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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
24/05/2013 01/01/1970 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Filmes da Mostra
Duração do filme
150 minuto(s)

Era Uma Vez na Anatólia
Bir Zamanlar Anadolu’da

Dirigido por Nuri Bilge Ceylan. Com: Muhammet Uzuner, Taner Birsel, Yilmaz Erdogan, Ahmet Mumtaz Taylan, Firat Tanis, Ercan Kesal e Cansu Demirci.

Nunca fui fã do cineasta turco Nuri Bilge Ceylan – e quando escrevi sobre seu longa anterior, 3 Macacos, manifestei minha frustração por tê-lo visto sair premiado de Cannes por uma direção egocêntrica e autoindulgente a serviço de um roteiro “vazio como uma comédia de Rob Schneider”. Assim, foi com imensa surpresa que me descobri hipnotizado por este seu novo trabalho, que, com quase três horas de duração, surge como um primo da similar obra-prima romena A Morte do Sr. Lazarescu ao acompanhar várias horas da vida de um grupo de personagens com uma atenção cuidadosa para com os menores detalhes de sua jornada.

Escrito por Ceylan ao lado de sua esposa Ebru e do colaborador habitual Ercan Kesal (que surge no filme como o prefeito de um vilarejo), Era uma Vez na Anatólia abre com um plano simples, mas espetacular, que num rack focus brilhante substitui uma vidraça imunda e manchada pela imagem de três sujeitos conversando alegremente no interior de uma minúscula oficina mecânica. A partir daí, seguimos três carros em uma viagem pelos arredores da cidade e descobrimos que estão ocupados por oficiais da lei em busca do cadáver do dono da oficina, morto pelos dois companheiros. Enfocando o promotor Nusret (Bisrel), o médico local Cemal (Uzuner), o chefe de polícia Naci (Erdogan) e o suposto assassino Kenan (Tanis), entre outros, o filme é ao mesmo tempo um road movie, um policial naturalista, um estudo de personagens fascinante e um exercício de estilo incrivelmente competente. É, em suma, magnífico.

Com uma fotografia soberba de Gökhan Tiryaki, que transforma cada plano em um quadro digno de ser emoldurado e pendurado nas paredes de qualquer museu, o longa também conta com um design de som impecável que estabelece o ambiente no qual os personagens mergulham através do ruído do vento, das folhas balançando nas árvores e dos troncos estalando em função da mudança de temperatura. Além disso, Ceylan exibe uma quase obsessão ao retratar as ações daquelas pessoas com realismo absoluto – e detalhes aparentemente tolos como o sinal feito por um motorista para que o outro carro passe à frente, já que conhece melhor a estrada, são o bastante para conferir humanidade absoluta àqueles indivíduos.

Tornando-se impacientes à medida que as horas transcorrem sem que o suspeito seja capaz de identificar o local no qual enterrou o corpo, os homens focados pelo diretor (e aquele é um mundo de homens) exibem nas olheiras e nos modos nervosos a dureza da tarefa à frente, o que cria um contraste impecável com os pequenos momentos de humor (voluntários ou não) que surgem quando, por exemplo, o promotor faz uma piada ao ditar um relatório ou quando um policial coloca algumas frutas no porta-malas ao lado do cadáver.

Mas o mais fascinante em Era uma vez na Anatólia é perceber como aqueles personagens (especialmente o promotor e o médico) se tornam figuras tridimensionais, complexas, através de conversas aparentemente triviais despertadas pela atmosfera sombria na qual se encontram – e quando o promotor conta a história de uma mulher que aparentemente previu o dia em que iria morrer, o relato é recebido com compreensível ceticismo pelo médico, cujas observações acabam provocando uma reação curiosa no colega e revelando que aquele caso talvez fosse mais importante para o outro do que imagináramos. O elenco talentosíssimo, diga-se de passagem, jamais deixa de convencer nos elementos mais sutis de suas composições – e quando vemos o doutor fingindo conversar no celular para evitar ser abordado por pacientes, reconhecemos sua atitude como algo humano e um sintoma de sua exaustão psicológica.

Igualmente recompensador é perceber como Ceylan cria momentos mágicos no meio de uma narrativa tão realista, usando-os como pequenos interlúdios poéticos, mas também para ilustrar as personalidades de seus personagens. Neste aspecto, o instante mais encantador do filme é aquele no qual a jovem filha do prefeito (a belíssima Cansu Demirci) surge na escuridão carregando uma bandeja com velas e copos de bebida, projetando uma aura angelical ressaltada pelo brilho dourado do fogo e pela discreta câmera lenta que o cineasta emprega para destacá-la daquele universo masculino – e não é à toa que a simples visão da moça parece hipnotizar aqueles indivíduos, chegando a levar um deles às lágrimas. Da mesma maneira, é tocante perceber como o longa nos apresenta à história do médico e a dor que sente em função de seu divórcio através de uma montagem de fotografias antigas que o trazem em vários momentos da vida.

Era uma Vez em Anatólia é uma obra encantadora e hipnótica cuja sensibilidade pode ser resumida no lírico plano que acompanha uma maçã rolando por uma colina até cair num riacho, sendo levada pela correnteza livremente até parar numa poça que já traz várias outras frutas apodrecidas – uma metáfora perfeita das vidas daqueles personagens (e das nossas) que, imprevisíveis, seguem uma trajetória repleta de saltos e percalços que pode até ser divertida e empolgante, mas que inevitavelmente terminarão como todas as outras: encalhadas na morte.

26 de Outubro de 2011

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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