Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
30/05/2019 | 22/05/2019 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Paramount Pictures | |||
Duração do filme | |||
121 minuto(s) |
Dirigido por Dexter Fletcher. Roteiro de Lee Hall. Com: Taron Egerton, Jamie Bell, Richard Madden, Bryce Dallas Howard, Gemma Jones, Steven Mackintosh, Tom Bennett, Matthew Illesley, Kit Connor, Charlie Rowe, Ophelia Lovibond, Tate Donovan, Stephen Graham.
Quando Rocketman, cinebiografia do cantor Elton John, tem início, vemos o protagonista chegando dramaticamente em uma reunião dos Alcoólatras Anônimos vestido a caráter - e se você apenas já ouviu falar do britânico, pode imaginar que “a caráter” neste caso envolve um figurino brilhante, elaborado e absurdo. Ao longo das duas horas seguintes, retornaremos pontualmente a esta sala enquanto Elton John recorda passagens importantes de sua vida e carreira, removendo gradualmente a fantasia num simbolismo óbvio que o filme parece julgar brilhante.
Estes primeiros minutos de projeção são também os mais inquietantes, pois ameaçam seguir a mais do que batida estrutura do gênero e que foi destruída para sempre pela comédia A Vida é Dura: A História de Dewey Cox (Walk Hard), um dos melhores exemplos de crítica cinematográfica em forma de filme já produzidos. E, até certo ponto, o longa segue estas convenções, embora também tente se distanciar destas o bastante para não se tornar insuportável. Na verdade, Rocketman consegue até mesmo criar diversas sequências memoráveis, embora estas infelizmente sejam reequilibradas por outras que beiram o embaraço completo.
Tomemos, como exemplo, estes momentos iniciais: ao se lembrar da infância, o protagonista (Egerton) enxerga sua versão mirim em uma bicicleta no canto da sala numa daquelas “visões” que filmes como este usam como sinal de uma memória dolorosa que retorna. Porém, quando estamos prestes a gritar “sério?” na direção da tela, o roteiro de Lee Hall atira o sujeito em um número musical envolvendo dezenas de dançarinos em uma imagem dessaturada na qual os únicos a manterem a cor são os dois Eltons, adulto e criança. É original? Não, mas é melhor do que só enfocar o sujeito cantando com os olhos distantes. Aliás, o elemento mais forte de Rocketman é exatamente a concepção das sequências musicais – e não apenas porque as músicas são contagiantes (e são), mas por envolver coreografias elaboradas que o diretor Dexter Fletcher (responsável por finalizar o irritante Bohemian Rhapsody depois da demissão de Bryan Singer) concebe através de planos longos e em quadros abertos que permitem que o público veja os dançarinos de corpo inteiro enquanto a câmera desliza entre todos (e o fato de o design de produção pincelar tudo em cores fortes e marcantes coordenadas entre cenários e figurinos torna tudo melhor).
O que o longa compreende é que uma cinebiografia como esta não deve depender somente das canções do homenageado (caso contrário, bastaria vermos um registro de seus shows), mas do contexto no qual estas são inseridas na narrativa. Neste aspecto, Rocketman merece fartos aplausos, pois com frequência aposta em imagens que nos inserem no estado emocional de Elton John ou em seu encanto pela música – como na cena em que, ainda menino, imagina estar conduzindo uma orquestra que, então, é vista sob a luz oscilante da lanterna que ele carrega. Do mesmo modo, quando o artista entra no palco para sua primeira apresentação no Troubadour, o tempo parece correr mais lentamente como reflexo de seu nervosismo, ao passo que, segundos depois, ele e toda a plateia surgem flutuando como uma representação literal do júbilo que a música traz ao cantor e ao seu público. Esta lógica, por sinal, também se mostra presente em instantes icônicos da carreira de Elton – como no plano que parece congelar momentaneamente quando este recebe um envelope com as letras escritas por aquele que viria a ser seu parceiro artístico por décadas, Bernie Taupin (Jamie Bell, excelente como de hábito).
Por falar nas letras, uma grande importância é conferida pelo filme às músicas (especialmente os versos) como reveladoras do estado mental de Elton John em cada época, como se estas fossem expressões pessoais de suas preocupações – contudo, ao mesmo tempo o roteiro ressalta diversas vezes que as palavras em si vieram em grande parte de Taupin, o que complica a lógica estrutural da narrativa. Ainda assim, elas fazem um trabalho melhor em revelar mais sobre o compositor do que as composições caricatas de Bryce Dallas Howard e Steven Mackintosh como seus monstruosos pais ou a de Richard Madden como seu ex-empresário e ex-namorado (e vilão oficial do longa) John Reid.
O que nos traz a Taron Egerton, que, depois de alcançar o estrelato com os dois ótimos Kingsman, oferece aqui alguns dos melhores – e também piores – momentos de sua carreira. Para começo de conversa, o óbvio: fisicamente, o ator não poderia ser mais diferente do personagem, algo que nem as toneladas de maquiagem e peruca conseguem solucionar (e seu porte atlético, em especial, está a anos-luz da silhueta do verdadeiro Elton John). Mesmo assim, Egerton evoca a postura apropriada, emulando a boca curvada para baixo, os meneares de cabeça e os movimentos do cantor no palco (e créditos adicionais devem ser conferidos por ter de fato cantado as músicas que ouvimos no filme). Em contrapartida, a partir da segunda metade da projeção ele se entrega frequentemente ao overacting, o que talvez seja resultado da falta de confiança no roteiro para sugerir o estado mental do protagonista, já que chegamos ao fim da obra ainda sem uma ideia clara de como Reginald Dwight se tornou Elton Hercules John (a única coisa que fica patente é sua genialidade como músico).
Mas o maior obstáculo de Rocketman reside no desespero do roteirista Lee Hall para encontrar algum arco dramático que ancore a narrativa. Considerando que o caminho de Elton John rumo à fama parece ter sido relativamente tranquilo, Hall tenta forçar um clássico ascensão-apogeu-decadência-crise-recuperação-glória ao trazer o músico se questionando frequentemente sobre quem “é” – mas nem o filme, nem Taron Egerton parecem acreditar muito no recurso, que soa artificial e melodramático. Para piorar, isto leva a dois momentos pavorosos: aquele em que, surfando sobre a plateia, o protagonista relembra todas as crueldades que ouviu em sua vid... nas duas horas anteriores, e – ainda mais constrangedor – a cena “catártica” na qual se reconcilia com os espectros/lembranças/imagens daqueles que cruzaram seu caminho.
Já a música não tem pontos baixos. E isso já é um consolo.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2019.
17 de Maio de 2019
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