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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
12/03/2023 12/03/2023 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
HBO Max
Duração do filme
44 minuto(s)

The Last of Us - S01E09: Look for the Light
The Last of Us - S01E09: Look for the Light

Dirigido por Ali Abbasi. Roteiro de Craig Mazin e Neil Druckmann. Com: Pedro Pascal, Bella Ramsey, Merle Dandridge, Ashley Johnson, Pardeep Sooch, Andy McDermott, Primo Allon, Darren Dolynski, Laura Bailey.

(Este texto contém spoilers.)


A tragédia está na música. Quando Joel (Pascal) inicia seu massacre no velho hospital para resgatar Ellie (Ramsey), nos minutos finais desta primeira temporada de The Last of Us, a trilha do mestre Gustavo Santaolalla não enxerga a ação como um momento de aventura, suspense ou heroísmo, mas de lamento. Ao executar friamente todos que encontra, rendidos ou não, o protagonista da série finalmente nos convence de algo que todos (Tess, Tommy, Marlene e o próprio Joel) vinham nos alertando desde o princípio: ele pode ser muita coisa – habilidoso, corajoso, leal -, mas definitivamente não é uma boa pessoa.

Com um roteiro escrito por Craig Mazin e Neil Druckmann, Look for the Light mantém a preocupação de The Last of Us em reconhecer as consequências dos atos de seus personagens – e, assim, quando o episódio tem início, vemos uma Ellie silenciosa e distraída que traz no olhar as marcas dos atos de violência cometidos ao fim do capítulo anterior. Esta postura atípica é também percebida por Joel, que, refletindo a mudança da jovem, faz o caminho inverso e se mostra falante enquanto se esforça para distraí-la. Esta dinâmica, claro, é o desfecho de um arco iniciado em When You´re Lost in the Darkness e que se concentrou em unir duas pessoas machucadas que precisavam uma da outra para encontrarem um propósito em um mundo pós-apocalíptico – e não é acaso que, justapostos, os títulos do primeiro e do último episódios refletem a descoberta de uma esperança: Quando Estiver Perdido(a) na Escuridão, Procure a Luz. Ambos estavam perdidos; ambos são Luz.

Abrindo a narrativa com um flashback (outro recurso recorrente da série), Look for the Light nos leva ao dia do nascimento de sua heroína, quando sua mãe Anna (Johnson, que viveu Ellie no game) dá à luz durante uma batalha feroz com um infectado, que acaba por mordê-la – o que sugere que a imunidade da filha é resultado deste breve contato com o Cordyceps antes que o cordão umbilical fosse cortado. É nesta sequência introdutória que descobrimos também o papel de Marlene (Dandridge) na trajetória da garota, o que se tornará importante para que mais tarde compreendamos que o sacrifício desta não é algo que a líder dos Vagalumes enxerga corriqueiramente. (A propósito: é impressão minha ou Ashley Johnson realmente parece com Bella Ramsey?)

Não que Marlene tenha tentado exercer o papel de figura materna para a filha de sua amiga de “toda a vida”, já que, como sabemos, Ellie cresceu sob a supervisão da FEDRA, mas é curioso constatar como, por acidente, acabou por colocar em seu caminho alguém que exerceria o de pai. Pedro Pascal, por sinal, demonstra com talento o modo como Joel se entrega ao que sente por Ellie, sendo capaz até mesmo de perceber como a morte de Sarah se reflete em seu instinto protetor (é interessante perceber como ele faz questão de expressar como tem consciência das diferenças entre as duas). Respondendo sem qualquer hesitação os questionamentos de Ellie sobre seu passado, o Joel dos dois primeiros atos deste episódio é um homem que traz ecos daquele que foi antes da pandemia fúngica, exibindo não só leveza, mas abertura suficiente para que a adolescente saiba o que passou a representar para ele. “Não foi o tempo (que curou minhas feridas)”, ele diz, olhando de forma vulnerável e carinhosa para Ellie – e, assim como apontei ao escrever sobre When We Are In Need, dou créditos a Mazin e Druckmann por resistirem a emendar a frase com um óbvio e desnecessário “Foi você”, que não se encaixaria no temperamento do personagem (e a resposta de Ellie, outra declaração de amor feita através do subtexto do que diz, também é perfeita).

Mas o mundo de The Last of Us não recompensa afeto na maior parte do tempo e, assim, uma das poucas conversas doces da série é imediatamente respondida com um ato de violência, resultando na captura da dupla – ou melhor: com o fim de sua jornada, já que são levados para o hospital mencionado no início do texto e no qual Marlene informa a Joel que, embora Ellie represente uma possibilidade real de cura para a humanidade, isto custará a vida da garota, já que a cirurgia envolve remover partes de seu cérebro.

A questão moral que se apresenta a seguir é óbvia: o sacrifício de uma vida é justificado se resultar na salvação do resto da humanidade? Matematicamente, não há muito espaço para dúvidas, claro – mas Ellie não é um número. Para Joel, ela simboliza uma nova chance de sentir-se vivo, de retraçar de certa forma o caminho que percorreu com Sarah e não falhar em protegê-la. De que valerá um mundo livre do Cordyceps se ele não puder experimentá-lo com aquela que passou a enxergar como filha? E pior: se a morte de Sarah foi resultado de um ataque que ele não poderia prever, desta vez foi ele quem trouxe Ellie até a porta de seus algozes.

Não é surpresa, portanto, que Joel sequer pareça hesitar antes de tomar a decisão de resgatar a jovem. Se a câmera lenta de Nadim Carlsen ressalta a firmeza de seus passos enquanto percorre cada cômodo do hospital exterminando todos que vê e a música de Santaolalla aponta a triste feiura de seus atos, a expressão fria e os olhos mortos de Pedro Pascal completam o retrato de um homem que reconhece a natureza do que está fazendo – e quando o diretor Ali Abbasi e sua equipe de montadores se detêm para mostrar os rostos das vítimas de Joel, mortas ou a segundos de serem, a intenção é a de salientar como aquele massacre não tem a desculpa de ter como alvos representantes do fascismo, de uma milícia violenta ou canibais. Quando a imagem de um cirurgião com um buraco de bala em seu capuz ocupa a tela, o que vemos é a destruição de qualquer esperança para a humanidade – e, de maneira similar, não é coincidência que as paredes da ala de cirurgia pediátrica tragam vários animais pintados, mas nenhuma girafa, já que pouco antes havíamos testemunhado a alegria que estas provocaram em Ellie e, consequentemente, em Joel. Não há alívio ou felicidade possível que resulte do que testemunhamos ali.

Para Joel, no entanto, o que importa é a repetição de um ato de 20 anos antes, quando carregou a filha nos braços para tentar protegê-la do perigo – uma de muitas rimas narrativas que se fecham neste último episódio e que incluem o instante em que Anna diz “I got you” para a Ellie recém-nascida (assim como Joel dissera para Sarah ao tirá-la do carro capotado) e, claro, aquele em que a adolescente aponta como é impossível negar a beleza da vista diante de seus olhos (um apontamento feito no segundo episódio).

É esta capacidade de Ellie de ainda enxergar o que há de belo no mundo que, no final das contas, torna o ato de Joel ainda mais egoísta, já que ela provavelmente aceitaria morrer caso isto significasse uma chance de a humanidade renascer. “Eu preciso ir até o fim”, ela afirma em certo momento, completando que, depois disso, seguiria Joel “aonde você for” – sem saber que, por estas maldades que a vida traz, a primeira afirmação tornaria a segunda inalcançável.

Que Joel tenha escolhido priorizar a segunda, que o fez sorrir, em vez da primeira, que o machucaria, é imperdoável. E que Ellie tenha escolhido acreditar em sua mentira nos segundos finais de The Last of Us é um atestado de seu amor e de sua recusa em aceitar ser desapontada mais uma vez por aqueles que a cercam.

14 de Março de 2023

Os textos sobre os demais episódios de The Last of Us podem ser lidos aqui.

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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