Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
15/02/2018 | 03/11/2017 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Universal | |||
Duração do filme | |||
94 minuto(s) |
Dirigido e roteirizado por Greta Gerwig. Com: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letts, Lucas Hedges, Timothée Chalamet, Beanie Feldstein, Odeya Rush, Jordan Rodrigues, Marielle Scott, Jake McDorman, Stephen Henderson e Lois Smith.
Seus pais a batizaram de Christine, mas ela se chama “Lady Bird”. Ou de “Lady Bird”, tanto faz. O que importa é que, aos 17 anos, a jovem Christine/Lady Bird (Ronan) encontra-se diante de todas aquelas encruzilhadas que marcam a idade: está prestes a concluir o ensino médio, deve decidir o que fará a seguir, vive seus primeiros amores e tenta navegar pela estreita faixa entre seus desejos e as exigências do pai. Assim, a escolha de seu novo “nome” não é difícil de compreender – o que torna o óbvio subtítulo brasileiro ainda mais estúpido (imaginem se Get Out! fosse acompanhado por “O Racismo Está Vivo”).
Escrito e dirigido por Greta Gerwig (em sua estreia solo na função), Lady Bird tem início quando a personagem-título e sua mãe Marion (Metcalf) estão retornando de uma visita a uma universidade local que pode representar o futuro da garota. Emocionadas ao ouvirem a versão em áudio de As Vinhas da Ira no toca-fitas do carro (o filme se passa em 2002; smartphones eram coisa de ficção científica), elas enxugam as lágrimas compartilhadas apenas para, segundos depois, (re)iniciarem uma briga que parece ter surgido (ou retornado) do nada, numa dinâmica que, logo compreendemos, é a marca da relação das duas. A partir daí, o longa acompanha cerca de um ano da vida de Lady Bird, retratando suas paixões ainda adolescentes, suas ansiedades e também aquelas das pessoas que a cercam.
Se poderia acabar soando prosaico ao se tornar apenas mais um entre tantos exemplares que abordam o tema “coming-of-age” (em bom português, a transição entre a juventude e a idade adulta), este trabalho se torna superior graças à sensibilidade que Gerwig imbui à narrativa e às particularidades dos dramas e das situações que cria - ela conhece aqueles personagens e isto faz toda a diferença. Em certo momento, por exemplo, a protagonista protesta diante da frieza aparente de Marion e a questiona se esta gostaria de ser tratada assim pela própria mãe. “Minha mãe era uma alcoólatra abusiva” é a resposta que ouve e que expõe, de forma direta, econômica e reveladora, ciclos de relacionamentos sem demonstrações de afeto e repletos de cicatrizes que saltam de uma geração a outra.
Do mesmo modo, é comovente acompanhar o estoicismo do pai da garota, Larry, que o ator e dramaturgo Tracy Letts compõe como um homem doce, gentil e melancólico, revelando aos poucos uma camada subjacente de frustração e depressão que, no entanto, não o impede de agir continuamente como um autêntico diplomata ao negociar tréguas e perdões entre as duas mulheres de temperamento forte com quem vive. Aliás, é também importante observar como Laurie Metcalf ilustra esta força sem apelar para gritos ou gestos excessivamente enfáticos, substituindo os histrionismos por uma postura passivo-agressiva que acaba provocando feridas ainda maiores (uma de suas punições mais devastadoras é o silêncio). Por outro lado, Metcalf jamais permite que o espectador questione seu amor e sua dedicação aos filhos, impossibilitando que a odiemos mesmo quando diz coisas que poderíamos julgar imperdoáveis.
Ou talvez aqui eu esteja falando como alguém que de certa forma a compreenda por também ser pai (embora, espero, mais eficiente ao manifestar afeto): quando Lady Bird se frustra diante da fiscalização da mãe, argumentando que os pais de sua colega não ligam se esta consome bebidas alcoólicas, o que me ocorre imediatamente é o lamento por ela não perceber como o simples fato de sua mãe supervisioná-la é prova de seu amor; e, de modo similar, quando a garota reclama da raiva de Marion diante de sua decisão de comemorar o feriado de Ação de Graças na casa da avó do namorado, afirmando que a mãe a “odeia”, sinto apenas o impulso de apontar que se a mãe realmente a odiasse não lamentaria sua ausência.
Não que Lady Bird seja uma adolescente mimada, ingrata ou simplesmente irritante; Saoirse Ronan, embora ainda jovem, é uma atriz inteligente demais para permitir que a personagem se tornasse unidimensional assim (aliás, comparar suas performances em Desejo & Reparação, Hanna e Brooklyn é encantar-se diante de sua versatilidade) – e, em suas mãos, a garota combina características complementares em alguns momentos e contrastantes em outros: tímida diante de um colega que a encanta, é também corajosa ao manifestar seu interesse romântico; se sonha com uma casa melhor, valoriza também os esforços dos pais; se externa frustração por não conseguir ficar igual às “moças das revistas”, não se entrega a problemas de autoimagem; e se sente raiva diante de certa atitude de um ex-namorado, isto não a impede de demonstrar compaixão por este ao reconhecer sua dor. (A propósito: os dois principais interesses amorosos da moça são interpretados por Lucas Hedges, revelação do ano passado por Manchester à Beira-Mar, e por Timothée Chalamet, revelação deste ano por Me Chame pelo Seu Nome e que aqui vive um riquinho cujo esnobismo intelectual o impede de perceber a própria ignorância, levando-o a manifestar uma rebeldia babaca e desinformada e a se entregar a rabiscos constantes em um caderninho que, se revelados, provavelmente soariam ridículos. Hum...)
Criando uma narrativa dramaticamente enriquecida por personagens secundários que em um momento ou outro ganham a oportunidade de expor suas próprias fragilidades e seus interesses (como o padre vivido pelo excelente Stephen Henderson e a madre interpretada pela encantadora Lois Smith, que deveria ter sido indicada ao Oscar por seu trabalho em Marjorie Prime), Lady Bird revela uma maturidade artística inesperada por parte de Greta Gerwig, que, por sinal, exibe uma competência narrativa vastamente superior à do colaborador habitual (e parceiro amoroso) Noah Baumbach, que conta com bem mais experiência como diretor. É admirável, por exemplo, a economia com que Gerwig estabelece a rotina da protagonista e da escola já durante os créditos iniciais, como consegue construir pequenas piadas recorrentes sem quebrar a atmosfera geral da narrativa (como aquela envolvendo o professor de educação física/teatro) e, principalmente, como evita tornar o filme episódico ao saltar entre feriados, festas de fim de ano, bailes de formatura e afins, mantendo o ritmo coeso e fluido.
Reconhecendo as dificuldades inerentes a um período no qual o(a) adolescente deixa de ter as benesses da infância, mas ainda não recebe as da vida adulta; no qual se empolga com os primeiros amores, mas descobre como estes podem ferir; e no qual é frequentemente tratado como criança ao buscar expressar sua independência, mas deve escolher o caminho que possivelmente seguirá pelo resto da vida, Lady Bird é um filme que também comove ao retratar os sacrifícios constantes que os pais fazem pelos filhos, se contentando em visitar casas nas quais sabem que nunca poderão morar enquanto abrem mão dos próprios sonhos para que os filhos possam realizar os seus próprios.
E, assim, é mais do que apropriado – e narrativamente tocante – que o sinal definitivo de amadurecimento seja visto pelo filme como o reconhecimento destes sacrifícios mesmo com toda a frustração que poderia surgir de rascunhos e rascunhos de declarações de amor desejadas, mas jamais verbalizadas.
13 de Fevereiro de 2018