Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
17/01/2014 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
111 minuto(s) |
Dirigido por Felix van Groeningen. Com: Johan Heldenbergh, Veerle Baetens, Nell Cattrysse.
Com apenas dois minutos de projeção, ao ver a pequena filha do casal principal de Alabama Monroe recebendo uma injeção como parte de seu tratamento contra a leucemia, eu já sabia que o filme iria doer. E doeu. Aliás, este trabalho do diretor belga Felix van Groeningen é uma daquelas obras que, por mais que eu tenha apreciado, sei que jamais voltarei a assistir (uma categoria na qual se encaixam também O Quarto do Filho e Amor) – e isto é, acreditem, um elogio.
Baseado na peça co-escrita pelo protagonista Johan Heldenbergh, o roteiro de Carl Joos e do próprio van Groeningen acompanha a trajetória do casal Didier (Heldenbergh) e Elise (Baetens). Fazendeiro, músico e apaixonado pelo bluegrass e pela cultura norte-americana, ele rapidamente se apaixona pela tatuadora Elise, que, por sua vez, não demora a se encantar pelo sujeito, tornando-se até mesmo vocalista de sua banda. Anos mais tarde, já morando juntos e pais de uma adorável garotinha de seis anos de idade, Maybelle (Cattrysse, encantadora), os dois enfrentam a doença da filha, que desestabiliza uma união até então harmoniosa.
Com uma estrutura que salta de forma fluida entre passado, presente e futuro ao longo da narrativa, demonstrando a eficiência do montador Nico Leunen, o filme emprega a falta de linearidade cronológica de maneira inteligente para aliviar pontualmente a pesada carga dramática da história ao mesmo tempo em que nos torna mais familiarizados com os personagens. Assim, logo depois de uma cena particularmente trágica, Alabama Monroe retorna ao instante no qual o casal se conheceu, oferecendo espaço para o espectador voltar a respirar e permitindo que nos aproximemos ainda mais daquelas pessoas. Além disso, as composições sensíveis de Heldenbergh e Baetens são fundamentais para a eficiência do projeto: enquanto ela compõe uma mulher que vai da alegria e da leveza à depressão profunda e ao desespero, ele transforma Didier em um gigante de coração gentil que, mesmo devastado, busca oferecer apoio à mulher que ama – até que o esforço acaba permitindo que a amargura extravase de maneira terrivelmente pública.
Amarrado por sequências musicais que trazem as apresentações da banda de Didier, Alabama Monroe usa a seleção das canções incidentais de forma sábia, oscilando entre melodias alegres e melancólicas como um reflexo não só da atmosfera da narrativa em cada ponto, mas do próprio estado de espírito dos personagens. Neste sentido, a ótima fotografia de Ruben Impens completa a experiência ao saltar de cores quentes e agradáveis a paletas frias e dessaturadas.
Representando o pior pesadelo de qualquer pai, Alabama Monroe (e talvez seja melhor só ler o restante deste texto caso já tenha visto o filme) é um retrato aterrorizante da perda e do luto. Se montar o quarto dos filhos representa um momento de esperança, alegria e expectativa, ser obrigado a desfazê-lo, empacotando os brinquedos antes amados pela criança e suas pequenas e coloridas roupas é uma tarefa cruel e inclemente – e que só é rivalizada pela dor de ver, ainda pregados na geladeira, os desenhos infantis de um pequeno artista agora morto.
Não é à toa que tão poucos casamentos sobrevivem à perda de um filho – o que confere um novo significado ao “até que a morte os separe” -, já que, de certa forma, é como se o parceiro se tornasse uma lembrança viva e constante daquela dor: ali estão os olhos da criança ou o formato do rosto ou a cor dos cabelos ou um tique facial ou…
… não. Mais fácil, de certa forma, é se obrigar a mais uma perda do que se manter torturado pela original.
E uma das grandes virtudes de Alabama Monroe é justamente sua capacidade de retratar esta dor compartilhada de forma tão intensa e real. Além disso, ao contrastar a crença de Elise ao ateísmo de Didier, o filme consegue abordar duas maneiras diversas de enxergar a morte, demonstrando que nenhuma delas oferece conforto ou alívio de fato. Sim, aqui e ali o roteiro parece se entregar à pregação sobre a crença ou à falta de, mas ao menos é honesto ao – na maior parte do tempo – tratar as duas vertentes de forma equilibrada, tropeçando apenas ao optar por um recurso cinematográfico desonesto para, de certa maneira, evidenciar que a visão religiosa/metafísica era a “correta”.
O propósito, claro, é enviar o público para fora da sala de projeção com algum grau mínimo de consolo, mas isto ocorre às custas da integridade temática do longa, o que é lamentável.
Ainda assim, Alabama Monroe, candidato da Bélgica ao Oscar 2014, é denso e impactante o bastante para superar este equívoco e deixar uma impressão indelével na mente e na (falo simbolicamente) alma do espectador.
Este texto foi originalmente publicado durante a cobertura do Festival do Rio 2013.
7 de Outubro de 2013