Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
12/11/2010 12/11/2010 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
93 minuto(s)

Gnarr
Gnarr

Dirigido por Gaukur Úlfarsson. Com: Jón Gnarr.

É fácil criticar o “povo” por conferir uma votação maciça a uma figura como o palhaço Tiririca: afinal, como alguém poderia votar conscientemente em um sujeito que, durante a campanha, afirmou não saber qual seria a função de um deputado e usava, como justificativa para sua candidatura, o slogan “Pior do que tá, não fica”? No entanto, embora seja fácil, esta crítica deveria vir acompanhada de uma análise cuidadosa das circunstâncias que viabilizaram a eleição do sujeito – e não há como negar que, de certa forma (e por mais danosa e contraproducente que seja esta atitude), o voto a Tiririca representou, ao seu próprio modo, uma manifestação de insatisfação com a classe política que dominava (e domina) o Congresso. O lamentável é que, em vez de servir como alerta, a vitória do palhaço acabou enfraquecendo ainda mais uma instituição que precisa de reformas urgentes – especialmente por implicar na eleição de vários de seus colegas de partido com votações insignificantes e históricos duvidosos.

A boa notícia é que não estamos sozinhos, já que, como retratado no documentário Gnarr, um processo parecido ocorreu na Islândia também recentemente, quando o comediante Jón Gnarr, famoso por seus programas de humor, decidiu protestar contra o caos da economia do país e a corrupção crescente ao criar o Melhor Partido (o nome é genial) e lançar-se como candidato à prefeitura da capital Reykjavik. Demonstrando a clara intenção de conturbar as eleições (o que o diferencia de Tiririca, cuja motivação não passava por protestos ou ideologias), o sujeito usa como base de sua campanha a promessa de inaugurar uma Disneylândia na cidade, de “importar judeus” para aquecer a economia e de só manter na sua equipe pessoas que tivessem assistido e apreciado a série The Wire.

Elegendo a irreverência como escudo, aliás, Gnarr se torna praticamente imune aos ataques dos adversários – e se normalmente atitudes embaraçosas no passado dos candidatos poderiam servir como fator determinante na eleição, isto simplesmente não se aplica a um sujeito que passou a vida protagonizando quadros de humor como aquele que o trazia como ninguém menos do que um Adolf Hitler prestes a lançar um CD intitulado “No Regrets”.  

Sem hesitar ao declarar que quer apenas ganhar “o maior salário possível fazendo o menos que puder”, Gnarr, ao contrário dos políticos profissionais aos quais se opõem, diverte-se ao dizer absurdos que condenariam qualquer candidatura ao fracasso – e ao ler uma entrevista na qual defende Stalin como modelo de estadista, ele chega a manifestar o desejo de que seus adversários encontrem e usem suas declarações.

Mas é aí que algo inesperado ocorre: embora lançado como um experimento de humor, o Melhor Partido rapidamente começa a atrair a atenção dos eleitores, ultrapassando nas pesquisas várias organizações há muito estabelecidas na política islandesa. A partir daí, o documentário começa a perder o rumo, já que, assim como o próprio Gnarr, parece se tornar subitamente consciente da seriedade da situação, passando a se equilibrar desajeitadamente entre o humor e declarações de intenções mais sérias. Como se não bastasse, ao investir bastante tempo em comentários que fazem constantes referências a eventos e figuras específicos da cultura e da História da Islândia, o filme se torna cansativo para os espectadores pouco familiarizados com estas, acabando por parecer mais longo do que é na realidade.

Ainda assim, não há como escapar do carisma de Jón Gnarr e de deixar de simpatizar com suas motivações. Afinal, é difícil resistir a um político que, mesmo sorrindo com uma calculada artificialidade, tem como lema a frase “Um viva para todo tipo de coisa!”. Se a falsidade é padrão na política (e é para muitos), ao menos Gnarr adota a alegria como sua hipocrisia de  preferência.

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival de Tribeca de 2011.

27 de Abril de 2011

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

Você também pode gostar de...

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!