Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
28/06/2018 | 29/06/2018 | 3 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Sony | |||
Duração do filme | |||
122 minuto(s) |
Dirigido por Stefano Sollima. Roteiro de Taylor Sheridan. Com: Benicio Del Toro, Josh Brolin, Isabela Moner, Catherine Keener, Jeffrey Donovan, Matthew Modine, Shea Whigham, Manuel Garcia-Rulfo, Elijah Rodriguez, Bruno Bichir, Raoul Trujillo.
Comandado por Denis Villeneuve, um de meus cineastas contemporâneos favoritos, Sicário: Terra de Ninguém entrou em minha lista dos dez melhores filmes lançados em 2015 graças não apenas à formidável tensão que despertava, mas também por nos apresentar a personagens complexos e com uma moral ambígua que, habitando um universo violento, não encontravam outra forma de enfrentá-lo a não ser agindo com violência ainda maior. Claro que em meio a toda aquela carnificina havia a agente vivida por Emily Blunt, que, atuando como bússola moral da trama, representava um ponto de vista mais próximo do espectador ao relutar em aceitar aquelas regras de combate até constatar, pouco a pouco, que não havia espaço para sua consciência naquele mundo – e era esse niilismo que, curiosamente, tornava o longa ainda mais eficaz.
Neste sentido, Sicario: Dia do Soldado deveria, em teoria, expressar um niilismo bem mais intenso, já que a personagem de Blunt não retorna nesta continuação, que, assim, fica entregue às decisões e atitudes do pragmático agente da CIA Matt Graver (Brolin) e do impiedoso sicário – leia-se: matador - Alejandro (Del Toro), cuja família foi morta a mando do chefão de um dos cartéis mais poderosos do México. No entanto, é justamente o oposto que ocorre, já que o roteiro de Taylor Sheridan (responsável pelo original) desta vez adota um sentimentalismo que enfraquece a narrativa ao buscar suavizar personagens que jamais se deixariam suavizar e que – pior – operavam melhor dramaticamente quando endurecidos por suas experiências.
Quando Dia do Soldado tem início, ataques terroristas abalam o solo estadunidense e movem o Pentágono (e o Ministro da Defesa vivido por Matthew Modine) a ações imediatas. Constatando que alguns dos responsáveis pelas explosões entraram no país ilegalmente através da fronteira com o México, o governo altera a definição de terrorismo para permitir que mais recursos sejam usados contra os cartéis, que teriam ajudado os homens-bomba nesta jornada – e é aí que entra Graver, que propõe a incitação de uma guerra entre os chefões mexicanos do tráfico, usando, para isso, a filha adolescente do mais importante deles. Voltando a requisitar a ajuda de Alejandro, o agente e sua equipe sequestram a garota com o propósito de deixá-la no território de um cartel inimigo e, com isso, levar seu pai a agir impulsivamente. Até que algo sai errado, claro, e Alejandro e Graver se descobrem em lados diferentes da fronteira e da situação.
Como já havia feito com talento em Sicario, A Qualquer Custo e Terra Selvagem (que também dirigiu), Sheridan emprega várias convenções clássicas do western na concepção daquele mundo e de seus ocupantes, que parecem estar sempre a um passo de um duelo na rua principal. Do mesmo modo, o roteirista sabe que, ao ambientar a trama em espaços hostis como desertos, planícies áridas e cidades hostis, está retratando também a vida interior dos implacáveis homens que ali disputam o controle das circunstâncias. Claro que isto funcionava melhor quando o mestre Roger Deakins era o responsável pela fotografia, já que Dariusz Wolski, parceiro habitual de Ridley Scott e que aqui assume a função, faz um trabalho apenas correto: sim, a escuridão dos ambientes e o uso de contraluz são estética e narrativamente adequados, mas faltam elementos igualmente importantes e que Deakins evocava através da superexposição pontual dos planos ou da maneira como concebia os quadros para sugerir claustrofobia e, consequentemente, urgência. De todo modo, nunca é fácil para um profissional ter que recriar o trabalho de outro (especialmente quando o “outro” é um gênio) e Wolski merece créditos pela humildade ao buscar manter a lógica visual do anterior (o uso de plongés altíssimos – simulando satélite - para estabelecer a geografia das cenas é um exemplo disso).
Porém, o elemento mais fraco do projeto é mesmo a direção do italiano Stefano Sollima, veterano da televisão que aqui estreia em Hollywood: buscando emular o estilo de Villeneuve de tal maneira que confesso ser incapaz de determinar o que há de autoral ali, o cineasta infelizmente não consegue se tornar uma imitação aceitável (como David O. Russell conseguiu ao encarnar Scorsese em Trapaça), permitindo que o filme sofra um problema sério de ritmo e falhando ao equilibrar as passagens mais intimistas, reveladoras sobre os personagens, com aquelas dedicadas à ação. Não que ele seja incapaz de criar bons momentos: a sequência que acompanha paraquedistas em uma missão durante a noite é bem construída, bem como as cenas que envolvem Josh Brolin conversando com Del Toro e o sempre subvalorizado Shea Whingham em instantes distintos, mas sempre em tons sussurrados e conspiratórios. Além disso, o atentado ao supermercado que abre a projeção é impactante e o plano no qual vemos o personagem de Brolin sendo ultrapassado pela equipe que comanda ao se dirigir ao helicóptero é inteligente em sua habilidade de ilustrar a relutância do sujeito em iniciar uma missão.
Por outro lado, Sollima tropeça gravemente ao aprovar o uso excessivo da trilha composta por Hildur Guðnadóttir, que martela o público constantemente com passagens dos temas criados para o filme original pelo precocemente falecido Jóhann Jóhannsson (a quem Dia do Soldado é dedicado), sem compreender como este valorizou o silêncio em alguns dos momentos mais marcantes daquela narrativa. Para piorar, o diretor ainda é obrigado a lidar (sem sucesso) com as falhas do roteiro de Sheridan, que jamais consegue justificar a mudança radical no comportamento de Alejandro e também abandona de qualquer maneira toda a trama envolvendo os atos terroristas e que dominaram a primeira metade da história (um diálogo rápido e casual comenta que os extremistas eram estadunidenses e pronto, fim da questão (e não, isto não é spoiler, pois não tem a menor importância para o filme – o que é justamente o problema).
Felizmente para Dia do Soldado, contudo, há algo que basicamente compensa todos os problemas do longa: as performances de Benicio Del Toro e Josh Brolin, que conseguem gerar tensão apenas através da troca de olhares em pontos-chave da narrativa. Encarnando Matt Graver com modos despojados e desafiadores que denotam seu desprezo por seus dirigentes, Brolin só permite que o personagem se sinta à vontade ao conversar com aqueles que compreendem o mundo no qual vivem – especialmente seu parceiro Steve (Donovan) e, claro, Alejandro (já Catherine Keener é completamente desperdiçada). Além disso, seu vestuário informal, composto com frequência por bermudas e sandálias, sugere uma casualidade completa ao lidar com situações difíceis (como o interrogatório de um prisioneiro), indicando ainda o fato de não haver distinção entre o trabalho e sua vida pessoal, como se ele vivesse apenas para aquilo. Não é à toa, portanto, que Graver encontra o parceiro ideal em Alejandro, que desde o assassinato da esposa e da filha entrou em modo “foda-se” e se dedica exclusivamente a tentar destruir o chefe do cartel que ordenou a morte de sua família. Mantendo a expressão sempre concentrada e um olhar que oscila entre o reflexivo e o ameaçador, Del Toro comprova mais uma vez ser um dos atores mais capazes de sua geração (e também um dos que projetam maior aura de perigo iminente). Aliás, é justamente por ser tão expressivo que Alejandro era um personagem que, em Sicário, funcionava mais por falar menos – uma abordagem que o roteiro descarta desta vez.
Tentando se tornar uma espécie de Logan do mundo do narcotráfico, Dia do Soldado tenta – sem êxito - convencer o espectador de que Alejandro poderia passar por uma transformação tão grande apenas por conviver cerca de 24 horas com uma adolescente problemática (interpretada com competência por Isabela Moner). Ora, basta lembrarmos a fabulosa (e terrível) cena do jantar em Sicário para que esta possibilidade se torne improvável (para dizer o mínimo) – principalmente se considerarmos quem é o pai da menina. Como se não bastasse, a única tentativa séria de conferir peso ao filme e reafirmar como aquele é um universo no qual a morte chega sem rima ou razão é rapidamente abandonada, soando também implausível e tola.
E é este sentimentalismo que no fim das contas impede que Dia do Soldado chegue perto de seu antecessor. O sentimentalismo e a ausência de Denis Villeneuve, claro.
02 de Julho de 2018
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