Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
07/09/2011 | 07/09/2011 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
90 minuto(s) |
Dirigido por Greg Barker.
Todos os anos, mais de uma centena de crianças e adolescentes de cerca de 70 países se dirigem ao Cairo para uma competição considerada importante no mundo islâmico: a de recitação do Corão. Mas o que torna esta disputa particularmente interessante não é a recitação em si (embora esta também mereça atenção, como discutirei abaixo), mas o fato de que os envolvidos, depois de ouvirem o início de uma passagem, devem recitar o restante de cor. Aliás, há algo ainda mais fantástico do que a constatação de que aqueles jovens decoraram todo o livro sagrado de sua religião: acreditem ou não, boa parte deles sequer fala árabe, tendo memorizado todo o Corão foneticamente.
Com uma estrutura narrativa que remete ao também interessante Spellbound, que girava em torno de um campeonato de soletração, Koran by Heart acompanha com especial atenção três competidores: os pequenos Nabiollah (do Tajiquistão), Rifdha (das Maldivas) e Djamil (do Senegal). Enfocando o treinamento das crianças e suas relações com os pais, o documentário se detém também nas várias regras da disputa, que envolvem não apenas a memorização das passagens, mas o ritmo no qual são recitadas, a pronúncia das palavras e até mesmo a projeção vocal dos participantes.
Mas o mais tocante é perceber que, em sua essência, o campeonato é menos uma disputa de conhecimento e mais uma celebração do próprio Corão – algo que fica claro quando o principal juiz, um especialista no texto que certamente o conhece de trás para frente (ou eu deveria dizer “da frente para trás”, considerando a direção da leitura?), não consegue conter as lágrimas ao ouvir a melódica recitação de um dos jovens participantes. E como o próprio nome do livro sagrado já evoca o recitar como prática religiosa, é claro que o fato de o texto ser memorizado mesmo por crianças de sete anos que não falam árabe logo é interpretado como sendo um milagre típico do poder do Corão.
Ainda assim, o diretor Greg Barker faz questão de evidenciar a natureza moderada dos organizadores do evento, que criticam a má interpretação do livro feita por fundamentalistas e terroristas – e o ministro do governo egípcio responsável pela competição chega a dizer, em certo momento, que o mundo certamente viveria em paz caso todos os muçulmanos “entendessem de fato o Corão” (uma fala de tolerância cujo impacto logo é diminuído quando, a seguir, ele completa que os “níveis no paraíso destinados a cada indivíduo serão determinados pela quantidade do livro memorizada por estes”).
Mas não só isso: é triste notar, por exemplo, como o pequeno Nabiollah, embora um prodígio no que diz respeito à memória e à recitação, é praticamente um analfabeto em sua língua natal, já que seu professor se concentrava exclusivamente no estudo do Corão – e, da mesma maneira, embora a jovem Rifdha seja obviamente uma garota inteligente e com ambições de se tornar uma “exploradora”, seu pai não demora a afirmar que ela terá que se tornar uma dona-de-casa.
Tocante, fascinante e hábil ao levar o espectador a conhecer e se importar com seus personagens, Koran by Heart ainda serve como evidência clara de que, caso o mundo concebido por Ray Bradbury em Fahrenheit 451 venha a se concretizar, provavelmente nenhum livro terá mais cópias do que o Corão.
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival de Tribeca de 2011.
27 de Abril de 2011