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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
19/02/2023 19/02/2023 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
HBO Max
Duração do filme
59 minuto(s)

The Last of Us - S01E06: Kin
The Last of Us - S01E06: Kin

Dirigido por Jasmila Žbanić. Roteiro de Craig Mazin. Com: Pedro Pascal, Bella Ramsey, Gabriel Luna, Rutina Wesley, Elaine Miles e Graham Greene.

Já apontei isso antes e repito: para uma série ambientada em um universo pós-apocalíptico povoado por criaturas similares a zumbis, The Last of Us demonstra uma notável facilidade em criar episódios inteiros nos quais os monstros jamais aparecem. Porém, longe de representar um problema, esta escolha dos showrunners Craig Mazin e Neil Druckmann denota – como também já mencionei – compreensão acerca daquilo que move o espectador a se envolver emocionalmente com uma obra: os personagens e suas trajetórias. Além disso, seria difícil reclamar da ausência dos zumbis depois do clímax do episódio passado, Endure and Survive, que preencheu a cota de vários capítulos.


(O restante deste texto contém spoilers.)

Equilibrando-se bem entre a ação e o desenvolvimento de seus heróis, The Last of Us abre este novo episódio com mais um flashback – desta vez, porém, dos momentos derradeiros do anterior, quando Henry (Lamar Johnson), devastado pela morte do irmão caçula, tirava a própria vida diante de Joel (Pascal) e Ellie (Ramsey). Trata-se de uma lembrança acertada por salientar o impacto daquele incidente sobre a dupla, cujas marcas poderão ser comprovadas através das recorrentes crises de pânico que paralisam o protagonista mesmo depois de finalmente reencontrar Tommy (Luna) não apenas seguro, mas vivendo numa comunidade que alcançou uma harmonia que em nada lembra as áreas de quarentena governadas pela FEDRA ou por milícias – como a de Kathleen (Melanie Lynskey) em Kansas City - que se opõem a esta.

Oferecendo mais uma oportunidade ao designer de produção John Paino para conceber um espaço ambicioso em seus detalhes, a pequena cidade de Jackson estabelece forte contraste com todos os ambientes vistos até então, remetendo a um vilarejo do mítico Velho Oeste norte-americano – mas coberto de neve e com uma árvore de Natal em seu centro. Contando com um centro comunitário (com direito a cinema), um pub, currais e casas com iluminação e água aquecida, Jackson é, para os padrões de The Last of Us, um paraíso. Governado por um comitê eleito democraticamente pelos cerca de 300 cidadãos e distribuindo seus recursos de acordo com a necessidade de cada um deles sob um sistema de propriedade coletiva, o lugarejo logo tem seu sistema de governo identificado por Joel, o que dá origem a uma interessante troca de diálogos:

Então é comunismo”, aponta o sujeito, levando o irmão (que já reside ali há um bom tempo e deveria estar a par disto) a contestar: “Não é bem assim” – o que, por sua vez, move Maria (Wesley), noiva de Tommy e uma das líderes locais, a intervir: “Literalmente é. É uma comuna; somos comunistas”. É um momento rápido, mas surpreendente em uma produção grandiosa de um dos principais canais a cabo norte-americanos, apontando como a resistência do rapaz em admitir o que era óbvio parte da pura vilificação do termo usado para identificar o sistema do qual ele fazia parte e aprovava. (E considerando a revolta que o maravilhoso episódio Long, Long Time inspirou nos espectadores mais conservadores, desconfio que esta passagem tampouco será bem recebida por estes.)

Bem mais leve em seu tom do que os dois últimos capítulos (até deixar de sê-lo, claro), Kin abre sua narrativa com uma das cenas mais divertidas da série e que traz um casal formado por Elaine Miles e pelo veterano Graham Greene sendo interrogado por Joel sem manifestar qualquer traço de receio enquanto trocam olhares cúmplices que resultam de décadas de convivência. Esta sintonia, vale apontar, acaba por refletir o ponto central do episódio, que é a aproximação entre a dupla central e o fortalecimento da dinâmica pai-e-filha – um tema também ressaltado pela escolha de A Garota do Adeus como filme exibido para os cidadãos de Jackson.

Esta intimidade crescente, contudo, não ocorre sem percalços, sendo dificultada pelas feridas emocionais carregadas por ambos, culminando numa das passagens mais dolorosas da produção: uma conversa na qual Ellie machuca Joel por não compreender a extensão da dor causada pela perda da filha e que provoca uma resposta cuja crueldade é fruto de um processo de autodefesa que o sujeito parece não reconhecer. A triste ironia é que há um evidente carinho mútuo que poderia preencher o vazio escavado por todas as tragédias que viveram ao longo dos anos – e que Ellie esteja bem mais aberta a abraçar Joel é um sinal não apenas de seu temperamento, mas da idade, comprovando como mesmo testemunhando tantos horrores a adolescente ainda não criou a armadura que já envolve o outro em várias camadas. Aliás, observem a reação de Ellie no instante em que Joel e Tommy se reencontram e percebam mais uma vez o talento da jovem Bella Ramsey, que expõe como sua personagem é afetada ao constatar a capacidade de seu protetor de manifestar afeto – mas não por ela.

Enquanto isso, Pedro Pascal encontra uma nova dimensão em Joel ao evocar uma vulnerabilidade até então disfarçada pelos modos secos – e sua conversa com Tommy (em uma ótima performance também de Gabriel Luna) é tocante não só por revelar sua fragilidade, mas por permitir ao personagem uma franqueza emocional inédita. Assim, quando finalmente há uma reconexão entre Joel e Ellie, a percepção do espectador é a de que esta é mais profunda, como se ambos se permitissem reconhecer o afeto mútuo. Não à toa, logo a seguir eles protagonizam a interação mais “pai-e-filha” da série até o momento: uma lição de tiro (no universo de The Last of Us, é o máximo que podemos exigir).

Dirigido com sensibilidade pela sérvia Jasmila Žbanić (em sua estreia em Hollywood depois do sucesso internacional do longa Quo vadis, Aida?), Kin ainda cria uma rima narrativa eficiente com o primeiro episódio ao recuperar a música “Never Let Me Down Again”, cuja função de alerta de perigo (um código criado por Tess e Frank) acaba por se concretizar aqui.

É um pequeno consolo, no entanto, que antes disso Ellie e Joel tenham tido tempo de reconhecer esperança um no outro – um sentimento que transformou o que poderia ser um clichê visual (os dois cavalgando em contraluz) em um símbolo raro e bem-vindo de calor num mundo que até agora só havia oferecido luto e desespero.

06 de Março de 2023

Os textos sobre os demais episódios de The Last of Us podem ser lidos aqui.

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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