série Halloween).
Mas o mais assustador é que Um Natal Muito, Muito Louco parece acreditar na mentalidade `siga o líder` que tomou conta dos Estados Unidos graças à máquina publicitária dos republicanos e de seu garoto-propaganda, o genocida George W. Bush. Assim como qualquer um que se atreva a questionar as diretrizes do governo é logo tachado de `traidor da pátria` ou de (ainda pior!) `francófilo`, a vizinhança retratada por Chris Columbus passa a enxergar os Krank não como indivíduos com direito à liberdade de expressão (ou religiosa, como discutirei em seguida), mas como `ovelhas negras`, párias.
E se você já notou que até agora só citei o Natal como `evento`, devo esclarecer que a culpa não é minha: é o filme que ignora qualquer significado mais profundo da data, seja este o nascimento de Cristo ou (para os não-religiosos) o impulso de confraternizar com o próximo. De acordo com o longa, o Natal gira em torno apenas de luzes, enfeites e presentes – e quando uma beata pergunta se Luther e Nora são `judeus ou budistas`, a implicação da indagação não é se estes não `acreditam` no Natal, mas sim a de que eles seriam `estraga-prazeres`, os Scrooges do mundo real. A esta altura, Um Natal Muito, Muito Louco já deixou de ser apenas um filme ruim para se tornar um filme moralmente reprovável.
Eu ainda poderia citar a incompetência pavorosa do produtor-que-resolveu-virar-diretor Joe Roth, responsável pelo medíocre Os Queridinhos da América, mas isto seria chutar cachorro morto. Basta dizer que ele é incapaz até mesmo de dar sentido às gags físicas: quando Luther salta um buraco cheio de água, Roth obriga Tim Allen (um bom ator, diga-se de passagem) a fazer uma pausa nada sutil para ajeitar o casaco (sob forte chuva!) apenas para dar tempo para que um carro possa encharcá-lo ao passar por ali. E o que dizer do velho clichê do `sujeito que fica preso pelo pé e despenca de cabeça no chão quando alguém corta a corda`? Esta `piada`, que já seria ruim o bastante em condições normais, fica ainda pior quando consideramos que, desta vez, são bombeiros profissionais que provocam a queda, como se não conhecessem os princípios básicos de seu trabalho – ou da Física.
Incluindo uma infinidade de sub-tramas sem o menor propósito (para que serve aquele ladrão de jóias?), Um Natal Muito, Muito Louco ainda é muito, muito mais longo do que deveria. No mínimo, uns 30 minutos de filme poderiam ter ficado no chão da sala de edição. Ou melhor, uns 60. Aliás, para ser mais exato, 98 minutos. Esta seria a única forma de salvar este projeto.
02 de Dezembro de 2004