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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
02/05/2003 19/01/2001 5 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
124 minuto(s)

A Promessa (I)
The Pledge

Dirigido por Sean Penn. Com: Jack Nicholson, Robin Wright Penn, Aaron Eckhart, Mickey Rourke, Helen Mirren, Vanessa Redgrave, Patricia Clarkson, Harry Dean Stanton, Tom Noonan, Sam Shepard, Françoise Yip e Benicio Del Toro.

Quando A Promessa chegou ao fim e as luzes do cinema se acenderam, alguns rapazes que se encontravam à minha frente se levantaram e começaram a gritar `Que bosta de filme!`, `Quero meu dinheiro de volta!`, e outras frases semelhantes. Fiquei boquiaberto: será possível que eles haviam assistido ao mesmo filme que eu? Será que eles não tinham apreciado o maravilhoso estudo de personagem comandado por Sean Penn e protagonizado por Jack Nicholson, em uma das atuações mais memoráveis de sua brilhante carreira? No entanto, logo percebi qual era o problema: apesar de abordar (entre outras coisas) uma investigação sobre um serial killer, a história não trazia uma resolução bonitinha, costuradinha (e forçadinha, com várias reviravoltas) como a maior parte das produções de Hollywood. O que aqueles rapazes desejavam era um suspense formulaico, igual a tantos outros. Eles deviam ter ficado em casa e alugado O Colecionador de Ossos ou Na Teia da Aranha.


Pois esta terceira (e brilhante) incursão de Sean Penn como diretor é um filme complexo e inquietante. Assim como seu trabalho anterior, Acerto Final (também estrelado por Jack Nicholson), A Promessa aborda (mesmo que de forma periférica) a dor insuportável de se perder um filho; a tragédia que é a morte de uma criança. Em seu último dia na força policial antes da aposentadoria compulsória, o detetive Jerry Black (Nicholson) insiste em comparecer ao local em que uma garotinha de 8 anos foi estuprada e assassinada. Auxiliando seu parceiro (e substituto) no comando da perícia da cena do crime, ele descobre que nenhum dos policiais locais teve coragem de dar a notícia para os pais da vítima – e, assim, Jerry assume a difícil tarefa. Bastante abalada, a mãe da garota obriga o detetive a prometer que irá prender o assassino – algo que ele leva extremamente a sério. Com isso, ele dá início a uma investigação particular sem poder contar com a ajuda dos ex-colegas da polícia.

Contando com uma fotografia melancólica e com locações em regiões montanhosas que ajudam a estabelecer um clima opressivo, A Promessa é, sem dúvida, o melhor trabalho de Penn na direção: sem utilizar grandes efeitos, o cineasta jamais chama a atenção para o seu trabalho, preferindo concentrar-se na história e em seus atores. E que elenco: trazendo intérpretes como Vanessa Redgrave, Helen Mirren, Benicio Del Toro e Harry Dean Stanton em aparições rápidas (geralmente em uma única cena), Penn confere imensa autenticidade ao filme, sendo auxiliado, na tarefa, pelo ótimo roteiro escrito pelo casal Jerzy e Mary Kromolowski. Assim, mesmo personagens com uma ou duas falas são retratados de forma tridimensional, como o policial do interior que confessa a Jerry que ficou `excitado` ao investigar o assassinato de uma criança, já que nada acontece em sua cidade. Já entre os atores mais conhecidos, devo destacar o talentosíssimo Mickey Rourke, que merecia ter desenvolvido uma carreira melhor e que aqui surge em uma cena curta, mas emocionalmente carregada (observem a forma com que ele sacode a cabeça, como se tentasse estancar o choro à força). Além dele, também merece créditos a atriz Robin Wright Penn (esposa de Sean), que surge em cena com um dente quebrado e compõe uma personagem marcante.

Mas A Promessa pertence mesmo a Jack Nicholson: apesar de girar em torno de um assassinato, o interesse principal do filme não reside na resolução do mistério, mas sim na busca de Jerry por sua paz interior. Indivíduo sensível e de bom coração, o detetive é um homem absolutamente comum, fugindo dos tipos que o ator se habituou a interpretar ao longo dos anos (até mesmo no recente As Confissões de Schmidt tínhamos vislumbres da persona cinematográfica de Nicholson – algo que não ocorre aqui). A pergunta que A Promessa nos faz é: até que ponto vai a obsessão de Jerry em solucionar o caso? Ele será capaz de dar prosseguimento à sua vida? Será que seu interesse por esta investigação é uma desculpa inconsciente para evitar a aposentadoria definitiva? Ao procurar seu antigo chefe e seu ex-parceiro, o detetive é acusado justamente de estar passando por um processo de inadequação e recebe o conselho de abandonar as investigações.

E é aqui que o filme se mostra realmente original: na maior parte das produções de Hollywood, o herói se concentraria ainda mais em seus propósitos até conseguir provar que suas teorias estavam corretas. Jerry, porém, acata a sugestão dos amigos e decide comprar um posto de gasolina, deixando o caso de lado. Passando os dias atrás de um balcão e pescando em um lago da região, ele chega a se envolver com uma garota local, mãe de uma bela garotinha, e tenta se tornar um autêntico pai de família. No entanto, esquecer o passado não é tão fácil...

(A partir deste parágrafo, vou abordar alguns acontecimentos do segundo ato da história. Apesar do texto não revelar nada de fundamentalmente importante, talvez você queira assistir ao filme antes de concluir a leitura. Volto a repetir: nenhum ponto crucial da trama será revelado, mas a decisão de prosseguir é sua.)

O fato é que A Promessa se torna um filme ainda mais instigante depois de sua conclusão. É então que uma série de perguntas cruza nossas mentes: Jerry foi atraído novamente para o caso em função de uma série de coincidências ou, na realidade, ele jamais se esqueceu de sua promessa e provocou intencionalmente os acontecimentos do terceiro ato? É plenamente possível que ele tenha comprado o posto não como forma de dar prosseguimento à sua vida, mas como uma maneira de investigar os carros da região (já que ele acredita conhecer o tipo de automóvel que o assassino dirigia). Ou talvez ele tenha unificado os objetivos: enquanto leva a vida, por que não ficar atento ao que se passa? E mais: será possível que sua paixão por Lori e sua filha não tenha passado de um blefe? Será que ele queria apenas transformar a pequena Chrissy em uma isca para seu inimigo? É óbvio que Jerry estava ciente de que Chrissy poderia ser uma vítima em potencial – assim, por que permitiu que ela comprasse um vestido vermelho e insistiu em construir a gangorra à beira da estrada? (Ele alega querer tomar conta da menina, mas ele poderia simplesmente estar desejando exibi-la para chamar a atenção do assassino...)

Apesar de possivelmente provocar frustração na maior parte dos espectadores, a conclusão de A Promessa é, para mim, o encerramento perfeito para a trajetória de Jerry. Ironicamente triste, o desfecho condena o personagem a uma obsessão eterna, prendendo-o a uma dúvida que jamais será esclarecida (embora o espectador saiba exatamente o que aconteceu). Assim, é uma pena que nem todos tenham paciência para tentar compreender melhor Jerry Black. Tenho certeza de que, no futuro, este será lembrado como um dos personagens mais marcantes da bela carreira de Jack Nicholson.
``

3 de Maio de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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