Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/01/1970 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Nelson Hoineff.
Cada época tem o Paulo Francis que merece: se antes tínhamos o original, que, do alto de sua visão conservadora, revelava-se um articulista inteligente, interessante e divertido, agora temos imbecis como Rodrigo Constantino e Diogo Mainardi, que escrevem com a mesma mediocridade com que pensam - e chega a ser ofensivo que Caro Francis, ode ao velho comentarista, traga justamente este último como um de seus entrevistados.
Ex-esquerdista que se converteu sem reservas à mais extrema das direitas, Paulo Francis era um homem reacionário, racista, sexista, homófobo e profundamente arrogante. Baseado em Nova York por anos e anos, era um republicano confesso e politicamente incorreto até o último fio de cabelo. Por outro lado, era também um escritor competente que, em função de seu gosto por hipérboles e do senso de humor apuradíssimo, representava sempre um ponto de vista interessante. Era perfeitamente possível desprezar tudo o que Francis dizia e, ao mesmo tempo, admirar a forma com que ele se expressava.
Dirigido por Nelson Heinoff, o documentário é hábil justamente ao apontar este fato – e contando com várias imagens de arquivo, o cineasta permite que Francis prove isto por si mesmo: a cada vez que surge na tela, o jornalista invariavelmente leva o espectador ao riso com sua presunção, com a firmeza com que defende sua visão conservadora do mundo e, vale dizer, com suas piadas. Se há um problema com Caro Francis, aliás, é a visão unilateral que oferece sobre seu protagonista: as críticas feitas ao sujeito são poucas e, quando surgem, ganham poucos segundos, sendo imediatamente substituídas por longos minutos com extensas defesas (em certo instante, por exemplo, uma velha acusação de plágio contra Francis é levantada enquanto o autor de um texto sobre o assunto afirma ter inúmeras provas de que o comentarista realmente copiava trechos escritos por outras pessoas, mas Heinoff não só ignora qualquer evidência como ainda traz Mainardi (vejam quem!) afirmando que o outro está agindo de “má-fé” – uma ironia só igualada no instante em que o mesmo estúpido colunista de VEJA acusa um velho ombudsman da FOLHA de ser “medíocre”). E o que dizer do instante em que alguém argumenta que Francis tinha “uma boa voz para cantar” – uma besteira (sem importância, verdade) que o filme parece aceitar completamente?
Igualmente lamentável é perceber a seleção ofensivamente parcial que Heinoff fez ao escolher passagens do Manhattan Connection e nas quais Francis surge sempre massacrando seu colega de mesa Caio Blinder. Ora, eu assistia ao programa (que abandonei quando escalaram o porta-voz da Direita Emburrecida, Mainardi, para completar a equipe) e me lembro de diversas ocasiões em que Blinder deixou Francis sem palavras ou relegado a defesas raivosas e sem o menor nexo – pois esta era justamente uma das maravilhas do programa: ver quem sairia vencedor naquele dia; se Francis fosse o articulista imbatível apresentado pelo filme, a graça deixaria de existir. Como se não bastasse, Heinoff comete alguns erros grosseiros como cineasta, como, por exemplo, ao incluir a leitura de uma interminável carta escrita sobre a gata favorita do personagem-título ou – ainda mais grave – ao rodar uma entrevista em que o cãozinho do entrevistado pode ser visto deitado de pernas para cima no outro extremo do sofá, numa imagem absurda que leva o espectador ao riso e tira completamente o foco do que está sendo dito naquele instante.
Porém, Caro Francis abandona a esfera do “erro bobo” e cruza a fronteira do “ofensivo” ao defender a tese de que Paulo Francis teria praticamente sido assassinado pela Petrobrás – ou, a rigor, por seus diretores da época. Afirmando num programa veiculado para todo o país que “todos os diretores da empresa tinham contas no exterior”, o jornalista simplesmente não tinha prova alguma que embasasse a grave acusação e, portanto, era mais do que natural (mais: inevitável) que fosse processado pelos acusados. Depois de ter usado seus contatos com José Serra e FHC (então Presidente da República) para tentar inutilmente acabar com o processo (Cardoso assume nem saber se o processo foi pra frente ou não), Francis, em vez de realizar um pedido público de desculpas (algo que os autores da ação afirmam que seria o bastante para que a encerrassem), apenas repetiu outras ofensas no Manhattan Connection, agravando ainda mais a própria situação.
A conclusão bombástica (e terrivelmente tola) do documentário, explicitada por Mainardi et al.? “Eles mataram o Francis!”. Felizmente, a própria viúva do jornalista exibe imensa sensatez ao evitar atribuir qualquer responsabilidade a quem quer que seja pela morte do marido (embora haja a sugestão de um erro médico), o que alivia um pouco o impacto que aquela besteira poderia ter no filme.
De todo modo, Caro Francis, mesmo parcial e falho, é um retrato digno de um homem de cujas opiniões, confesso, eu discordava (e discordo) passionalmente – algo que não será uma surpresa para quem lê meus textos há algum tempo. Porém, dito isso, poucas pessoas mereciam ter ganhado mais alguns anos de vida, para que pudessem chegar inteiras à época dos blogs, como Paulo Francis.
E se assumi que não concordava com suas posições, assumo também que devoraria cada um de seus posts.
(Texto originalmente publicado durante a cobertura da 33a. Mostra de São Paulo.)
29 de Outubro de 2009
Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!