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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
31/10/2019 01/11/2019 4 / 5 2 / 5
Distribuidora
Disney
Duração do filme
128 minuto(s)

O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio
Terminator: Dark Fate

Dirigido por Tim Miller. Roteiro de David S. Goyer, Justin Rhodes e Billy Ray. Com: Linda Hamilton, Mackenzie Davis, Natalia Reyes, Gabriel Luna, Diego Boneta, Tristán Ulloa, Alicia Borrachero, Manuel Pacific, Fraser James e Arnold Schwarzenegger.

Quando escrevi sobre O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas há dezesseis anos, comentei como, “em retrospecto, acaba prejudicando seus antecessores (por que devemos nos importar com os esforços feitos por Sarah, John e o Exterminador para destruir o prédio da Cyberdine, em O Exterminador do Futuro 2, se agora sabemos que suas ações são inúteis e equivocadas?)”. Este erro na trajetória da série persistiu, em maior ou menor grau, nas partes quatro e cinco – e talvez a única forma de contorná-lo fosse mesmo adotando a postura de James Cameron ao retornar à franquia, desconsiderando tudo que houve desde O Julgamento Final e iniciando este sexto longa a partir dos eventos ocorridos na parte 2.


Com uma introdução que traz alguns dos melhores efeitos de rejuvenescimento já produzidos até agora (além da recriação digital de um jovem Edward Furlong), Destino Sombrio destrói qualquer possibilidade de felicidade de Sarah Connor (Hamilton) após anos de luta contra o espectro da Skynet ao revelar como um dos vários Exterminadores enviados do futuro acabou por cumprir sua missão mesmo depois que esta se tornou desnecessária – e a partir daí saltamos para os dias de hoje, quando somos apresentados à mexicana Dani Ramos (Reyes), alvo do avançado exterminador REV-9 (Luna) e que passará a ser protegida pela humana “aperfeiçoada” Grace (Davis).

Escrito por David S. Goyer, Justin Rhodes e Billy Ray a partir de uma história concebida parcialmente por Cameron, o roteiro introduz novos elementos ao universo de O Exterminador enquanto resgata detalhes estabelecidos da série, desde variações de diálogos como Venha comigo se quiser viver!” (ou a transferência de falas clássicas para outros personagens) até as maneiras distintas com que os enviados do futuro chegam ao presente (o vilão já surge em uma pose segura; a heroína despenca desajeitadamente do céu) – e mesmo a natureza das sequências de ação, que oscilam entre perseguições em alta velocidade a combates corporais, segue um padrão pré-estabelecido.

Claro que a escala da ação se amplia consideravelmente, já que as possibilidades oferecidas pela tecnologia se tornaram bem maiores desde 1991 – e a sequência que envolve dois aviões militares, um Humvee e uma represa beira a insanidade em sua ambição (e em seu divertido absurdo). Aliás, de modo geral o diretor Tim Miller (Deadpool) conduz estas passagens com segurança e um bom senso de ritmo, embora, aqui e ali, lhe falte a clareza na mise-en-scène que é um dos pontos fortes de James Cameron, um cineasta que insiste em manter o espectador a par do espaço e do movimento da ação na tela. Estes tropeços pontuais, contudo, são compensados pela intensidade dos embates, já que a força do novo vilão e a habilidade de sua oponente semi-humana ficam claras desde sua primeira luta. (E também gosto muito do corte que Miller e o montador Julian Clarke fazem do rosto do REV-9 para um drone em voo, quando a luz vermelha da câmera do aparelho surge no mesmo ponto da tela em que estavam os olhos do exterminador numa brincadeira com a aparência do original.)

Este novo vilão, por sinal, talvez seja a criação mais ameaçadora da série, exibindo habilidades que ampliam de forma considerável aquelas do fantástico T-1000 vivido por Robert Patrick em O Julgamento Final – e a decisão de retratar sua forma básica como uma gosma preta em vez de prateada pode até ter natureza prática, já que facilita o trabalho de animação ao não obrigá-la a ter que lidar com os reflexos do ambiente ao redor (ressaltando a complexidade envolvida em 1991), mas acaba também por tornar a criatura ainda mais assustadora. Além disso, Gabriel Luna evoca a arrepiante impassividade de Patrick em sua composição e acrescenta seus próprios toques ao permitir que seu exterminador sorria e interaja de modo mais ostensivo com alguns humanos.

Enquanto isso, Mackenzie Davis, tão brilhante no episódio Juniper da terceira temporada de Black Mirror, traz vulnerabilidade e vigor a Grace, permitindo que constatemos como a missão que recebeu é algo que encara com uma dedicação que beira a angústia, ao passo que Natalia Reyes é hábil do ilustrar as mudanças graduais no comportamento de Dani, que inicia a narrativa como uma mulher assustada (quem não estaria?) e que segue os comandos das outras sem questionar e aos poucos passa a se expressar com firmeza e a assumir parte do controle da situação (claro que este espírito de liderança já estava lá, sendo demonstrado em sua iniciativa de confrontar o patrão acerca de uma decisão envolvendo a automatização da fábrica e que – num eco temático bacana – denuncia como o uso crescente das máquinas vem tornando os humanos supérfluos).

No entanto, Destino Sombrio pertence a Linda Hamilton, não sendo por acaso que esta é a primeira vez que a atriz é listada à frente dos créditos: seguindo a progressão que já havíamos testemunhado em O Julgamento Final, Sarah Connor surge aqui como uma guerrilheira completa – e as fortes linhas de expressão no rosto de Hamilton ajudam a evidenciar as décadas de sofrimento e lutas atravessadas pela mulher. Ao mesmo tempo, o fato de Sarah não compreender exatamente o que está acontecendo lhe confere uma incerteza que leva o público a perceber como, depois de anos dedicados a um propósito, ela agora se encontra fora de sua zona de conforto (ou “conforto”). Para completar, é impossível negar o potencial dramático de sua situação, já que ninguém conhece a dimensão dos sacrifícios que fez – ou mesmo sua existência – justamente por ter sido bem-sucedida em sua missão, sendo também particularmente doloroso, para ela, reconhecer como a morte do filho foi um ato sem significado, um resquício de programação por parte de uma máquina incapaz de compreender que já não havia propósito para sua função.

O que nos traz, como não poderia deixar de ser, a Arnold Schwarzenegger e ao seu T-800: se o austríaco já trouxera humanidade ao androide em 1991 numa performance que merece bem mais créditos do que recebe, desta vez ele tem a oportunidade de criar a versão do exterminador mais complexa de toda a série ao retratá-lo como uma criatura que, mesmo incapaz de sentir emoções genuínas, evoluiu a ponto de compreender a natureza destas – e é curioso perceber como o tempo serviu para suavizá-lo enquanto, em contraste, tornou Sarah mais implacável e menos humana (e a simples decisão de não usar um elemento de seu figurino diz muito sobre como o personagem passou a se enxergar).

Mas talvez uma das decisões mais importantes do roteiro tenha sido alterar a identidade da grande vilã da série, a Skynet, que, eliminada em O Julgamento Final, aqui é substituída pela “Legião”. Sim, pode parecer uma pequena mudança, mas que é instrumental ao escancarar por que A Rebelião das Máquinas enfraquecia os filmes anteriores enquanto Destino Sombrio os expande: ao apresentar a dominação da Skynet como algo inevitável mesmo depois do que havíamos testemunhado, a parte 3 falava de destino, de algo imutável; já este novo capítulo, ao argumentar que de um modo ou de outro, com a Skynet ou com a Legião, acabamos encontrando um jeito de nos destruir, fala da natureza humana.

Se o determinismo daquele anulava a possibilidade de diálogo, agora a franquia reencontrou a chance de discutir a importância da Escolha e de assumirmos nossas responsabilidades diante do mundo.

E isto é apenas parte do que torna O Exterminador do Futuro 6 tão fascinante, já que eu poderia escrever um texto dedicado apenas aos seus subtextos e à sua disposição de encarar e discutir as mudanças culturais pelas quais o mundo passou desde que ouvimos Schwarzenegger dizer “I’ll be back” pela primeira vez.

Aliás, deixar de analisar estes elementos seria negligenciar minha tarefa como crítico – e, portanto, a parte 2 deste texto, logo abaixo, evitará que eu cometa este erro.

 

Parte 2 - O T-800 e Rambo: A Evolução (ou não) dos Ícones da Era Reagan 

Em certo momento de O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio, a guerreira Grace, intrigada com a postura de Sarah Connor, pergunta a esta por que se dispõe a enfrentar um oponente letal para proteger uma garota que mal conhece. “Porque já fui ela”, responde Sarah sem hesitar.

Estas quatro palavras, claro, poderiam ser substituídas por apenas uma: sororidade. Empregando sua trama fantasiosa sobre assassinos metálicos enviados do futuro como amparo narrativo, o roteiro desta continuação reflete, em seu subtexto, uma discussão cada vez mais presente nos dias de hoje: a ameaça às mulheres representada pelos homens ao seu redor e como, em última análise, a aliança entre estas é sua melhor proteção. Trata-se de uma posição clara que demonstra como a Arte é política por natureza por mais que tantos insistam em negar esta obviedade – por medo, talvez, de que isto arruíne sua diversão.

Ora, o Cinema não é produzido em um vácuo; tudo que influencia seus criadores e o contexto de sua realização é refletido de algum modo em seu discurso. A cultura de massa é ao mesmo tempo impulsionadora e reflexo da sociedade na qual está inserida - e uma obra concebida por artistas minimamente conscientes do mundo ao seu redor trará, em algum nível, sinais desta cultura independentemente do gênero da narrativa. Não é à toa que Sarah, estacionada no tempo por ter se isolado de tudo e de todos, exibe o impulso inicial de interpretar a importância de Dani a partir de sua experiência no passado, quando se tornou vital não por quem era, mas pelo homem que iria gerar – e é com certo choque que ela, mesmo sendo uma combatente valorosa, constata como a outra é relevante por si mesma, não pelo que sairá de seu útero.

Mas mais do que isso: ao ambientar boa parte da ação no México e elevar uma mulher mexicana (interpretada por uma atriz colombiana) ao posto de salvadora da humanidade, O Exterminador 6 se mostra plenamente consciente do simbolismo político da opção em uma época na qual os Estados Unidos são governados por um supremacista branco que vilaniza latinos e transformou a fronteira com o país vizinho em instrumento para ganhar votos através do fomento do medo e da intolerância – e há um breve, mas importante momento no qual esta demografia pró-Trump (sulista, evangélica) é referenciada pelo roteiro ao trazer o vilão, disfarçado de agente policial da fronteira, abordando dois policiais com forte sotaque texano e mencionando ter rezado intensamente ao se ver diante de uma ameaça antes de solicitar uma informação (e a intenção dos roteiristas se torna ainda mais óbvia se considerarmos como, de um ponto de vista de verossimilhança, a especificidade deste subterfúgio soa estranha partindo de uma máquina vinda do futuro, sendo mesmo assim mantida no filme).

Aliás, é um exercício curioso e revelador comparar O Exterminador do Futuro 6 a outro exemplar recente de uma franquia icônica da década de 80, Rambo 5, e observar suas similaridades e diferenças. Em ambos, os personagens de Schwarzenegger e Stallone são encarregados (sozinhos ou acompanhados) de proteger jovens latinas, mas a abordagem de cada filme não poderia ser mais distinta: se Rambo se entrega ao gore absoluto movido por racismo e jingoísmo, enxergando as mulheres como donzelas em perigo sob a tutela de machões viris, O Exterminador compreende a importância da diversidade e o conceito de empoderamento feminino. Além disso, a própria fronteira entre México e Estados Unidos é retratada sob óticas bem diferentes: no filme de Schwarzenegger, a Imigração norte-americana é percebida como bárbara, desumana; no de Stallone, a cerca de Trump é vista como símbolo de segurança contra a selvageria mexicana.

Analisar estas duas continuações é perceber um contraste de visão de mundo, de ideologias - e é por isso que tentar negar a discussão política presente na Arte não só é um exercício de futilidade, mas também algo estúpido. Todo filme traz, de modo direto ou indireto, um posicionamento diante do mundo – e é curioso notar como muitos só parecem reclamar (ou notar o subtexto político) quando esta posição reflete um ponto de vista diferente daquele que por mais de um século foi o dominante, o do homem branco cristão cis heterossexual, numa variação da postura de só protestar contra “influência ideológica” quando esta ideologia é a do Outro, como se a própria ideologia fosse apenas natural, um padrão de fábrica.

Perceber como O Exterminador 6 e Rambo 5 te fazem enxergar (ou tentam) seus personagens latinos não é negar a "diversão"; é vê-la como parte de um todo. Do mesmo modo, estudar o conteúdo ideológico no subtexto de um filme de gênero não significa ser "incapaz de se divertir"; significa apenas que somos seres pensantes e capazes de processar a Arte em diferentes níveis simultâneos - como entretenimento e como discurso.

E a experiência se torna muito mais rica assim. Afinal, por que pagar o valor integral de um ingresso para aproveitar a obra apenas parcialmente?

06 de Novembro de 2019

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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