Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
19/12/2019 | 20/12/2019 | 1 / 5 | 2 / 5 |
Distribuidora | |||
Disney | |||
Duração do filme | |||
141 minuto(s) |
Dirigido por J.J. Abrams. Roteiro de Chris Terrio e J.J. Abrams. Com: Daisy Ridley, Adam Driver, John Boyega, Oscar Isaac, Kelly Marie Tran, Keri Russell, Domhnall Gleeson, Billie Lourd, Lupita Nyong’o, Joonas Suotamo, Richard E. Grant, Greg Grunberg, Naomi Ackie, Anthony Daniels, Ian McDiarmid, Billy Dee Williams, Mark Hamill e Carrie Fisher.
(Os spoilers só são mencionados no terço final do texto e antecipados por um aviso em negrito.)
Star Wars: A Ascensão Skywalker é o que acontece quando um artista cede sua voz aos discursos pré-aprovados de uma corporação, que, tentando não ofender nenhum espectador (“consumidor” seria uma palavra mais apropriada), insiste numa história criada por comitê e que busca dizer apenas aquilo que seus clientes querem ouvir. Neste sentido, J.J. Abrams é o sonho de todo executivo, uma aposta segura, já que é um realizador mais interessado em recriar do que em conceber algo próprio. Competente de um ponto de vista técnico (que é o que, no final, o diferencia de um Chris Columbus), o cineasta se mostra sempre mais confortável quando emulando estilos estabelecidos por outros (como em Super 8 e Cloverfield) ou continuando narrativas já estabelecidas (Missão: Impossível 3, Star Trek, O Despertar da Força) – e, não à toa, o melhor que consegue imaginar em um momento-chave de A Ascensão Skywalker é praticamente uma citação visual de Os Caçadores da Arca Perdida.
Esta sua disposição de repintar desenhos feitos por artistas mais imaginativos é, claro, ideal para reboots – e, por mais eficiente que seja O Despertar da Força (e gosto muito do filme), é indiscutível que se trata mais de refilmagem do que de uma continuação, já que todas as batidas da história, arquétipos e elementos estilísticos vinham diretamente de Uma Nova Esperança. Comparar seu trabalho ao de um artista realmente inventivo como Rian Johnson, que possui voz própria e buscou usá-la em Os Últimos Jedi para descobrir novos ângulos de uma história recontada mil vezes, é um exercício de análise revelador – e não há, em toda a filmografia de Abrams, uma passagem que se equipare à da batalha na sala vermelha do trono de Snoke ou um plano como aquele em que a mão de Rey surge subitamente em quadro para segurar o sabre de luz que voa em direção à câmera. Por outro lado, por mais que tenha alcançado sucesso de crítica e bilheteria, o Episódio VIII desagradou uma parcela do fandom (palavra maldita) de Star Wars – ou por sua ambição temática e subtexto político-social ou por “não ser Star Wars de verdade”. Em outras palavras: fãs que queriam apenas uma nova dose da receita de sempre.
Não deixa de ser apropriado, portanto, que as primeiras palavras do letreiro de abertura de A Ascensão Skywalker sejam “Os mortos falam!”, já que, no meio de seu pânico corporativo, a Disney, dona da franquia, basicamente decidiu ignorar a maior parte das brilhantes contribuições de Johnson e apostar no que considerava seguro, chegando ao ponto de reviver o vilão mais poderoso da saga (não é spoiler; está no trailer), o Senador Palpatine (McDiarmid) – mesmo que isto signifique, em retrospecto, diminuir o efeito do sacrifício feito por Anakin Skywalker/Darth Vader ao fim de O Retorno de Jedi. Do mesmo modo, como os “fãs” reprovaram a jovem Rose Tico, que fez par com Finn (Boyega) no capítulo passado, aqui Abrams e seus patrões recompensam a toxicidade e os abusos que obrigaram a atriz Kelly Marie Tran a abandonar as redes sociais e rapidamente a rebaixam a uma quase figuração através de uma desculpa mal formulada (“Não posso ir com vocês; a General Leia quer que eu...” blá-blá-blá) – o que, considerando a proximidade entre os dois personagens ao final de O Despertar da Força, representa um tropeço gigantesco de um ponto de vista narrativo.
Complicando sem necessidade uma história que poderia ser sintetizada em uma frase curta (“Rey busca uma ‘bússola Sith’ que a leve até Palpatine enquanto é tentada por Kylo Ren a passar para o lado sombrio da Força”), o roteiro escrito por Abrams e Chris Terrio (Batman vs Superman, Liga da Justiça – pois é) envia a protagonista (Ridley) e seus parceiros Finn e Poe (Isaac) para vários cantos da galáxia ao mesmo tempo que se esforça para costurar cenas com Carrie Fisher, morta precocemente em 2016, a partir de cenas descartadas de O Despertar da Força – o que resulta em trocas de diálogos desconjuntadas em que há praticamente um corte a cada fala, deixando o artifício ainda mais óbvio (e a julgar pela qualidade dos diálogos – “Nunca tenha medo de ser quem é” -, é fácil entender por que haviam sido eliminados originalmente). Enquanto isso, o retorno de Billy Dee Williams como Lando Calrissian pode ser eficiente como gatilho nostálgico, mas não como elemento narrativo, sendo difícil também justificar sua alegria e empolgação no meio de uma batalha supostamente tão importante e violenta, o que indica uma falta de controle alarmante de Abrams sobre o tom das performances, já que aquele júbilo diz respeito mais ao ator do que ao personagem.
Esta, contudo, não é a única falha grave do cineasta, que também peca ao lado dos montadores Stefan Grube e Maryann Brandon na construção de um ritmo que não compreende a importância de pausas dramáticas, respiros e distâncias apropriadas entre motifs e pistas/recompensas: já no primeiro ato, Rey entrega a Leia o sabre de luz de Luke (Hamill) apenas para recebê-lo de volta alguns minutos depois, enquanto a frase “Nunca subestime um dróide” é repetida num espaço curtíssimo de tempo, como se os realizadores temessem que o espectador esquecesse a referência de uma cena para outra. Da mesma maneira, A Ascensão Skywalker jamais permite que o público registre o impacto mesmo dos acontecimentos supostamente mais dramáticos, já que cada um deles é seguido por uma piadinha ou por uma mudança brusca de cena – e a pressa em saltar constantemente de um lugar a outro é sempre um forte indício de um roteiro remendado e sem coesão interna. Aliás, o caos da montagem é tão grande que, em certo ponto, tive quase a impressão de ver dois Pryde (Grant) conversando com um subalterno.
Outro reflexo desta abordagem trôpega pode ser constatado nas sequências de batalha, sejam estas com naves espaciais ou sabres de luz: coreografadas de modo entediante, elas usam a confusão como mise-en-scène, desperdiçando o bom trabalho de direção de arte que, como de hábito, cria espaços visualmente interessantes e com personalidades distintas (o que não inclui o “coliseu” – não sei bem como descrever aquilo - visto no ato final e cuja escuridão serve principalmente para ocultar a natureza misteriosa, jamais esclarecida, da multidão presente).
Mas o grande problema de A Ascensão Skywalker reside mesmo em seu péssimo roteiro – o que me força, a partir deste ponto, a discutir elementos específicos da trama (portanto: spoilers a seguir): deixando bastante claro que jamais houve um planejamento cuidadoso dos arcos que deveriam ser traçados ao longo da nova trilogia, o roteiro de Abrams e Terrio (escrito a partir de argumento concebido por quatro pessoas) introduz vários personagens novos sem qualquer função (como o dróide D-O) ou que parecem ter sido criados para substituir outros menos “populares” (como a Jannah de Naomi Ackie, que assume o lugar de Rose ao lado de Poe), além de resgatar Lando Calrissian sem a preocupação de lhe dar algo relevante para fazer além de explorar a nostalgia do público. Para piorar, personagens antes importantes, como o General Hux (Gleeson), são despachados casualmente ao mesmo tempo em que o filme realiza a proeza de utilizar um recurso típico de novela mexicana – matar alguém apenas para trazê-lo de volta, explorando o impacto da morte sem ter que lidar com suas consequências – nada menos do que seis vezes ao longo dos 141 minutos de projeção. (Sim, seis: Chewbacca, Kylo Ren – duas vezes! -, Rey, Zoril e, de certa forma, C-3PO, que sacrifica a memória apenas para resgatá-la posteriormente.) Já as mortes “permanentes” não têm a força que deveriam, já que o longa nunca separa o tempo necessário para que possamos senti-las, saltando para a cena seguinte sem qualquer preocupação com o peso do que havia acabado de ocorrer.
Isto, claro, não impede Abrams de empregar um truque vergonhoso para gerar lágrimas fáceis, trazendo Harrison Ford numa breve conversa que perde qualquer relevância ou força quando nos damos conta de que estamos basicamente vendo Kylo Ren conversar consigo mesmo. Como se não bastasse, a necessidade do cineasta (e do estúdio) de agradar os fãs revoltadinhos é tão grande que até a gag que trazia Luke atirando seu antigo sabre de luz sobre os ombros gera uma espécie de pedido de desculpas neste novo episódio ao trazer o espectro do mestre Jedi interferindo quando Rey tenta repetir seu gesto. (E por falar em sabres, introduzir um elemento tão importante quanto o sabre de Leia no nono filme e esperar que tenha relevância dramática é algo que beira o amadorismo.)
Os problemas, porém, vão além, já que outro conceito supostamente essencial – o da “díade” – é atirado na trama de modo abrupto, ao passo que o retorno de Palpatine não só enfraquece o Episódio VI como simplifica a mitologia daquele universo de modo extremo até mesmo para os padrões de uma fábula originalmente concebida para atrair espectadores infanto-juvenis, já que converte o Imperador na origem de todo o mal visto ao longo das trilogias, já que este assume ter sido a “voz” por trás de todos os vilões da série. Ao mesmo tempo, se a ideia de estabelecer Rey como uma “ninguém” enriquecia tematicamente a saga, a revelação de sua verdadeira ascendência não só trai o que havia sido dito em Os Últimos Jedi (o fandom tóxico ganha novamente) como ainda transforma toda a luta contra o Império em uma disputa entre famílias.
Cínico ao tentar posar como inclusivo ao incluir um rapidíssimo beijo lésbico visto à distância ao mesmo tempo em que falha em compreender o racismo implícito em introduzir uma mulher negra apenas para servir de possível interesse romântico para o único outro personagem negro da história (aproveitando para desfazer qualquer impressão de interesse sexual entre Finn e Poe, que também ganha um romance artificial), A Ascensão Skywalker parece, na maior parte do tempo, mais um filme da Marvel do que do universo Star Wars (algo que meu filho apontou corretamente assim que a sessão chegou ao fim) – e até mesmo o desfecho de Vingadores: Ultimato é repetido de maneira quase idêntica ao fim deste capítulo, com direito ao herói disposto a se sacrificar que, no último momento, ouve uma voz pelo fone de ouvido e é surpreendido pela aparição súbita de centenas de apoiadores.
Digam o que quiserem sobre George Lucas e suas prequels - ao menos, o realizador tinha personalidade o suficiente para ignorar o fandom e fazer os filmes que desejava, mesmo que estes girassem em torno de taxações de rotas comerciais. E é uma imensa decepção que, tendo a oportunidade de encerrar a terceira de três trilogias, J.J. Abrams e os executivos da Disney tenham optado pelo caminho comercialmente mais seguro e, não por coincidência, artisticamente menos instigante.
O que certamente agradará esta parte tóxica do fandom, que diz amar a família Skywalker sem perceber que adota a postura de alguém que já abraçou há muito o lado sombrio da Força.
19 de Dezembro de 2019
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