Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
20/12/2023 | 20/12/2023 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Netflix | |||
Duração do filme | |||
129 minuto(s) |
Dirigido por Bradley Cooper. Roteiro de Bradley Cooper e Josh Singer. Com: Carey Mulligan, Bradley Cooper, Maya Hawke, Matt Bomer, Sarah Silverman, Brian Klugman, Michael Urie, Josh Hamilton, Scott Ellis, Miriam Shor, Tim Rogan, Yasen Peyankov, Zachary Booth, Gideon Glick, Sam Nivola, Alexa Swinton.
Há filmes que se tornam importantes assim que são anunciados: antes mesmo de um frame sequer ser rodado, especialistas em premiações já os colocam como favoritos da temporada seguinte, veículos jornalísticos divulgam cada foto “vazada” (raramente são vazamentos reais; os estúdios dominam a arte de manipular a mídia e as redes sociais); os atores dão entrevistas sobre como aquele é o projeto mais significativo e desafiador que já abraçaram e assim por diante. Em boa parte das vezes, esta se torna uma profecia autorrealizável e o longa se transforma em um fenômeno ao ser lançado porque tornou-se consenso que ele o seria quando ainda estava no segundo tratamento de seu roteiro.
Tomemos Maestro como exemplo: depois de estrear na direção com sua versão de Nasce uma Estrela e ser indicado a inúmeros prêmios, o ator Bradley Cooper assumiu o comando de um projeto sobre a vida de uma das figuras mais marcantes da cultura norte-americana da segunda metade do século 20, o compositor e regente Leonard Bernstein, tendo como produtores do longa ninguém menos do que Martin Scorsese e Steven Spielberg, que por um tempo cogitaram dirigi-lo. Se houvesse uma fórmula matemática capaz de determinar o vencedor do Oscar de Melhor Filme com antecedência, esta produção preencheria todos os pré-requisitos.
O que explica como segue em tantas listas de favoritos mesmo sendo apenas… bom. Corretinho. Inofensivo. E que curiosamente tem como sua maior força o fato de não tentar ser uma cinebiografia convencional e de jogar a carreira de Bernstein para o segundo plano enquanto se concentra em sua relação com a esposa, Felicia Montealegre – embora também a desperdice eventualmente.
Escrito pelo próprio Cooper ao lado de Josh Singer (Spotlight, The Post: A Guerra Secreta), Maestro não traz Carey Mulligan como primeiro nome nos créditos por acaso: em grande parte, o filme gira em torno de sua personagem, Felicia, e de seu efeito sobre o marido, não sendo à toa que sua entrada na narrativa, quando desce de um ônibus e caminha em direção à câmera, seja acompanhada por um trecho da música de Um Dia em Nova York, “Lonely Town Pas de Deux”, que Bernstein compôs em 1944 e que surgia no espetáculo quando um dos personagens principais observava outros marinheiros bailando com suas parceiras enquanto ele se encontrava sozinho – e tampouco é coincidência que logo depois vejamos uma recriação da dança envolvendo o casal. Aliás, ao longo da obra Cooper utilizará várias composições do personagem-título em cenas que nada têm a ver diretamente com suas origens, recontextualizando-as como se Bernstein houvesse criado a trilha de sua própria vida sem ter consciência do que estava fazendo.
Dividindo-se entre o interesse em criar musicais para a Broadway e o objetivo de se tornar o primeiro grande maestro norte-americano, o sujeito reflete esta divisão também em sua vida pessoal, casando-se com a atriz costa-riquenha (criada no Chile) Felicia e tendo três filhos enquanto explorava sua bissexualidade com a benção desta, embora, com o tempo, isto comece a gerar tensões e desgastes na relação. É curioso, diga-se de passagem, como o longa retrata os casos de Bernstein como se fossem algo quase de conhecimento geral, com demonstrações públicas de afeto em uma época na qual isto certamente se tornaria um escândalo – um toque de certo modo fantasioso que tem como propósito espelhar a franqueza do músico consigo mesmo, como se abraçasse sua sexualidade sem restrições (o que não corresponde à realidade, já que ele tentava mantê-la em segredo o máximo possível).
Este é um embate, por sinal, que compromete Maestro em seu centro, já que o roteiro parece se esforçar para evitar qualquer tipo de controvérsia ao mesmo tempo em que acompanha a trajetória de um homem que as assumia em certos aspectos de sua vida (como em suas posições políticas) enquanto as evitava em outras (como ao esconder sua bissexualidade). Assim, Cooper castra o personagem ideologicamente (nenhuma menção é feita, por exemplo, ao seu apoio aos Panteras Negras) e retrata sua vida amorosa de modo quase casto, capturando um beijo aqui e um carinho ali sem evocar de fato o tesão envolvido, como se o desejo sexual fosse mais conceito do que ação, o que talvez seja explicado em parte pela participação significativa dos filhos do casal na produção do filme e na influência destes inclusive para que as músicas do pai fossem liberadas para o cineasta.
É revelador, neste sentido, como o uso de drogas por parte de Bernstein é abordado de modo casual em uma única cena, como se apenas para evitar que o filme fosse acusado de ignorá-lo, o mesmo se aplicando ao período em que se separou da esposa e que a obra cobre de modo rápido e superficial. Em contrapartida, há instantes em que a dor provocada pela necessidade de uma vida dupla é expressada com sensibilidade, especialmente em uma bela cena na qual o protagonista tenta tranquilizar a filha mais velha, Jamie (Hawke), acerca dos boatos que esta ouviu e, depois de fazê-lo, por alguns segundos sente o impulso de dizer a verdade - algo que Cooper retrata lindamente através do olhar e de um breve movimento dos lábios, permitindo que acompanhemos o debate interno do músico sem dizer uma única palavra. Aliás, a performance do ator é intensa e rica em detalhes, como ao alterar o registro de sua voz conforme Bernstein envelhece e ao capturar seus maneirismos enquanto conduz as orquestras (e créditos devem ser dados ao excelente trabalho de maquiagem e no qual o ator/diretor demonstra tanta confiança que abre a projeção com um close de seu rosto coberto de próteses que o envelhecem).
Dito isso, não há como ignorar que o filme pertence a Carey Mulligan, que encarna Felicia como uma mulher multidimensional cujo calor humano, refletido em seu sorriso fácil, dá lugar a uma amargura compreensível à medida que se sente cada vez mais coadjuvante na vida do marido, cujas aventuras sexuais acabam por invadir um espaço sentimental que ela acreditava ser seu (e é tocante perceber seu olhar ressentido ao vê-lo celebrar uma conquista – a estreia do musical Mass - apertando a mão do amante Tommy Cothran, também músico, e praticamente ignorá-la). De modo similar, é fascinante testemunhar as mudanças na composição da atriz diante da passagem das décadas, quando a vitalidade de Felicia cede lugar a um peso e a uma seriedade que não a tornam menos gentil, mas sugerem com inteligência seu desgaste emocional. Além disso, a maturidade de Felicia é algo notável e que também contrasta com a impulsividade muitas vezes juvenil do companheiro, merecendo destaque a cena que se passa em um restaurante e durante a qual acalma a frustração da filha com a firmeza amorosa de uma mãe dedicada.
Porém, é no ato final de Maestro que Mulligan atinge um dos melhores momentos de sua carreira ao ilustrar a fragilidade física crescente de sua personagem, culminando em um plano memorável no qual Cooper mantém a câmera presa ao rosto da atriz enquanto Felicia ouve um caso narrado por uma amiga que a visita: tentando demonstrar atenção ao que está sendo dito, ela sorri e faz breves intervenções enquanto deixa evidente para o espectador o desconforto físico da mulher e seu esforço para disfarçá-lo, além de sugerir também seu constrangimento ao ser obrigada a cuspir várias vezes ao longo do relato, o que busca fazer da forma mais discreta possível (e há uma breve cena que a traz dobrando pequenos pedaços de papel no banheiro, preparando-os para o uso nas horas seguintes, que é devastadora por sua simplicidade e verossimilhança).
É importante reconhecer, neste aspecto, a generosidade de Bradley Cooper com seus atores, já que em muitos momentos evita a tentação narcisista de manter a câmera em si mesmo, permitindo que seu elenco brilhe; ao trazer Bernstein apresentando Felicia ao clarinetista David Oppenheim, com quem havia se relacionado, o diretor se concentra nas expressões de Matt Bomer enquanto este registra o choque do personagem com a situação e a dor que sente não só por ter sido trocado, mas pela crueldade casual do outro, que em sua empolgação com o novo romance não percebe como está magoando o antigo parceiro. Isto, claro, não quer dizer que o cineasta deixe de se valorizar como ator, sendo evidente, por exemplo, que a longa passagem que recria a apresentação da “Sinfonia No. 2” (Sinfonia da Ressurreição) de Mahler na Catedral de Ely, que dura mais de seis minutos, é um momento que ele reservou para exibir sua transformação completa no biografado (e a performance é de fato bela).
Já como diretor, o trabalho de Cooper é um pouco mais irregular: há, sem dúvida, instantes inspiradíssimos (gosto particularmente de como ele consegue a proeza de criar um raccord gráfico – ou algo próximo a isso – ao cortar de vários bailarinos estendendo os braços em direção ao casal central para um plano-detalhe dos pés entrelaçados de Leonard e Felicia sendo descobertos numa cama), mas há também tropeços tão grosseiros que se torna difícil compreender como podem vir do mesmo realizador (e a cena na qual o médico revela o diagnóstico para Felicia é artificial e beira o ridículo, embora Mulligan a salve nos últimos segundos). Além disso, o Cooper cineasta não consegue suavizar os vários diálogos expositivos escritos pelo Cooper roteirista, complicando-se em especial na primeira conversa do casal e, mais tarde, quando 15 anos da carreira de Bernstein são “recapitulados” em uma entrevista). E se o plano inicial do flashback, que começa no escuro enquanto o músico recebe a notícia de que irá reger a apresentação daquela noite e termina com sua corrida até um balcão do Carnegie Hall, é instigante e eficiente, a decisão de usar uma razão de aspecto reduzida por vezes soa mais como muleta visual do que como algo que serve organicamente à narrativa.
Para finalizar, ainda que a cena que retrata a discussão mais importante entre Felicia e Leonard seja acertadamente concebida como uma tomada única rodada em um plano conjunto que salienta a distância entre os dois e a dinâmica da briga (e a imagem final envolvendo Snoopy é um toque inspirado de humor absurdo), é uma pena que de um ponto de vista estrutural seu propósito seja tão transparente, tentando criar um arco dramático entre a acusação de que Bernstein compunha movido não pelo amor, mas pelo ódio (uma afirmação que surge do nada já na segunda metade da projeção), e a retratação feita menos de 20 minutos depois com o único objetivo de comover o espectador.
Não deixa de ser uma coincidência que eu tenha assistido a Priscilla pouco antes de Maestro, já que ambos se concentram nas esposas sofridas de músicos famosos; contudo, há uma diferença fundamental entre os projetos: enquanto o primeiro foi realizado à revelia de Lisa Marie, filha de Elvis, que chegou a declarar seu descontentamento com a maneira com que o pai era retratado por Sofia Coppola (que não teve autorização para usar as canções do artista no filme), o segundo teve apoio incondicional da família Bernstein, que chegou a defender Cooper durante a tola polêmica envolvendo sua prótese nasal – e é bastante plausível crer que isto se refletiu na abordagem inofensiva, água com açúcar, de Bradley Cooper (sobretudo se comparada à de Coppola).
Maestro não precisava ser hostil ao legado do biografado e muito menos se empenhar em retratá-lo negativamente, claro, mas, ao suavizar os aspectos mais problemáticos de sua trajetória, o filme fica perigosamente próximo de soar como uma produção institucional pasteurizada.
O que só aumenta suas perspectivas na temporada de premiações.
Observação: sei que é ridículo, mas admito que fiquei desapontado por Lydia Tár não aparecer nem por um segundo na tela.
21 de Dezembro de 2023
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