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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/01/2002 19/12/2001 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
178 minuto(s)

O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel
Lord of the Rings: The Fellowship of the Rings

Dirigido por Peter Jackson. Com: Elijah Wood, Ian McKellen, Viggo Mortensen, Sean Astin, Orlando Bloom, John Rhys-Davies, Billy Boyd, Dominic Monaghan, Sean Bean, Ian Holm, Cate Blanchett, Liv Tyler, Hugo Weaving e Christopher Lee.

 


`Às vezes, 5 estrelas não são o bastante`.

Foi este o pensamento que cruzou minha mente quando os créditos finais de A Sociedade do Anel começaram a percorrer a tela, acompanhados da belíssima canção May It Be, de Enya. Durante as três horas anteriores, eu fôra transportado para a Terceira Era da Terra-média (e brevemente para a Segunda Era, como explicarei mais adiante). Para meu grande alívio, o cineasta Peter Jackson não apenas havia captado com perfeição a `alma` da obra do escritor J.R.R. Tolkien, como também tivera a coragem de realizar pequenas alterações na estrutura da história a fim de aumentar seu impacto dramático.

Pois a verdade é que, muitas vezes, certos diretores que trabalham com adaptações literárias não parecem perceber que Literatura e Cinema são dois veículos completamente diferentes entre si, tentando levar para as telas, de forma integral e intocada, seus livros favoritos – algo que geralmente resulta em fracasso (o mesmo ocorre quando alterações em excesso são feitas, provando que dirigir adaptações é tarefa extremamente difícil). Bons exemplos de adaptações fiéis, mas não espetaculares, podem ser encontrados em Harry Potter e a Pedra Filosofal e Memórias Póstumas – filmes que funcionam bem, mas que jamais recriam o impacto da obra original. Felizmente, Jackson e suas co-roteiristas, Fran Walsh e Philippa Boyens, se preocupam principalmente em resgatar o tom épico-mitológico da obra de Tolkien, deixando a questão da `fidelidade absoluta` em segundo plano. O resultado é óbvio: ao assistirmos ao primeiro capítulo de O Senhor dos Anéis, não experimentamos a sensação de estarmos simplesmente `relendo` o original – mais do que isso: sentimos a grande euforia de uma redescoberta total, como se fôssemos reapresentados aos habitantes da Terra-média.

No entanto, é importante dizer que Peter Jackson manteve-se fiel ao livro durante a maior parte do tempo, limitando-se a realizar alterações que beneficiariam o filme: Tom Bombadil e o episódio das Criaturas Tumulares certamente funcionam bem no original, mas seriam prejudiciais ao filme, já que adiariam ainda mais o momento-chave do primeiro capítulo: a formação da Sociedade do Anel. Infelizmente, alguns `puristas` provavelmente se ressentirão da ausência do personagem, assim como poderão criticar outras modificações, como o confronto entre Arwen e os Espectros do Anel (no livro, era Glorfindel quem os enfrentava). Particularmente, apenas duas alterações me incomodaram: o fato de Frodo, e não Gandalf, solucionar o enigma da Porta de Moria (o que tira um pouco o brilhantismo do mago, apesar de ressaltar o valor do hobbit; e a conversa final entre Frodo e Aragorn.

Por outro lado, os `puristas` ficarão satisfeitos com o fato de que o filme se mantém fiel ao livro em outros aspectos, como ao mostrar Arwen conversando em élfico; ao ilustrar a rivalidade entre anões e elfos; ao retratar (mesmo que brevemente) o carinho de Sam em relação ao pônei Bill; e até mesmo ao mostrar o brilho da espada Ferroada quando os orcs se aproximam. Além disso, o filme inclui uma introdução (ausente no livro) que se passa durante a Segunda Era e retrata, de forma espetacular, o confronto entre o exército de Sauron e a Aliança formada por elfos e homens, que serve para situar aqueles que não leram os livros com relação à história do Um Anel (além de incluir algumas das tomadas de batalha mais fantásticas que já tive o prazer de assistir nas telonas).

Outra ótima função desempenhada por esta introdução é a de conferir uma personalidade própria ao Anel, que se torna, como Sauron e Saruman, uma das personagens mais sombrias do filme. Assim, quando, em certo momento, Gandalf sente temor em tocar o objeto, nós imediatamente compreendemos seu receio. Da mesma forma, esta nossa compreensão sobre o Anel é ampliada à medida em que praticamente todos os personagens são tentados por seu poder – o que torna o conflito vivido por Boromir (um ótimo desempenho de Sean Bean) ainda mais comovente.

E se o desempenho de Bean merece destaque, o mesmo pode ser dito com relação a Ian Holm, que cria um Bilbo absolutamente perfeito e que merecia uma indicação como Melhor Ator Coadjuvante. Enquanto isso, Ian McKellen certamente mereceria a indicação como Melhor Ator, já que seu Gandalf confere centro ao filme, fornecendo as informações mais importantes e atuando como ponto-de-equilíbrio da Comitiva (é por isso que seu confronto com o Balrog é tão emocionante). E o que dizer da presença assustadora de Christopher Lee, como Saruman? Mas o restante do elenco também desempenha sua função com brilhantismo – e se citei os quatro atores acima é porque, de certa forma, seus personagens percorrem arcos dramáticos mais evidentes do que os demais (mas sou capaz de apostar que Elijah Wood, Sean Astin e Viggo Mortensen crescerão ainda mais nos próximos capítulos da trilogia).

Se em termos de narrativa e atuações O Senhor dos Anéis é perfeito, o mesmo pode ser dito de seu aspecto técnico: a trilha sonora de Howard Shore pontua a trama de maneira envolvente; os figurinos são absolutamente fascinantes; e a maquiagem criada pela equipe de Richard Taylor impressiona pela veracidade. Já os espetaculares efeitos visuais criados pela WETA jamais deixam de ser convincentes, e o troll visto em Moria transforma o trasgo de Harry Potter e a Pedra Filosofal em um grande embaraço (a Industrial Light & Magic certamente ganhou um concorrente temível). Além disso, eu jamais poderia deixar de citar a assombrosa Direção de Arte supervisionada por Dan Hennah, que merece ser descrita como brilhante, sensacional, magnífica e por todos os demais adjetivos elogiosos existentes no dicionário. Em um ano já enriquecido pela direção de arte de filmes como Moulin Rouge e Harry Potter, o trabalho feito em A Sociedade do Anel merece destaque não só por sua qualidade, mas também por sua variedade: basta constatar a beleza contrastante de lugares como Valfenda, o Condado, as Minas de Moria e Isengard – que são belamente fotografados por Andrew Lesnie.

Para finalizar, devo registrar que a direção de Peter Jackson é, sem dúvida alguma, um dos principais fatores que transformaram esta adaptação em sucesso: sempre conferindo um tom épico à narrativa, o cineasta faz com que o filme flua com perfeição, alternando momentos de ação e aventura com outros mais reflexivos e sensíveis, como o reencontro de Bilbo e Frodo e a conversa entre este e Gandalf nas Minas de Moria – além, é claro, da comovente reação, em slow motion, dos membros da Sociedade após o confronto na ponte de Khazad-dûm. E mais: Jackson demonstra ter aprendido a lição ensinada por Spielberg em Tubarão e cria um enorme suspense ao adiar o aparecimento do Balrog e ao preceder o ataque dos orcs com sons à distância. Além disso, a tomada que mostra os membros da Comitiva caminhando nas montanhas (já vista no primeiro trailer) é a assinatura perfeita para o filme, devendo ser lembrada por muitas décadas.

Graças ao colossal talento de Peter Jackson e sua equipe, o Um Anel concebido por Tolkien agora governará a imaginação de todos nós. Como Gollum, eu digo que este filme é, desde já, `Meu Precioso`.

30 de Dezembro de 2001

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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