Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
15/11/2018 | 07/06/2018 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Imovision | |||
Duração do filme | |||
126 minuto(s) |
Dirigido por Kirill Serebrennikov. Roteiro de Mikhail Idov, Lili Idova e Kirill Serebrennikov. Com: Roman Bilyk, Irina Starshenbaum, Teo Yoo, Anton Adasinsky, Liya Akhedzhakova, Yuliya Aug, Aleksandr Bashirov, Nikita Efremov, Aleksandr Gorchilin, Elena Koreneva, Aleksandr Kuznetsov, Aleksandra Revenko.
No início dos anos 80, em Leningrado (hoje São Petersburgo), duas bandas de rock se tornaram referências absolutas na cena musical da União Soviética: Zoopark e Kino. Lideradas respectivamente por Mike Naumenko e Viktor Tsoi, os grupos ajudaram a modernizar a cultura do país mesmo sob o peso de um Estado totalitário que encarava cada acorde mais forte como uma ameaça à sua autoridade. E é a história dos dois músicos que Verão conta, retratando a relação entre os dois e o papel que a esposa de Naumenko (Natalia na vida real; Natasha no filme) teria desempenhado nesta.
Roteirizado pelo diretor Kirill Serebrennikov ao lado do casal Lily e Mikhail Idov, o longa tem início com uma das performances do Zoopark promovidas pelo fã-clube de rock sancionado oficialmente pelo governo soviético e que, ambientadas em um teatro, obrigam os jovens espectadores a se manterem presos em suas poltronas pela moralidade barata do autoritarismo, limitando suas demonstrações de energia ao balanço dos pés, às batucadas das mãos e a um leve agitar de cabeça, já que não podem sequer erguer cartazes demonstrando sua admiração pela banda.
Obrigados a comprar os discos de seus ídolos do Ocidente no mercado de contrabando, os rapazes e moças retratados em Verão são reprimidos em sua empolgação musical pelo temor dos governantes de que aqueles acordes e letras rebeldes se tornem inspiração para algo maior: uma liberdade cuja distância é martelada em suas cabeças pela constante ameaça de um recrutamento que os despachará para a guerra no Afeganistão ou para outro destino igualmente ameaçador. E é em meio a este clima opressivo que aquelas bandas buscam encontrar a própria voz – um processo dificultado pelo fato de que suas composições têm que passar pelo crivo de censores antes de receberem permissão para que sejam apresentadas em público.
Fotografado em um belíssimo preto-e-branco por Vladislav Opelyants, que emprega uma grandiosa razão de aspecto (2.76:1) para criar espaços amplos que os personagens ocupam com sua vitalidade (além de permitir a composição de quadros como aquele em que vemos Natasha e Mike em um canto, em primeiro plano, e Viktor no oposto, ao fundo), Verão é enriquecido também pela excepcional montagem de Yuri Karikh, que se destaca especialmente nas sequências musicais. Aliás, estas assumem um caráter de realismo fantástico por surgirem em situações e cenários prosaicos, como um trem ou ônibus, quando grafismos piscam de repente na tela e coadjuvantes insuspeitos começam a cantar – muitas vezes desafinadamente – versos de Psycho Killer ou Call Me (sim: Blondie). Enquanto isso, é divertido notar como um dos personagens assume o papel de identificar para o espectador as (várias) liberdades criativas do roteiro, erguendo cartazes de “Isto não aconteceu” depois de certas cenas ou de “Ele não se parece com (o original)” quando Teo Yoo surge na pele de Viktor.
As atuações do trio central, por sinal, tornam a dinâmica entre os personagens rica e sempre surpreendente: Yoo, como Viktor, ilustra a admiração deste por Mike e sua necessidade constante de ser por este reconhecido, ao passo que Roman Bilyk compõe Mike como um sujeito que faz questão de sempre projetar uma imagem descolada, mesmo impassível, ainda que esteja experimentando um tumulto interno sem igual. Além disso, é tocante ver o contraste entre sua imagem de astro para os fãs e sua realidade pessoal difícil, na qual é obrigado a trabalhar em uma fábrica e a desenhar sozinho os cartazes de seus shows. Ainda assim, o destaque do filme é Irina Starshenbaum, que, como Natasha, é a encarnação da Musa, assumindo também o papel de conselheira do marido ao apontar, por exemplo, como a presença de back vocals pode “diluir a essência do rock de garagem”.
Funcionando ao mesmo tempo como recriação de uma época significativa da música soviética (e russa) e como drama romântico sobre três pessoas que se amam, se admiram, mas podem se machucar justamente por isso, Verão compreende como um gesto inocente se torna imediatamente significativo apenas por ser mantido em segredo e como alguém apaixonado pode deixar o ego de lado por saber que a criatura amada está feliz, mesmo que isto lhe provoque dor.
Divertido e cheio de energia, este é um filme que consegue ser simultaneamente nostálgico e contemporâneo, fazendo jus ao magistral trabalho anterior de Serebrennikov, O Estudante. E que o governo russo mantenha o cineasta em prisão domiciliar e o tenha impedido de vir ao Festival de Cannes para apresentar sua obra comprova apenas como a boa Arte continua a assustar os poderosos.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2018.
13 de Maio de 2018