Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
25/11/2011 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
84 minuto(s) |
Dirigido por José Joffily.
Uma de minhas grandes frustrações é a de jamais ter aprendido a tocar um instrumento. Há algo de poético, transcendental e profundamente romântico na figura de um humano extraindo beleza de um objeto aparentemente prosaico – e poucas coisas me comovem mais do que ver um colega de espécie mergulhado nas notas que vai criando através do movimento coordenado de seus dedos, auxiliado ou não por seu fôlego. No entanto, esta visão romântica oculta um lado prático comumente ignorado por aqueles que apenas admiram a música de fora: as infinitas horas de prática, os ensaios exaustivos, os estudos intensos e, claro, as dificuldades financeiras e profissionais enfrentadas por quem busca viver da Arte.
Pois em Prova de Artista, o cineasta José Joffily abandona temporariamente a ficção e se dedica a acompanhar cinco jovens músicos que buscam encontrar alguma estabilidade financeira em orquestras mineiras, cariocas e paulistas – uma ambição que exige incrível preparação e que desperta nos instrumentistas uma ansiedade crescente à medida que as tão temidas e aguardadas audições se aproximam. E se o violinista Rodrigo sai de São José dos Campos para tentar a sorte na Orquesta Filarmônica de Minas Gerais, caminhos diferentes percorrem o violista Rodney, o oboísta Ricardo e o violinista Byron, que se candidatam a posições na Sinfônica paulista, ao passo que a canadense Catherine, fagotista da Filarmônica mineira, busca conciliar a vida de mãe de um bebê com a possibilidade de realizar uma prova para ingressar na orquestra de São Paulo.
Estabelecendo uma bem-sucedida proximidade com seus personagens (física, inclusive, já que se encontra frequentemente a apenas alguns centímetros dos entrevistados), José Joffily leva-os a um conforto que se reflete na franqueza com que se manifestam – desde o instante em que Ricardo pede para ficar sozinho, longe da equipe, antes de uma audição, até aquele em que Rodney manifesta todo o nervosismo que antecede a prova: “Tô sentindo medo”. Além disso, o cineasta é hábil ao retratar o choque aparente e constante entre a sensibilidade artística daqueles jovens e a constatação de que devem buscar meios de se sustentarem financeiramente em uma área notória pelas dificuldades enfrentadas neste aspecto (e não é surpresa quando Rodrigo confessa ter que tocar em dois ou três casamentos nos fins de semana para complementar o salário da orquestra). Se somarmos a isso a competição rígida entre músicos que geralmente iniciaram seus estudos ainda crianças, fica claro que a trilha sonora que acompanha estes profissionais combina o prazer da vocação com a tensão das contas vencidas ao fim do mês.
Aliás, é justamente por esta razão que Prova de Artista comove ao enfocar, por exemplo, o pai de Rodrigo, que, metalúrgico apaixonado por música, trabalhou a vida inteira para bancar os estudos dos dois filhos instrumentistas – e, da mesma maneira, é difícil segurar as lágrimas ao ouvir o testemunho da mãe de Rodney enquanto esta se lembra dos sacrifícios feitos para comprar o primeiro violino do rapaz. No entanto, comprovando que os obstáculos financeiros são universais, Joffily também revela os problemas de Byron, cujos empréstimos estudantis nos Estados Unidos somam 200 mil dólares e que, por esta razão, mostra-se obcecado em encontrar posições em orquestras que lhe paguem cada vez mais.
Assim, considerando as complicações práticas das vidas dos jovens artistas, é tocante e revelador perceber como parecem se esquecer destes problemas quando produzem sua Arte. “A música existe além da partitura”, explica um deles, ao passo que Catherine, revelando seu método de estudos, explica praticar muito mais a música em sua mente do que com o instrumento – o que imediatamente me remeteu à inesquecível sequência de Amadeus na qual Mozart dita o réquiem para Salieri. E se Byron se mostra tão racional e “ganancioso” (como ele mesmo se descreve em certo ponto), não demora muito até que entre num verdadeiro transe ao executar uma peça particularmente difícil, contorcendo-se apaixonadamente com seu violino enquanto seus olhos revelam um mergulho absoluto na música. E como evitar um sorriso ao ouvir Ricardo dizer que se afastará “por um tempo” do oboé apenas para concluir que estas férias durarão dois dias?
Mas a paixão e a dedicação absolutas não são o bastante em um universo tão preciosista – e Joffily escancara isso ao focar a câmera no rosto dos maestros que escutam as performances dos candidatos: enquanto o espectador leigo se impressiona com o aparente talento dos músicos, os veteranos avaliadores fazem caretas como se submetidos a uma verdadeira tortura, expondo em seus rostos o reconhecimento de falhas graves muitas vezes imperceptíveis para o público. E só então percebemos de fato a dimensão do sacrifício feito pelos personagens que acompanháramos até então, que, além de se preocuparem com os extratos bancários, sabem que só terão chance de mantê-los no azul com milhares de horas de prática que, aos nossos olhos, soariam como pura insanidade.
Com isso, Prova de Artista não só ilustra com competência um aspecto importante da profissão como consequentemente inspira admiração ainda maior por aqueles que, mesmo cientes das imensas dificuldades que enfrentarão, se dedicam a enfeitar o mundo com notas musicais.
18 de Janeiro de 2012